O apetite da Vale




Vale avança com ferrovia e usina
Aguinaldo Novo, Gustavo Paul e Mônica Tavares*


INFRA-ESTRUTURA EM FOCO

Companhia leva concessão da Norte-Sul e quer novo parceiro em siderúrgica com chinesa

A Vale do Rio Doce aumentou seu poder de fogo ontem, ao levar a concessão para explorar 720 quilômetros da Ferrovia Norte-Sul e inaugurar o escritório da Companhia Siderúrgica de Vitória, que construirá com a chinesa Baosteel. O consórcio Vale-Baosteel informou que quer um sócio para o projeto siderúrgico de US$5,5 bilhões, o qual vai injetar no aquecido mercado siderúrgico 5 milhões de toneladas de placas de aço por ano, a partir de 2012. Já no leilão - em que foi a única participante -, a Vale arrematou o trecho entre Açailândia (MA) e Palmas (TO) pelo preço mínimo de R$1,478 bilhão, metade do qual será desembolsado na assinatura do contrato, prevista para ocorrer em até 60 dias.

Segundo o diretor executivo de Ferrosos da Vale, José Carlos Martins, o BNDES é candidato a parceiro na siderúrgica, mas a exigência da instituição de um percentual de equipamentos nacionais no projeto poderá limitar o investimento. O BNDES não comentou. O nível de nacionalização dos projetos nos quais o BNDES entra como sócio varia de acordo com a operação. Já o percentual de participação em empresas não costuma ultrapassar 30%. Para financiamentos, o índice de nacionalização exigido atinge 60% a 65%.

- Ainda não está definido se será o BNDES. Pode ser um banco de investimento chinês ou outro parceiro. Os chineses querem ficar com até 60%, e a Vale quer 20% - disse Martins.

Para especialista, modelo é errado

Como a maior parte do investimento virá da Baosteel, é provável que boa parcela dos equipamentos seja da China. Até achar um parceiro, a Vale será responsável por 40%. A Vale e a Baosteel negociaram a construção de uma siderúrgica no Brasil há cinco anos, e problemas com o governo do Maranhão levaram as empresas a optarem por Anchieta (ES). O projeto inclui ferrovia, porto e termelétrica.

- A vinda da Baosteel coloca o Brasil no cenário mundial siderúrgico, e é importante também porque vamos processar o minério aqui - disse Roger Agnelli, presidente da Vale, que é minoritária na siderúrgica CSA, que a alemã ThyssenKrupp está construindo no Rio.

O presidente da Baosteel, Xu Lejiang, disse que o crescimento da demanda de minério pela China continuará, "mas não tanto como antes":

- O minério brasileiro ajudou a desenvolver nossa economia, mas em 2006 (a produção siderúrgica) já não cresceu tanto como antes.

Com a Norte-Sul, a Vale passa a operar sob concessão 9.720 quilômetros de ferrovias. Desde 1996, tem o direito de explorar 225 quilômetros, de Estreito a Açailândia. Ali, os trilhos cruzam a Estrada de Ferro Carajás, permitindo ligação com o Porto de Itaqui, em São Luís. A Vale também controla a Ferrovia Centro-Atlântica.

- Estamos formando um corredor para exportação de grãos e outros itens - disse o diretor-executivo de Logística, Eduardo Bartolomeu, acrescentando que a Vale aposta ainda na maior demanda por etanol.

Pelo trecho já controlado da Norte-Sul, a Vale transportou 800 mil toneladas de grãos no primeiro semestre. Agora, o volume pode atingir 8,8 milhões de toneladas até 2013.

O leilão foi organizado pela estatal Valec, responsável pelo projeto da ferrovia - lançado há 21 anos, no governo Sarney. A Vale poderá operar o trecho por 30 anos. Dos 720 quilômetros, 362 quilômetros estão construídos. A Valec construirá os 358 quilômetros restantes, que passarão à Vale. Com os recursos do leilão, a Valec também construirá 280 quilômetros entre Uruaçu (GO) e Anápolis (GO).

Para o diretor do Centro de Estudos em Logística da Coppead, da UFRJ, Paulo Fleury, não é correto dizer que a Vale passou a deter um poder econômico exagerado na administração de ferrovias no país:

- O problema não é a Vale, é o modelo de ferrovias. Foi um erro não se pensar em corredores de trilhos que concorrem entre si. O que temos são ferrovias regionais, em que cada trecho é independente.

Fleury disse que nos EUA, onde há 500 empresas ferroviárias, alguns trechos têm competição entre até quatro companhias. Para Agnelli, a Vale não pode ser acusada de monopólio:

- Depois de pronto, é fácil dizer que a Vale é monopolista. Mas só a Vale apareceu no leilão.

O grupo mineiro ARG, que seria associado a chineses, e o Alvorada, com investidores russos, chegaram a mostrar interesse, mas desistiram.

Segundo a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, o leilão - a primeira grande licitação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - é a evidência de que o PAC não é uma "operação de marketing". Dilma admitiu que seria desejável ter mais interessados, mas não considera a falta de competição um problema:

- Seria ruim se desse vazio (sem competidor) ou se o preço pago ficasse abaixo do mínimo.

Para o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, em 2009, a expectativa é que haja mais de 700 quilômetros em operação da ferrovia.

- Aí, finalmente, vamos dar finalidade a essa ferrovia.


COLABORARAM Henrique Gomes Batista e Mirelle de França (com agências internacionais)

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