"PEC 285 não resolve, só piora"
Sandra Nascimento
Gazeta Mercantil
9/10/2006
Quem quer que vença a disputa pela faixa presidencial, terá de desconsiderar a proposta de reforma tributária em tramitação hoje no Congresso Nacional (PEC 285) e começar tudo de novo para garantir uma mudança eficaz. Na avaliação do ex-coordenador tributário da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo Clóvis Panzarini, sócio-diretor da CP Consultores Associados, a PEC 285, como está, não resolve nenhum dos problemas tributários do Brasil, seja a guerra fiscal, seja a complexidade, seja a eficiência.
Ele destaca a importância de um novo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para acabar com os efeitos nocivos da guerra fiscal para a economia do País. "Quem sabe um IVA nacional dual, dividido entre União e estados".
Veja a seguir os principais pontos da entrevista.
Gazeta Mercantil - Como o sr. vê a situação fiscal do País?
Clovis Panzarini - Eu acho que o equilíbrio fiscal do País é um equilíbrio de fio da navalha. É muito complicado porque temos despesas estruturais que não se cortam a não ser com profundas mudanças. Se nós pegarmos a composição da despesa pública, nós vamos ver que temos dois componentes, o déficit da previdência e o déficit com o pagamento de juros, que afoga o país. O que está acontecendo é que todo o ajuste está sendo feito em cima do investimento. O Brasil tem um investimento ridículo, que compromete a capacidade de o País crescer. O setor público do Brasil investe pouco (2,9% do PIB) e não cria condições de infra-estrutura para o desenvolvimento sustentável. Enquanto o Brasil estiver crescendo 2%, 3%, empatando com o Haiti, vai se equilibrando, mas não vamos conseguir sair disso.
Gazeta Mercantil - Há uma solução para isso?
Uma reforma previdenciária tem um custo político elevado e não tem efeitos no curto prazo. A questão dos juros da dívida pública também é complicada. Enquanto o País tiver uma dívida de 5% do PIB, ele não tem como fazer diferente. Isso sufoca qualquer possibilidade de crescimento. Não sobra dinheiro para investimentos.
Gazeta Mercantil - Independente de quem ganhe as eleições, qual deverá ser a primeira medida a ser tomada pelo presidente da República nesse sentido?
Precisa enxugar. Precisa fazer uma reforma tributária mais eficiente.
Gazeta Mercantil - A proposta que está no Congresso Nacional, resolve o problema?
Não, não resolve nenhum dos problemas que nós estamos enfrentando, nem da guerra fiscal, nem da complexidade, nem da eficiência, nada. Pelo contrário, acho até que ela piora. O governo tem que procurar fazer uma reforma mais eficiente, não acabar com a carga tributária, que não é causa, é conseqüência. Enquanto o Brasil tiver gastos de 33%, 34% do PIB, não pode arrecadar menos do que 37%, sobram quatro para pagar a conta. E quatro é o superávit, comprometido para pagar a dívida. Então como reduzir a carga tributária sem reduzir os gastos? Tem que cortar gastos.
Gazeta Mercantil - Como?
Tem que enxugar o Estado, tem que trabalhar numa reforma tributária que a médio prazo consiga trazer mais racionalidade ao sistema e verificar até que ponto pode mexer na taxa de juros. Não se faz isso por decreto, mas deve-se achar uma forma de evitar uma taxa que não seja tão gravosa para o erário, que é o governo, o grande pagador de juros, e para a economia.
Gazeta Mercantil - Quais seriam os principais pontos da reforma tributária?
A minha convicção é que o principal problema do Brasil hoje se chama ICMS. Ele representa 22,23% da carga tributária do País, é o maior do Brasil e virou um frankstein, fica pior a cada edição do Diário Oficial, a cada reunião do Confaz. É um imposto que tem um pecado original. Foi erroneamente colocado na competência estadual. O ICMS é um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) e a questão é que o IVA é um imposto de competência nacional no mundo todo, menos no Brasil. Federalizar o ICMS agora é complicado porque o federalismo fiscal está sedimentado. O ICMS hoje, em São Paulo, representa 90% do orçamento. Como federalizá-lo e transformá-lo numa transferência?
Gazeta Mercantil - Boa pergunta...
Eu acho que nós temos que procurar o meio termo, quem sabe criar um IVA nacional dual, com um pedaço da União e outro dos estados, ambos administrando isso aí e não apenas fazendo a federalização do imposto, com a transferência para os estados, até porque politicamente ele é inviável, até mesmo porque não dá para federalizar toda a receita tributária e o resultado disso distribuir aos estados via transferência. As transferências federais têm de ser feitas de acordo com um critério, que é decidido politicamente. E aí nós batemos na questão da representatividade dos estados no Parlamento. Então a saída pode ser um IVA compartilhado, com princípio de destino, que é a única forma de acabar com a guerra fiscal. Não adianta dizer que é proibido conceder benefícios, já é proibido hoje, mas os estados não obedecem. Isso acabaria com o fato de os estados legislarem unilateralmente, com esse cipoal de normas e de regras, cada estado tem uma regra e a decisão de um estado afeta outro.
Gazeta Mercantil - Como sair desse imbroglio?
O vetor da guerra fiscal é a alíquota interestadual. Se a alíquota fosse zero, cada estado poderia legislar unilateralmente sem afetar os outros estados, porque se é zero, você tem um princípio de destino puro, ou seja, cada estado legisla não para o seu produtor, mas para o seu consumidor.
Gazeta Mercantil - Mas uma das principai discussões é justamente entre estados mais produtores e mais consumidores...
Esse é um problema. São Paulo já teve 20% da receita decorrente do saldo líquido da alíquota interestadual, hoje está em torno de 10%, 12%, caiu pela metade. Mas nós temos que achar uma forma de caminhar para o princípio de destino sem ofender de maneira muito forte as finanças dos estados exportadores líquidos como São Paulo. Se nós quisermos racionalizar o sistema, nós podemos fazer um modelo no qual São Paulo perca receita, mas seja compensado pelo fundo de transferência, ou seja, solução econômica e matemática existe, precisa agora ver como fica no Parlamento.
Gazeta Mercantil - Parece que a solução ainda está longe...
Está tudo na estaca zero. E a PEC 285 consegue piorar o que já não presta. Eu acredito que muito dos empresários não leram as entrelinhas. O mecanismo de cobrança interestadual do ICMS é uma maluquice, cada operação interestadual terá de ser precedida do pagamento antecipado do imposto para o estado destinatário da mercadoria, o que significa que cada contribuinte haverá de se inscrever em tantos estados quanto forem os seus clientes. Tudo isso está na proposta, cada estado vai fiscalizar o país inteiro. Se um fisco incomoda muita gente, 27 fiscos vão incomodar muito mais...
Gazeta Mercantil - Parece inviável...
É inviável. Também não acaba com a guerra fiscal. Diz que "não tem mais benefício fiscal, é proibido". Hoje também é proibido, só que ninguém cumpre. Dizem também que, com a PEC, os estados não vão poder legislar em matéria tributária. Mas os benefícios fiscais são feitos com legislação financeira, financiamento de longo prazo do ICMS. Nada vai proibir que um estado faça uma lei financiamento 12% do faturamento de uma empresa durante 20 anos e12%, por acaso, é a alíquota...
Gazeta Mercantil - Há alguma esperança?
Estou pessimista porque passei trinta anos discutindo reforma tributária e a coisa sempre bate na questão regional, os conflitos são muito grande. Cada vez que você fala em reforma tributária, todo estado que tem uma representação política mais forte quer ganhar. Para haver essa concertação onde a questão regional seja desprezada e se pense apenas na busca da eficiência, da racionalidade, é muito difícil, politicamente. Tecnicamente é muito fácil. Se cada um deixasse de lado os interesses regionais e políticos para buscar um sistema tributário que mantenha a exata atual distribuição atual da receita e que seja razoavelmente racional...
Gazeta Mercantil - Qual a conseqüência desse impasse no médio e longo prazo?
O Brasil vai continuar patinando, as conseqüências a gente está vendo hoje. Desses todos os problemas que travam o crescimento econômico, a questão tributária é muito forte, o contribuinte hoje tem uma insegurança jurídica enorme.