Hora de partir
Sem conseguir provar nada do que afirma, nem mesmo a venda de gado, o senador vira um constrangimento para o Senado – e a superação da crise exige sua renúncia
Otávio Cabral
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• Quadro: "Antes de terminar, mentirás seis vezes"
O senador Renan Calheiros, na sua batalha para provar que o lobista da empreiteira Mendes Júnior não pagou suas despesas pessoais, começou a semana passada disposto a desmoralizar seus acusadores, arquivar as investigações e voltar a presidir o Senado sem atropelos. Terminou a semana errando em todos os alvos. Suas explicações sobre negociações de gado, que justificariam o tamanho de seu patrimônio, acabaram desmoralizadas por uma perícia da Polícia Federal, as investigações serão estendidas por no mínimo trinta dias – e a cadeira de presidente do Senado ocupada por Renan já começou a ser negociada pelos senadores. O presidente Lula, como sempre faz nos momentos em que um aliado começa a cair em desgraça, passou a tomar distância técnica de Renan, a quem vinha prestando solidariedade diária. Entre os principais partidos no Senado, todos querem a cadeira, mas é difícil tomá-la sem negociar com os demais. Há quem acredite que Renan só se mantém presidente da Casa porque ainda não houve acordo sobre o sucessor. Percebendo o clima hostil, Renan partiu para um recurso de desespero, que lembra os momentos de agonia de outro político alagoano, Fernando Collor: começou a assoprar ameaças e chantagens contra colegas de Parlamento.
Desde que o escândalo estourou, há um mês, é a primeira vez que o Senado parece perceber que as estripulias do senador estão afundando a própria instituição. É cedo para dizer que o Senado, finalmente, vai reagir, mas começam a aparecer os primeiros sinais nesse sentido. Com tudo o que já veio à tona – sobre suas relações promíscuas com o lobista, sobre as mentiras que contou aos senadores, sobre sua defesa, que requer sempre um complemento – Renan Calheiros perdeu as condições de manter-se na presidência do Senado. Ou Renan deixa o comando da Casa. Ou a Casa afunda com Renan. Os pedidos para que se afaste começaram com o senador Pedro Simon, do PMDB gaúcho. "Eu acho que este é o momento em que sua excelência, por conta própria, deveria renunciar ao seu mandato de presidente do Senado." Outros três senadores defenderam o mesmo. Renan não lhes deu ouvidos. Disse que renúncia é uma palavra que não existe no seu dicionário.
Fotos Lula Marques/Folha Imagem e Cristina Gallo/Bg Press
Reunião do Conselho de Ética, que vinha dando um show de sabotagem contra a investigação, e dois soldados da tropa de Renan: Romero Jucá (no alto, à dir.), que faz tudo para limitar a apuração, e Sibá Machado (à dir.), presidente do Conselho, que começa a dar sinais de alguma independência em relação a Renan
Paradoxalmente, o próprio Renan deu o impulso que faltava para que o Senado recuperasse um pouco de lucidez com sua defesa tão inconsistente. O senador entregou um pacote com extratos bancários, declarações de renda, notas fiscais, recibos e guias de transporte animal, as GTAs, que autorizam o trânsito de animais vivos. Sua idéia era provar que, entre 2003 e 2006, teve rendimentos de 1,9 milhão de reais com a venda de gado. Com isso, provaria que tinha recursos para bancar a pensão de 12.000 reais que pagava à jornalista Mônica Veloso, mãe de sua filha, sem recorrer aos favores financeiros do lobista da Mendes Júnior. Deu tudo errado.
Em apenas dois dias úteis de trabalho, a perícia da PF examinou os papéis e descobriu flagrantes inconsistências. Com as notas fiscais, o senador tentou provar a venda de 2.213 cabeças de gado, que supostamente lhe renderam 1,9 milhão de reais. Ocorre que as GTAs registram a venda de 1.702 cabeças de gado – das quais, para piorar, 549 nem pertenciam ao senador, mas a seus parentes. Resultado: o senador reuniu papéis que informam a venda de 1.153 animais, o que lhe renderia cerca de 1 milhão de reais. De onde vieram os outros 900.000 reais? Quando se confrontam as notas fiscais e GTAs com as declarações de imposto de renda do senador o resultado é dramático. É tal o volume de contradições que é custoso acreditar que Renan tenha apresentado esses papéis como peça de defesa. O conjunto mais parece obra de inimigos dispostos a desmascará-lo, porque nada bate com nada.
Os exemplos aparecem aos borbotões. Em 2005, para ficar só num caso, as notas fiscais informam que o senador vendeu 1.292 cabeças de gado. Mas, segundo as GTAs daquele ano, foram só 1.078. E, pela declaração de renda, foram 536. Uma simples perícia documental trouxe tantas incongruências à tona. Dá para imaginar o que pode aparecer numa perícia contábil para descobrir se os negócios foram efetivamente realizados. O Conselho de Ética, ao decidir aprofundar um pouco as investigações, pediu à Polícia Federal que fizesse uma perícia contábil. A questão inicial a que o Conselho terá de responder é a seguinte: os negócios de Renan, para que sejam considerados reais, e não meras fantasmagorias contábeis, deverão estar em sintonia com que papéis? Com as notas fiscais? Com as GTAs? Com as declarações de renda?
O primeiro sintoma do desmoronamento da defesa do senador foi a perda do controle que exercia sobre o Conselho de Ética. Até então, em sua maioria, os membros do Conselho protagonizavam um espetáculo lamentável em que simulavam o desejo de investigar, mas manobravam para sepultar as investigações. O senador Romero Jucá, líder do governo, empenhou-se sempre em limitar o alcance das investigações. O presidente do Conselho, o senador Sibá Machado, marcou e desmarcou sessões segundo a conveniência de Renan. Mais tarde, mostrou-se mais independente ao interpretar que já há processo de cassação instalado contra o senador. Isso significa que sua eventual renúncia não preserva mais seus direitos políticos. O outro sinal de perda de maioria política do senador apareceu na tática desesperada de espalhar ameaças, chantagens e baixarias.
Na quarta-feira, o senador Efraim Morais, do DEM da Paraíba, chegou ofegante à reunião de cúpula de seu partido e suplicou: "É melhor a gente acabar logo com isso ou a turma deles vai lançar dossiê contra todo mundo". Efraim, parlamentar próximo de Renan, não explicou quais eram as ameaças, mas logo a tropa espalhou dois casos. O primeiro caso informava que um senador devia 50 milhões de reais ao Banco do Nordeste. O devedor apareceu. Era o senador José Agripino, que explicou serenamente a dívida, de 11 milhões de reais, e frisou que a existência de uma dívida não desabona ninguém. O outro caso dizia que um senador viajara para os Estados Unidos na companhia da amante com verbas do Senado. O suposto chantageado também apareceu. Era o senador Demostenes Torres, que explicou o caso com serenidade. "Lamentavelmente, a assessora não é minha amante, porque ela é linda", tripudiou Torres. Ele usou verbas do Senado para viajar com a assessora para a Assembléia da ONU em Nova York, o que é permitido pelo regulamento da Casa. Se tudo isso não é suficiente para mostrar que Renan Calheiros perdeu por completo as condições – políticas, morais – de presidir o Senado, o que mais é preciso?
A ética pediu licença e sumiu!
Acompanho fatos relevantes a partir de abordagem jornalística, isenta e independente
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Senão vejamos o texto extraído do Blogo do Josias:
Grupo de Renan critica Sibá e o chama de ‘traidor’
O consórcio governista acomodou Sibá Machado (PT-AC) na cadeira de presidente do Conselho de Ética do Senado com o propósito deliberado de proteger Renan Calheiros (PMDB-SP). Nos últimos dias, porém, o grupo fiel a Renan passou a observar Sibá com um pé atrás. Criticam-no de forma acerba. Em privado, chamam-no até de “traidor”.
Integrantes da tropa de choque de Renan decidiram procurar a líder do PT, Ideli Salvati (SC). Foi dela a idéia de confiar a Sibá a presidência do conselho, e por conseqüência, o comando do processo contra Renan. Pretende-se pedir a Ideli que “enquadre” Sibá.
Os aliados do presidente do Senado enxergam na movimentação do “traidor” um súbito viés anti-Renan. Acham, por exemplo, que Sibá não tinha nada que envolver a Polícia Federal na perícia dos papéis que Renan apresentou em sua defesa. Afirmam que o trabalho deveria ter sido realizado exclusivamente por técnicos do Senado.
Irritaram-se também com a resposta dada por Sibá a uma questão formulada por Demóstenes Torres (DEM-GO) na última reunião do Conselho de Ética. O generalato de Renan vinha tratando a investigação contra o seu comandante como mero procedimento preliminar. Para Demóstenes, Renan já é réu num processo por quebra de decoro parlamentar. Instado a elucidar a dúvida, Sibá deu razão a Demóstenes, que lhe deu os "parabéns".
A tropa de Renan suspeita, de resto, que Sibá foi à reunião do Conselho de Ética, na semana passada, já decidido a propor o aprofundamento das investigações contra o “aliado”. A desconfiança foi tonificada pelo fato de que, ao encaminhar a favor do adiamento, Sibá não o fez de improviso. Ele leu uma folha de papel redigida previamente. Um texto que os "aliados" desconheciam.
Critica-se Sibá também por conta de um grupo de trabalho que ele constituiu para definir os próximos passos da investigação. Um lugar-tenente de Renan no Conselho de Ética revelou ao blog que causou enorme estranheza o fato de Sibá ter agregado a esse grupo estratégico senadores que, em público, têm manifestado posições contrárias ao arquivamento do processo. Entre eles Demóstenes Torres.
Não é só: a tropa de Renan abespinhou-se com Sibá ao saber que o senador, suplente da ministra Marina Silva (Meio Ambiente), ameaçara confiar a relatoria do processo não a um relator governista, mas a uma trinca de senadores, incluindo representantes da oposição.
O processo contra Renan já teve dois relatores. O primeiro, Epitácio Cafeteira (PTB-MA), recomendou o arquivamento do caso, sem nenhum tipo de investigação, 48 horas depois de ter recebido a incumbência. Como a idéia não colou, Cafeteira pediu licença, alegando problemas de Saúde.
O segundo relator, Wellington Salgado (PMDB-MG), chegou a redigir um aditivo ao relatório de Cafeteira. Propunha, de novo, o arquivamento sumário do processo. Também não colou. E Salgado renunciou à relatoria menos de 24 horas depois de tê-la assumido. Busca-se agora o terceiro relator.
Renan e seus asseclas defendem a escolha de um nome amistoso. Menciona-se o líder do PMDB, Valdir Raupp (RO). Sibá diz, para desassossego de seus críticos, que Raupp freqüenta o Conselho de Ética na condição de membro suplente. Só poderia virar relator se passasse a ocupar uma vaga de titular do conselho.
O blog tentou ouvir Sibá neste domingo (25). O repórter telefonou para a casa do senador, em Rio Branco (AC), três vezes. Em todas as tentativas, informou-se que o presidente do Conselho de Ética estava “ocupado”. Nesta segunda, Sibá deve anunciar sua decisão quanto à escolha do relator. Logo, logo o mundo político ficará sabendo se o senador foi ou não “enquadrado”.
O Pê Tê, infelizmente, não age muito diferente dos demais partidos.
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