Deus Pai. Deus Filho

Uma visão acadêmica e legislativa em dois trabalhos de fôlego

Amazônia Redividida:
elementos para a compreensão dos processos em curso de
redivisão territorial do Estado do Pa[1]

Prof. Dr. Gilberto de Miranda Rocha

Universidade Federal do Pará

INTRODUÇÃO

Uma viagem ao passado da Amazônia demonstra o quanto a redivisão territorial tem sido uma questão que se renova e muitas vezes se amplia, em diferentes momentos da vida política brasileira e com diferentes significados e justificativas. Algumas dessas justificativas fazem parte dos argumentos de praticamente todos os movimentos emancipacionistas de âmbito regional tais como: a grande dimensão territorial, o que inviabiliza a administração e prestação adequada dos serviços públicos, a desigual distribuição e alocação de recursos, o controle e a defesa do território e das fronteiras e, portanto, a necessidade de ampliação da presença do Estado, defesa nacional, ampliação da representatividade política regional, a estadualização como alavanca para o desenvolvimento regional, etc....E, outras recentemente incorporadas como a necessidade de controle do narcotráfico, as guerrilhas fronteiriças.
No presente trabalho procuramos refletir sobre a redivisão territorial da Amazônia, e particularmente sobre as propostas de divisão do Estado do Pará, focalizando dois aspectos subjacentes a esse processo de partilha territorial: a dimensão econômica da redivisão, i. e. o que estimula essencialmente em termos dos recursos existentes nos territórios e a dimensão simbólico – cultural através da qual se fundamenta a apropriação coletiva do espaço. Antes porém, refletimos sobre o reordenamento espacial do território, sobre as mudanças nas formas de apropriação e uso dos territórios induzidas pelas políticas públicas federais para a região nas ultimas três décadas. Ainda visando criar bases para a melhor compreensão das propostas, procuramos focalizar as mudanças sócio – culturais – emergência de novas territorialidades - e político-institucionais – alteração nas formas e mecanismos de gestão - desfechadas no Estado nas últimas décadas. Além desses aspectos, o presente trabalho pretende contribuir para aprofundar a reflexão sobre alternativas a divisão territorial assim como as atuais formas de gestão territorial: uma terceira via ?

1.O ParÁ sob intervenção : a federalização e a reestruturação espacial do território estadual

1.1. A estrutura espacial do território estadual ate a década de 1960

A compreensão dos processos de emancipação político – territorial – criação de novos estados – a partir da redivisão do Pará implica o resgate dos processos recentes de reordenamento espacial do território estadual. Nas ultimas três décadas, os processos de intervenção federal induziram a mudança da estrutura espacial herdada e construída a partir do período colonial.

Até a década de 60 a dinâmica espacial regional espelhava o funcionamento da economia baseada na exploração extrativista e alicerçada no sistema de aviamento e tendo como suporte a existência do produto, uma rede de núcleos e a circulação fluvial. A bacia hidrográfica desempenhava papel fundamental na estruturação da vida econômica como eixo de penetração, circulação e povoamento.

Entre o final do século XIX e primeira metade do século XX, o boom da borracha, e as sucessivas fases de exploração extrativa (caucho, castanha, borracha), a economia extrativista estimulou a produção de uma estrutura espacial que articulava os locais de extração / produção no interior do território com os centros exportadores de Belém através de uma rede de localizações, pequenos núcleos urbanos de povoamento cuja função primordial era, além de servir de moradia para a força de trabalho, pontos de comércio e concentração da produção na bacia hidrográfica, extrair o excedente econômico gerado(Correa,1992). Essa estruturação espacial na Amazônia se iniciou com a fundação de Belém, cidade estratégica e excentricamente localizada em relação a hinterlândia, a cidade primaz. Como ponto de abertura e penetração do território, constituía a sede das principais funções políticas e econômicas, do comercio atacadista e exportador, possibilitando a participação da região na divisão internacional do trabalho.

No Estado do Pará, esse sistema espacial condicionou o processo de produção, circulação da borracha (1890-1910), da castanha do para(1926-1964), de povoamento e de estruturação das principais cidades(Belém, Santarém e Marabá), concentrando a população na calha dos principais rios – Amazonas, Tocantins, Xingu e Tapajós. No âmbito desse sistema espacial, o controle sobre o território, sobre a produção, circulação, sobre a forca de trabalho envolvida assim como o excedente econômico gerado,era alicerçado em uma estrutura de poder oligárquico (Emmi,1988).

1.2. O reordenamento espacial do território estadual

A segunda metade da década de 60, representa um marco do ponto de vista do reordenamento político – institucional assim como das transformações espaciais e territoriais na Amazônia oriental. No âmbito das mudanças de ordem política e institucional do Estado brasileiro pós – golpe militar de 1964, são lançadas as primeiras medidas de política com o objetivo de assegurar a ação federal na região de forma efetiva. A “operação amazônica”, em 1968, redefiniu o arcabouço institucional regional ao criar a Sudam e o Incra. Posteriormente, em 1971, através do Dec. Lei n. 1164 / 71, são federalizados cerca de 66% das terras do território do Estado do Pará.

No período entre 1971 a 1987 o processo de distribuição e de regularização da apropriação das terras ocorreu sob a égide do Incra. Ao federalizar o território, o governo federal alijou as oligarquias regionais do poder de distribuição de terras, dado que retirou do controle estadual a regularização das terras, suprimiu a existência de terras comunais e devolutas para a instauração da propriedade privada e negou as posses imemoriais dos grupos indígenas, caboclos e ribeirinhos e ainda obstruiu o processo de ocupação não – controlada de terras devolutas. A ocupação seletiva das terras constituiu no principal mecanismo de gerencia territorial do Incra. Somente 26% do território permaneceu sob o controle do governo estadual.

No mesmo período, através de políticas de integração nacional e planejamento do desenvolvimento regional, (Pin, Proterra, Polamazonia e Programa Grande Carajás) abriu a região ao integrá-la através de eixos rodoviários, ao criar mecanismos institucionais de incentivo a apropriação privada das terras, a diversificação das atividades econômicas – agropecuária, mineração e industrialização – e ao desestimular a economia extrativista que assegurava o funcionamento da economia regional.

O estimulo a migração através de políticas de atração populacional constituiu mecanismo em vistas a formação de um mercado de trabalho regional. Somente no Estado do Para, ao longo da rodovia transamazônica, instituiu três projetos integrados de colonização através de uma concepção urbanística de base rural.

Em vinte anos de intensas transformações, as políticas públicas reordenaram espacialmente o território estadual. Em 1970, existiam cerca de 83 municípios no Estado do Para. Como parte desse processo de reordenamento, a ocupação seletiva da terra estimulou a urbanização do território. Novos núcleos urbanos surgiram, seja como expressão planejada dos grandes projetos, as company towns, as agrovilas, agrópoles e rurópolis, seja como fruto do povoamento espontâneo e das contradições das políticas de desenvolvimento implementadas. Até 1996, havia sido criado cerca de 60 novos municípios, totalizando hoje 143 unidades político – administrativas.

O que é relevante nesse processo de reordenamento espacial do território estadual é o fato de que as novas formas de apropriação e de uso do território e de dominação política deram ao Estado do Pará uma nova configuração. A magnitude e a intensidade da intervenção federal transformou a estrutura e a dinâmica espacial estadual, posto que alterou a base material – geográfica anterior e afetou os circuitos de produção e acumulação tradicionais, desestruturando os atores sociais pré-existentes e seu poder político. O território estadual se reestruturou na medida em foram introduzidas novas atividades, novos padrões demográficos, o surgimento de novas cidades, transformando o padrão de hierarquização do sistema espacial e da rede urbana regional.

Em outro plano, as formas capitalistas de divisão técnica do trabalho que se implantaram, junto com a chegada dos fluxos migratórios de caráter heterogêneo desde o ponto de vista de sua composição demográfica, social e econômica, trouxeram como conseqüência à reestruturação do sistema de classes sociais e a complexificação sociedade civil. O especifico a reter é que, as modificações econômicas e sócio – políticas desencadeadas, levaram ao declínio os arranjos espaciais e as formas de dominação política construídas historicamente, demandando a construção de novos de novos pactos e o estabelecimento de novos laços entre os atores partícipes da nova realidade em formação ou mesmo demandar a construção de novas identidades territoriais. No sentido político do termo, essas mudanças, no atual contexto histórico, pode se associar às novas necessidades de remodelagem das estruturas político – administrativas. A complexificação das estruturas de classe sociais, os conflitos pelo poder, os movimentos sociais podem demandar novas figuras político – institucionais que produziriam novas normas, ordens e legitimações, para dar organicidade à nova estrutura espacial e territorial construída através do processo intervencionista. a transformação político – institucional.

2.O ParÁ dividido

2.1. O contexto histórico de emergência dos movimentos emancipacionistas

As propostas de criação de novos estados – Tapajós e Carajás - a partir da redivisão do território paraense, surgiram em um contexto histórico marcado pelo processo de redemocratização da sociedade brasileira, um contexto, a um só tempo, de crise e reestruturação das relações entre o estado e a sociedade. No âmbito nacional, na década de 80, de um lado, ocorre o aprofundamento da crise fiscal do Estado que vem a contribuir para a obsolescência econômica do Estado Nacional, expressa na ineficácia do governo federal no controle inflacionário e em tornar efetiva a sua ação planejadora . Ocorre uma retração significativa das políticas publicas regionais. Por outro lado, o país vivenciava, a falência do regime militar cuja expressão é perda progressiva de legitimidade frente a sociedade brasileira.

Na Amazônia, a intervenção federal que durante o regime militar, promoveu mudanças substanciais na base econômica e nas formas de organização sócio – política regional enfraquece. Intensos conflitos em torno do acesso a terra, o acirramento dos movimentos sociais frente a seletividade social, a concentração espacial e setorial dos investimentos e o depauperamento das obras de infra-estrutura e dos serviços públicos são expressões da falência da gestão estatal – nacional no espaço regional. Frente a instabilidade, o Estado procurou redefinir suas formas de ação regional.

A federalização do território, as poucos, é substituída por um processo de ação compartilhada entre os níveis de governo, para a qual se buscou o revigoramento do poder local e regional. O fortalecimento dos municípios – pólos, centro sub-regionais e a municipalização do território constituíram medidas de política que visaram, entre outros aspectos, a implementação de uma nova ordem política e institucional. Segundo Rocha (1999), o município constituiu instrumento tanto para o restabelecimento dos sistemas hegemônicos locais, redefinindo assim as alianças entre os atores políticos no âmbito do novo cenário econômico, político e territorial do estado do Pará quanto uma tentativa de restabelecer o controle e a regulação social. Um momento ímpar na busca da re-legitimação do Estado frente a sociedade regional.

Ressalta-se que, conforme Rocha (1999:76) “é em meio a esse revigoramento do poder local e regional e de mudanças na base econômica e política local que emerge os movimentos separatistas dos estado do Carajás e do Tapajós ”. O movimento constituinte de 1986/87 vem igualmente constituir o mecanismo institucional através do qual buscar-se-á a autonomia política.

2.2. A dimensão econômica do(s) território(s)

Os movimentos emancipacionista representam a expressão política e territorial do reordenamento espacial, econômico e sócio – político do território estadual. As mudanças processadas ensejaram o reordenamento dos sistemas hegemônicos locais e regionais com implicações no realinhamento das alianças entre os atores presentes na região. Trata-se de movimentos que almejam a apropriação política do território, como meio para tingir objetivos e interesses subjacentes as suas praticas espaciais.

“representam em outro patamar conflitos pelos meios, pela implantação de recursos de exploração e pela apropriação dos benefícios e dos excedentes econômicos ali gerados, assim como apontam para a necessidade de estabelecimentos de novas formas (e reafirmação de antigas) de dominação político – social através da difusão de novos valores, símbolos e de afirmação de novas territorialidades. Trata-se de um processo de consolidação de territórios legitimadores das novas redes econômicas e / ou dos novos (e, em certas situações, também os velhos) interesses políticos”(Rocha,1999:229).

e, ainda enfatiza o autor, “igualmente, apontam para a recomposição das relações de forcas emergentes na área, em que a divisão do território seria um meio de legitimação / legalização da apropriação e da definição de domínios territoriais por essas mesmas forças dominantes”(Rocha,1999:230).

Em que pese as dimensões culturais e sócio - espaciais – expressões das mudanças processadas na estrutura espacial do território estadual - subjacentes as propostas, a emancipação, a rigor, vem a se constituir um pretexto, tanto como forma de captação de recursos – instrumento de barganha política da(s) elite(s) regional(is) (o mito da necessidade) - quanto a possibilidade de construção de canais legais de legitimidade da apropriação dos recursos territoriais por essas mesmas elites.

Tab. N. 01. Para, Tapajós e Carajás: Os recursos e os Territorios

Os recursos e os Territórios

Para

Tapajós

Carajás

Área territorial

249.000 km2

708.868 km2

289.799 km2

População

4.000.000

958.860

1.100.000

Áreas de uso restrito (unidades de conservação e terras indígenas)

13

22

14

Icms (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços)

79,49 %

7,0 %

13,51 %

Fpe (Fundo de participação do estado)

491.597.016[2]

115.365.280

137.629.573

Recursos

Industria, serviços e agropecuária

Minérios e agropecuária

Minérios e agropecuária

Fonte: Governo do Estado do Pará: Indicadores Sócioeconômicos, 2000.

2.3.O uso político do território: a produção política do consenso em torno da emancipação

A territorialização envolve sempre, ao mesmo tempo, mas em diferentes graus de correspondência e intensidade, uma dimensão simbólico – cultural, através de uma identidade territorial atribuída pelos grupos sociais como forma de “controle” simbólico sobre o espaço onde vivem, e uma dimensão mais concreta, de caráter político-disciplinar: o domínio do espaço pela definição de limites e fronteiras visando a disciplinarização dos indivíduos e ao uso / controle dos recursos ali presentes[3]. No âmbito do processo político de projeção territorial, essas duas dimensões se entrecruzam dando a cada uma das propostas uma singularidade que se substantiva na diferença contida no território, na projeção sobre o espaço “de estruturas especificas de um grupo humano, que inclui a maneira de repartição, de gestão e de ordenamento desse espaço”(Brunet et al,1992:436 apud Claval,1999:11) e, ao mesmo tempo, na cristalização de representações coletivas, dos símbolos que se encarnam em lugares nos quais estão inscritas as existências humanas (Claval, 1999:11).

2.3.1.O poder disciplinar: o controle, a defesa e o estímulo a ocupação efetiva do território.

A divisão territorial da Amazônia, ao longo do presente século, tem sido uma questão recorrente não somente no marco da discussão e de propostas como igualmente na efetivação da divisão. Pode-se mesmo dizer que a atual configuração político administrativa é recente e fora moldada a partir de 1911 com a questão acreana. Naquela ocasião a apropriação do excedente econômico gerado pela economia extrativa da borracha mobilizou parlamentares e as elites tanto do Pará como do Amazonas. A federalização do território foi a solução à época encontrada. Na década de 40, novamente partilhar a amazônia foi objeto de ampla discussão no âmbito da organização do Estado brasileiro e da integração e de manutenção da integridade do território nacional. Os anseios geopolíticos de controle territorial e das fronteiras elevariam a divisão territorial como medida visando estimular a ocupação e ao povoamento regional. A criação de postos de vanguarda nas fronteiras, ampliar a presença do estado federal, de federalizar parte dos territórios estaduais justificava-se.

Getúlio Vargas estimulado pelo Conselho de Seguraça Nacional, através do decreto-lei n. 5.812, de 13 de setembro de 1943 cria os Territórios Federais: Guaporé (Rondônia), Amapá e Rio Branco (Roraima) na Amazônia. A preocupação com a imensidão territorial e o vazio demográfico amazônico sempre foi ponto de convergência entre ideólogos e geopolíticos e os militares. A divisão territorial tem sido assim um meio de indução da civilidade, da apropriação real e efetiva do território pela nação-estado, parte integrante da construção territorial do Estado Nacional. Como mecanismo jurídico e político, a divisão do território era (e é) parte integrante da organização geográfica do Estado, do controle, da administração e da gestão territorial.

Esses mesmos princípios recentemente foram ressucitados, revividos em parte pelas recentes propostas. A leva de movimentos emancipacionistas nos quatro cantos do Brasil durante o processo constituinte de 1986/87, (somente no Pará foram dois: estado do Carajás e estado do Tapajós) induziu a criação, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, de uma Comissão de Estudos Territoriais(1989). O Relatório Final foi apresentado em janeiro de 1990. Foi recomendada a redivisão da Amazônia com a criação dos Territórios Federais do Rio Negro, Território Federal do Alto Solimões (dividindo o Amazonas), o Território Federal do Araguaia (dividindo o Mato Grosso) e a criação do Estado do Tapajós (dividindo o Estado do Pará).

2.3.2.a dimensão simbólico – cultural e a construção da identidade territorial

Os lugares, as regiões são “freqüentemente fontes de identidade coletiva e também de atividades econômicas”(Brunet et al.,1992:232), fontes de recursos, de possibilidades de reprodução biológica e sócio – cultural. Como suporte material e base simbólica, o território constitui instrumento indispensável a construção das identidades coletivas.

Dessa forma, freqüentemente, ao nos referirmos ao Oeste do Para e Baixo amazonas(Tapajós) e ao Sul e Sudeste do Para(Carajás), nos referimos a espaços diferenciados, singulares no âmbito do território estadual. As propostas de criação de novos estados são projeções territoriais, são manifestações coletivas – coordenadas ou não - que acenam distintamente para a apropriação política do seu espaço de vivencia e produção – apropriação e uso dos recursos contidos. O espaço e a cultura participam desse processo dado que representam o suporte material (legado ou construído) e a base simbólica sobre os quais são forjadas e construídas as identidades territoriais através da difusão de uma ideologia territorial.

A idéia de tradição e de cultura local e regional (presente no baixo amazonas, no tapajós) ou de pioneirismo dos desbravadores (presente no sul e sudeste do Para) contribui para elaborar a re – construção peculiar da historia local, conferindo-lhe unidade imaginaria. A idéia complementar de região, presente no ambiente construído ou não – nos lugares memoráveis, a terra natal, o espaço de vida e produção – “terra conquistada com esforço e trabalho, canaã”, “região em que todos tem um lugar ao sol” (sul e sudeste do Para) produz a noção de unidade territorial. A eficácia simbólica dessas idéias mobilizam a sociedade regional em torno do projeto emancipacionista. O uso político do território passa a ser, indiscutivelmente um instrumento de grande eficácia para atingir a unidade e o consenso em torno da região.

2.3.3.da alocação de recursos, da produção do território e do estimulo ao desenvolvimento regional

A alocação de recursos de forma mais eqüitativa tem sido a outra fonte de reivindicação para emancipação de territórios, em Estados ou mesmo em Territórios. No caso do Tapajós se releva a ausência de uma política específica para a região oeste do estado do Pará, exemplificada pela carência de infraestrutura. Enfatiza igualmente a fragilidade administrativa e a retirada de recursos do Oeste do Pará sem uma contrapartida real para a região. E, conclui, referindo-se às vantagens de representatividade política que a criação de novas unidades político-administrativas traria para o desenvolvimento regional e a ampliação da consciência política.

3. Pará, capital Belo Monte : a proposta de transferência da capital como instrumento geopolítico para conter a redivisão !

Nos anos oitenta, época de eclosão dos movimentos, conforme Rocha(1999), a partilha territorial representava uma forma peculiar de captação de recursos frente ao depauperamento das infraestruturas e do descalabro da oferta dos serviços públicos. “A projeção e a tentativa de apropriação política do novo território representou, grande instrumento de barganha que se traduziu na definição de investimentos de infraestrutura por parte do governo estadual, para neutralizar o movimento e promover a efetiva integração e manutenção da unidade política do território paraense” (Rocha,1999:77)

O ressurgir das propostas de criação dos estados do Carajás e Tapajós, estimulou o governo do estado a busca de alternativas à redivisão territorial. A Fundação Getúlio Vargas foi contratada na forma de consultoria para a realização de diagnóstico sobre a estrutura espacial e econômica e necessidades de recomposição. No diagnóstico, Belém se assevera como um problema para o comando da estrutura econômica e espacial do território estadual. A excessiva concentração das atividades em no entorno de Belém e a baixa integração estadual apresentava-se, de fato, como estímulo a desagregação territorial.

A partir de clássicos preceitos geopolíticos o governador Almir Gabriel propõe a transferência da capital do Estado do Pará para a localidade de Belo Monte (parte do município de Anapú, parte do município de Vitória do Xingu, na volta grande do Xingu. Ao centralizar geograficamente o poder político do Estado do Pará, a exemplo do Brasil ao construir Brasília, visava interiorizar a economia estadual, reordenando a distribuição das atividades econômicas e produtivas, redirecionando os fluxos e parte dos aportes demográficos concentrados em Belém, enfim estimulando como no passado recente a reestruturação espacial do território. A crença do governador residia no fato de que reordenando novamente a espacialidade estadual poderia conter o processo de redivisão territorial.

4. Considerações FINAIS: Para além da redivisão, por um projeto político REGIONAL!

As propostas de redivisão do Estado do Pará expressam processos de reconfiguração espacial e de rearranjo das relações de poder no âmbito estadual. Não são processos artificiais, são produtos legítimos de territorialidades emergêntes e que reivindicam a apropriação política do território, sobre os quais têm domínio. No entanto, é lícito considerar o fato de que a existência da diferença e da singularidade não necessariamente pressupõe a separação. Ao contrário do que ao longo desse século norteou a construção dos Estado-Nação, a homogeneidade linguística e étnica – cultural, o Estado pós – moderno deve operar pela diferença, pelo respeito a diversidade cultural e étnica existente. Nesse contexto, tanto as propostas de divisão como a transferência da capital do Estado do Pará, formulada pelo Governo do Pará, estão na contramão de uma gestão territorial que der conta da complexidade que hoje é o Pará. A sua unidade política e territorial somente poderá ser alcançada frente a uma ampla redefinição conceitual da identidade paraense, fundada na diversidade e não na homogeneidade.

Ademais, é importante ainda frisar que para tanto, refazer o processo de gestão territorial é urgente e indispensável. Um novo processo que seja tomado como princípio fundamental o poder popular, a participação da sociedade civil nos processos de decisão sobre o futuro de cada região do Estado do Pará. Uma espécie de federalismo à escala estadual. O governo do território não se resumiria às instituições locais (ainda que estas sejam fundamentais), mas a todas as formas de organização em níveis escalares distintos e da sociedade civil que, de forma negociada e interativa, participariam e competiriam na resolução dos problemas que envolvem determinado âmbito local e sub - regional. A tomada de decisão tende a ser concebida como resultado de um processo de interação entre atores individuais e/ou coletivos, atores esses que dispõem de representações diferenciadas no contexto da negociação. Isto quer dizer que tanto em nível interno a um determinado território como no seu relacionamento com outros níveis escalares de poder, a participação compartilhada passa a ser o norteador nas novas formas de governo do território. Os territórios organizados, assim, passam a exercer um papel completamente novo atualmente (Boisier,1996).

As possibilidades de desenvolvimento local e regional estariam ligadas à capacidade de organização que cada âmbito espacial tenha de acumular poder político, algo que se obtêm mediante o consenso político, o pacto social, a cultura de cooperação e a capacidade de criar, coletivamente, um projeto de desenvolvimento. A criação de poder político e de busca do consenso e pacto social local e regional torna-se relevante para a construção de um projeto político regional, instrumento indispensável na formulação de estratégias em vistas o alcance do desenvolvimento local e regional.

BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, R. S. e RIBEIRO, M.A. Os Sistemas de Transportes na Região Norte: Evolução e reorganização em redes. In: Revista Brasileira de Geografia. Vol. 51, n. 2. Abr / jun. Rio de Janeiro: IBGE, 1987. BECKER, B. Amazônia: Questões sobre Gestão do Território. Rio de Janeiro: UNB / UFRJ, 1992. BOISIER,S. A Caixa Preta. O Esquivo Desenvolvimento Regional. Políticas Públicas. Brasília: IPEA,1996. BRASIL. Comissão de Estudos Territoriais. Relatório Final. Brasília: Congresso Nacional,1990. BRUNET, R. ET ALL. Territoire et Identitê. Paris: Centre nationale de Recherce Cientificique, 1992. CAMARGO, I. O Urbanismo Rural. Brasília: INCRA, 1973. CLAVAL, P. O Território na Transição da Pós – Modernidade. Niterói: GEOgraphia, Depto de Geografia, UFF, 2000. CORREA, R. L. A Organização Urbana. In: Geografia do Brasil – Região Norte. Rio de janeiro, IBGE, 1992. EMMI,M. A oligarquia do Tocantins e o Domínio dos castanhais. Belém: Ed. Ufa, 1988. GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ. Indicadores sócio-econômicos. Belém, 2000. GOODLAND, R. e ERWIN, H. A Selva Amazônia : do inferno verde ao deserto vermelho ? São Paulo: Edusp, 1975. Haesbaert, R. Os Gaúchos no Nordeste.Desterritorialização – reterritorialização. Tese de doutoramento. Universidade de São Paulo,1995. MACHADO, L. O. The Intermitent Control of Amazon Territory. In: Urban Planning, 1990. MIRANDA, M. Colonização Oficial na Amazônia: ocaso de Altamira. In: Becker, B. et all. Questões sobre Gestão do Território. Rio de Janeiro: UNB / UFRJ,1992. OLIVEIRA, A.E. A Ocupação Humana. In: Salati, E. Amazônia: desenvolvimento, Integração, Ecologia. São Paulo: Brasiliense / CNPq. 1983. ROCHA, Gilberto de Miranda. A Construção da Usina Hidrelétrica e a Redivisão Político-territorial da Área de Tucuruí. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1999. ROGERS, Alisdair. Los espacios del multiculturalismo y de la ciudadania. School de Geography. University of Oxford. Reino Unido, 2000.



[1] Reflexões desenvolvidas a partir do projeto Municipalização do Território na Amazônia. Proint-2001/UFPA. [2] Valores em reais. HAESBAERT,R. Os Gaúchos no Nordeste: Desterritorialização – Reterritorialização. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, 1995.

Impacto de Nova Redivisão Territorial na Geração e Riquezas,

Desenvolvimento e Administração

Cláudia Cristina

1 INTRODUÇÃO

A criação de novas unidades federativas constitui a mais nova

tendência do federalismo brasileiro e envolve temas cruciais como

representação política, sistema eleitoral, construção de identidades territoriais, repartição de receitas tributárias e descentralização fiscal e administrativa.

A distribuição espacial dos estados brasileiros é, freqüentemente,

vista como um obstáculo ao desenvolvimento econômico do País e, em particular, do Norte e do Centro-Oeste. O artificialismo da divisão territorial teria gerado, em alguns casos, unidades federativas inviáveis economicamente e, em conseqüência, dependentes do governo federal para o atendimento das necessidades básicas de suas populações.

Desta forma, ao longo da história brasileira, muitas foram as

tentativas de estabelecer novos contornos aos limites interestaduais, sobretudo nos períodos de elaboração e/ou revisão das constituições. Quase sempre, as tentativas são no sentido de redividir territorialmente o Brasil por meio de desmembramentos de estados ou criação de territórios federais.

Entretanto, embora de mais difícil concretização, já houve propostas no sentido oposto, o de fundir estados, a fim de fortalecer a identidade regional, compartimentando-se as regiões por menor número de estados. O princípio da equipotência estadual/regional presidiria a redivisão, impedindo que, em cada região, algum estado adquirisse primazia absoluta.

A Constituição Federal de 1988 também tratou da questão, instituindo mudanças no ordenamento geopolítico-administrativo brasileiro ao transformar os Territórios Federais de Roraima e do Amapá em Estados Federados (art. 14 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT) e ao criar o Estado do Tocantins, por desmembramento de área pertencente ao Estado de Goiás (art. 13 do ADCT). Ademais, a Assembléia Nacional Constituinte criou a Comissão de Estudos Territoriais (art. 12 do ADCT), com a finalidade de apresentar estudos relativos a novas unidades territoriais, notadamente na Amazônia Legal.

A Amazônia Legal encontra-se no centro das discussões sobre redivisão territorial por representar 60% do território nacional, com 5.060.266 quilômetros quadrados, e por abrigar uma população de 13 milhões de habitantes em menos de um terço das unidades federadas.

A Comissão, em seu Relatório Final, estabeleceu uma série de critérios para a aprovação dos projetos de desmembramento, entre os quais, destacam-se:

– homogeneidade geo-sócio-econômica no espaço considerado para a divisão;

– preservação das fronteiras atualmente desguarnecidas, dada a sua distância e seu acesso para a capital do Estado;

– possibilidade de sua autodeterminação;

– preservação dos espaços homogêneos, de adequados tamanhos e configuração para constituir o território remanescente da atual unidade;

– manutenção dos municípios atuais.

Atualmente, tramitam, no Congresso Nacional, vários projetos visando dar nova configuração ao mapa geopolítico brasileiro. Os projetos de decreto legislativo que prevêem plebiscito para criação dos Estados do Tapajós (desmembramento do Pará) e dos Territórios do Rio Negro, Juruá e Solimões (a partir do desmembramento do Amazonas), após aprovação no Senado Federal, estão em discussão na Câmara dos Deputados. O projeto que cria o Estado do Araguaia (desmembramento do Mato Grosso) ainda está em fase de discussão no Senado Federal, assim como o projeto sobre a criação do Estado do Juruá (a partir do desmembramento de municípios do Acre e do

Amazonas) vem sendo discutido na Câmara dos Deputados.

Estes projetos refletem, em relação à Amazônia Legal, a preocupação crescente com a integração e ocupação dos imensos espaços físicos, a redução dos vazios demográficos, o aproveitamento das reservas de matérias-primas, a interiorização das ações governamentais e o fortalecimento da segurança nas áreas de fronteira. Mas, sobretudo, demonstram o desejo de maior autonomia por parte de regiões que se sentem em situação de abandono por parte dos governos federal e estadual.

De um lado, os defensores da idéia de desmembramento alegam que os governos estaduais não revertem o resultado da arrecadação de impostos em benefícios para as áreas arrecadadoras, como investimentos em transportes e energia, tornando subaproveitadas suas potencialidades naturais e econômicas. A única forma de reverter o quadro de ausência governamental e propiciar o desenvolvimento mais harmônico dos estados seria, então, dotar as áreas carentes de autonomia para que pudessem, com a separação, investir os recursos gerados em seu próprio proveito ou, ainda, criar territórios federais, que receberiam maior atenção por parte do governo federal.

De outro lado, os que têm posicionamento divergente relacionam, entre outros aspectos, a inexistência de estudos específicos que

comprovem a viabilidade econômica da criação de novos estados, os altos custos para implantação das novas máquinas administrativas e a necessidade de implementação de projetos de desenvolvimento e de pesados investimentos em infra-estrutura estratégica, sem os quais não há como garantir o desenvolvimento econômico dos novos estados.

No que tange aos gastos com a estrutura administrativa e institucional das novas unidades federadas seriam necessários investimentos para a instalação de uma nova máquina burocrática estadual, representada por novos governantes estaduais e novos Poder Judiciário, Assembléia Legislativa (mínimo de vinte e quatro deputados estaduais) e Poder Executivo (secretarias, órgãos auxiliares para as áreas de saúde, educação, saneamento, habitação, etc). Em nível federal, recursos orçamentários deverão ser alocados para os novos gastos com a representação política estadual (mínimo de oito deputados federais e três senadores).

Em vista das diversidades de argumentos pró e contra envolvidos

na questão da criação de novas unidades federativas, faz-se conveniente examinar as experiências de criação dos Estados do Mato Grosso do Sul e do Tocantins, tidas como bem sucedidas.

2 FUNDAMENTOS PARA A CRIAÇÃO DE NOVOS ESTADOS Para a criação dos Estados do Mato Grosso do Sul e do Tocantins

concorreram fatores semelhantes aos que atualmente fundamentam o

desmembramento dos estados da Amazônia Legal. Estavam presentes argumentos como antecedentes históricos, a construção de forte identidade sócio-territorial do povo da região, fatores administrativos, econômicos, políticos, sociais e culturais.

Os antecedentes históricos incluem a ocorrência de movimentos emancipacionistas e divisionistas alicerçados em forte identidade sócio-territorial do povo da região, contrastante com a das demais áreas do estado.

Em termos administrativos, as enormes distâncias dentro de uma mesma unidade federada dificultam demasiadamente as ações da administração pública estadual, resultando na impossibilidade de implantação e gerenciamento de programas de interiorização do desenvolvimento. A presença mais próxima do governo do novo estado traria maior racionalidade à administração pública, bem como a melhoria da qualidade de vida das populações interioranas, que seriam mais bem assistidas.

Os fatores econômicos mais importantes são o reduzido volume

de investimentos em obras públicas nas regiões carentes, o que ocasiona o subaproveitamento de suas potencialidades econômicas e a conseqüente estagnação econômica.

Sob o aspecto político-administrativo, a representação política geralmente conta a favor de regiões de maior desenvoltura econômica, com a eleição de reduzido número de deputados estaduais e federais e de senadores originários das regiões mais pobres. Ademais, na formação da administração estadual e na ocupação de cargos administrativos, os quadros dirigentes provêm das áreas mais desenvolvidas economicamente, restringindo o poder

de influência das regiões menos favorecidas nas decisões federais e estaduais.

A redivisão territorial expressaria maior democratização das forças regionais na medida em que implicaria aumento da representatividade político-regional e o fortalecimento do sistema federativo do País. Com a eleição de maior número de representantes da região na Câmara Federal e no Senado, seria dado maior peso aos interesses regionais, garantindo-se, assim, a cidadania de seus habitantes.

3 CRIAÇÃO DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

As porções norte e sul do antigo Estado do Mato Grosso apresentavam diferenças substanciais em relação à base econômica, com a presença do extrativismo e da agricultura de subsistência ao norte, enquanto o sul apresentava atividade agropecuária ligada a São Paulo e aos estados do sul devido às facilidades de comercialização de sua produção. As diferenças políticas, decorrentes de particularidades na formação da estrutura econômica,

social e cultural das duas regiões, também se faziam sentir há longo tempo, com a deflagração de movimentos separatistas.

A parte norte teve expansão econômica mais lenta, somente consolidando seu crescimento nos anos 70, com a abertura de importantes eixos viários, já existentes ao sul desde 1916, quando da chegada da Estrada de Ferro Noroeste a Campo Grande.

No momento do desmembramento do Estado, o sul apresentava evidentes vantagens comparativas em relação ao norte, pois já possuía o importante pólo econômico de Campo Grande, secundado pelos subpólos de Corumbá e Dourados. O sul também dispunha de localização privilegiada, com integração aos corredores de exportação da área de São Paulo e Paraná.

Ao norte, era recente a formação dos subpólos de Cáceres e Rondonópolis, que se juntavam ao pólo de Cuiabá. A densidade demográfica do sul era bastante superior e enquanto Mato Grosso do Sul passou a ocupar 350.549 quilômetros quadrados, Mato Grosso passou a ser a terceira maior unidade federativa, com 881.000 quilômetros quadrados.

O norte ainda dependia da instalação de infra-estrutura básica para viabilizar o aproveitamento de suas potencialidades agropecuárias, florestais e minerais.

Estimava-se que o remanescente Estado de Mato Grosso teria participação superior na distribuição do Fundo de Participação dos Estados e que o novo estado do sul, pelo elevado potencial já existente, estaria apto a desenvolver-se dentro de uma economia auto-sustentada.

A estrutura administrativa dos dois Estados já se encontrava em nível satisfatório, pois muitas das entidades estaduais, mormente as da administração indireta, possuíam seções para cada porção do território, a exemplo da Cemat (companhia de energia elétrica), o Departamento de Estradas de Rodagem, o Banco do Estado, a empresa telefônica e as instituições universitárias.

Passados 25 anos, o desmembramento evidenciou-se vantajoso

para os dois estados. O Produto Interno Bruto (PIB) do Estado do Mato Grosso, nos anos 70, apresentava-se em nível bem inferior ao do Mato Grosso do Sul. Como se pode ver na Tabela 1, em anexo, com respeito à participação no PIB brasileiro, em 1975, a participação do Estado de Mato Grosso do Sul era o dobro da de Mato Grosso (0,82% contra 0,40%).

No entanto, Mato Grosso foi beneficiado com a inclusão de toda

a sua área remanescente nas fronteiras da Amazônia Legal, beneficiando-se dos incentivos fiscais da extinta Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Sua expansão econômica, ainda como mostra a Tabela 1,

tem sido superior à do Estado do Mato Grosso do Sul. Em 1999, o PIB de Mato Grosso representou 1,20% do PIB nacional contra 1,12% de Mato Grosso do Sul. Além disso, sua quota parte no Fundo de Participação dos Estados (FPE), como foi previsto antes do desmembramento, é mais elevada que a do estado criado, fato evidenciado na Tabela 2 anexa.

A Lei Complementar nº 31/77, que desmembrou o Estado do Mato Grosso do Sul previu a instituição de programas especiais de desenvolvimento para os dois estados, com apoio financeiro inclusive para a cobertura de despesas correntes.

Observa-se que ambos os estados consolidaram suas economias, sendo que a arrecadação dos dois estados relativa ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) supera largamente as

transferências a título do FPE como comprovado na Tabela 4.

4 CRIAÇÃO DO ESTADO DO TOCANTINS

O Estado de Goiás contava, antes da divisão com 642.036 quilômetros quadrados. Após o desmembramento de Goiás, o Estado do Tocantins passou a ocupar a área de 286.706 quilômetros quadrados.

O movimento de emancipação do norte goiano, com a criação do

Estado do Tocantins, esboçou-se mais explicitamente a partir da década de 1940.

Mais uma vez, a diferença entre o norte e o sul do Estado de Goiás teve como fator determinante a estrutura de transportes. A partir do decênio de 30, a ocupação do sul goiano teve como grande impulso a ferrovia e, posteriormente, as rodovias, que propiciavam a drenagem da produção, sobretudo do arroz, para os mercados do Sudeste. O fluxo viário circunscrito ao sul originou forte desequilíbrio econômico entre o norte e o sul de Goiás.

A homogênea economia de subsistência e de pecuária extensiva transformou-se em um sistema de exportação interna agropecuária ao sul, permanecendo a economia do norte do território baseada na pecuária extensiva.

Além da precariedade da comunicação viária, contribuíram para as limitações às possibilidades de desenvolvimento da região de Tocantins em relação ao sul a inadequação da estrutura fundiária norte goiana, as dificuldades de intercâmbio com outras regiões mais dinâmicas, o déficit de energia e a dificuldade de armazenamento da produção. Na região sul, estava a maior densidade econômica e demográfica, enquanto no norte esses aspectos eram mais rarefeitos.

A arrecadação tributária, avaliada pela ótica do ICM (atual ICMS), anteriormente à criação do Estado do Tocantins, encontrava-se num patamar irrisório em relação aos setores de agricultura, pecuária, comércio e indústria. Em 1975 e 1980, a arrecadação de ICM do norte de Goiás representava, respectivamente, 5,33% e 5,37% do total do Estado, dado que as atividades econômicas, antes da criação do Estado do Tocantins, limitavam-se, basicamente, à pecuária tradicional, à agricultura de subsistência e ao pequeno comércio de produtos locais. Ao Estado de Goiás, sem suporte econômico para arcar com os custos envolvidos na manutenção de sua vasta extensão territorial, só restava optar pela prioridade regional que tradicionalmente beneficiava a sua parte sul.

A implantação do Estado do Tocantins, em comparação com o desmembramento do Estado do Mato Grosso, deu-se em um contexto econômico-financeiro do País menos favorável. O contexto estadual também se apresentava desfavorável, com infra-estrutura sócio-econômica inexpressiva, arrecadação tributária e recursos financeiros públicos insuficientes, carência de recursos humanos em nível local e capacidade institucional insuficiente das estruturas administrativas públicas remanescentes de Goiás.

A todos estes fatores negativos adicionou-se a falta de cumprimento pela União da previsão de recursos do Orçamento Federal para

as despesas de instalação do Estado. Excetuadas as transferências obrigatórias do FPE, FPM, FNDE, SUS e outras, durante os sete primeiros anos de sua existência, o Estado do Tocantins não se beneficiou das ajudas financeiras com as quais foram contemplados, para suas implantações, os Estados de Rondônia e Mato Grosso do Sul.

Apesar do ambiente desfavorável, o Estado apresentou algumas

conquistas. A implantação e estruturação de distritos industriais nos principais pólos de desenvolvimento foram primordiais para a consolidação industrial de Tocantins. De 1990 a 1995, houve crescimento de 26,9% no setor, passando de 1.783 estabelecimentos em 1990, para 2.274 em 1995.

Conforme mostra a Tabela 3, a arrecadação do ICMS de Tocantins, que antes do desmembramento, girava em torno de 5,3% do total

do antigo Estado de Goiás, em 2001, representou 27,6% da arrecadação goiana.

Entretanto, apesar dos patamares crescentes de arrecadação do ICMS, o que indica alargamento de sua base econômica, configura-se ainda relativa dependência em relação aos recursos transferidos do FPE, situação que difere da encontrada nos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A relativa dependência em relação ao FPE decorre, como já mencionado, do fato de que a base econômica de Tocantins, no momento da separação, era bem mais frágil que a de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

5 CONCLUSÃO

A redivisão territorial do País, muitas vezes, é vista como solução para os problemas das disparidades intra-regionais, pois muitas das carências apresentadas pelas áreas estaduais menos desenvolvidas decorreriam da impossibilidade de administrar racionalmente unidades federativas de grande extensão territorial.

No entanto, deve-se considerar que a existência de disparidades regionais é inerente ao processo de desenvolvimento, apresentando-se mais ou menos acentuada em todos os países.

Também há que se reconhecer que extensas áreas territoriais não são, necessariamente, desvantajosas na medida em que há maiores possibilidades de se encontrar uma gama variada de recursos naturais e de se dispor de território suficiente para comportar populações maiores. O grande espaço, contudo, apresenta-se pouco útil quando há má distribuição e administração deficiente e falta de aproveitamento racional de sua área.

Verifica-se que as regiões menos desenvolvidas apresentam, em comum, infra-estrutura estratégica (transportes, energia, comunicações) extremamente precária. Sabidamente, as regiões que não possuem sistema viário adequado tendem a permanecer economicamente estagnadas porque, mesmo que apresentem potencial econômico elevado, não têm como escoar e comercializar sua produção de forma eficiente.

Em vista da extrema carência de infra-estrutura, notadamente de transportes e energia, apresentada pela Região Norte em comparação com o Centro-Sul surge a questão do que seria mais viável: proceder à nova divisão territorial ou integrar a região a um sistema de planejamento e desenvolvimento regional que investisse pesadamente na instalação de obras de infra-estrutura, visando ao aproveitamento das suas potencialidades latentes.

O atual quadro de extrema escassez de recursos públicos na área federal certamente não assegura que os investimentos necessários poderão ser viabilizados, mas, em compensação, os recursos espendidos com a instalação da estrutura político-administrativa dos novos estados poderiam ser alocados aos investimentos em infra-estrutura.

Igualmente, pode-se pensar se não seria menos dispendioso e, ao

mesmo tempo, mais eficaz proceder-se à redivisão municipal, uma vez que muitos municípios da Amazônia possuem extensão erritorial maior que a de alguns estados brasileiros, a exemplo do município de Oriximiná, no Pará, cuja área é de 109.122 quilômetros quadrados.

Outro aspecto da criação de novas unidades federativas relaciona-se ao argumento de que a redivisão territorial fortalece o pacto federativo. A assertiva não é necessariamente verdadeira, pois a criação de estados e territórios que não dispõem de autonomia financeira aponta para o enfraquecimento da federação na medida em que estas novas unidades apresentariam grande dependência de recursos transferidos pelo governo federal. Ademais, a criação de novos estados diminui a receita de FPE redistribuída entre os antigos estados, podendo agravar a situação dos que apresentam maior dependência das transferências federais.

É indispensável, então, que as novas unidades federativas apresentem viabilidade financeira para fazer face às novas despesas, além de viabilidade econômica para garantir melhor qualidade de vida a sua população, pois, caso contrário, já nascerão em situação de extrema dependência em relação às transferências de recursos federais, o que, no atual contexto de sucessivas crises econômicas, dificilmente poderá ser revertido.

Como asseverou Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “a existência

real de autonomia depende da previsão de recursos, suficientes e não sujeitos a condições, para que os Estados possam desempenhar suas atribuições. Se insuficientes ou sujeitos as condições, a autonomia dos Estados só existirá no papel em que estiver escrita a Constituição”.

Consultoria Legislativa, 07 de novembro de 2002.

Cláudia Cristina Pacheco Moreira

Consultora Legislativa


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