ARTIGO
Faltam 355 dias para Bush ir embora
Elio Gaspari
Messiânico, despreparado e mentiroso, transformou sua incapacidade pessoal num problema mundial
TERMINADO O ESPETÁCULO da leitura de sua última mensagem ao Congresso, George Bush começará sua viagem de volta para o Texas. Faltam 355 dias, mas será uma satisfação acompanhar cada manhã do ocaso de um dos piores presidentes que os Estados Unidos tiveram. (Talvez tenha sido o pior, mas essa é outra conversa.) Messiânico, despreparado e mentiroso, transformou sua incapacidade pessoal num problema mundial.
Bush despediu-se com um discurso ressentido e sectário, atacando um Congresso onde a vontade do povo colocou-o em minoria. Jogou palavras de efeito em frases sem conteúdo. Mostrou-se como parte de uma "geração" que enfrentou e derrotou o terrorismo. Queimou uma palavra que John Kennedy usou magistralmente no seu discurso de posse, em 1960: "a tocha passou para uma nova geração de americanos -nascidos neste século, temperados na guerra, disciplinados numa paz amarga e dura". Kennedy, podia dizer isso porque, como voluntário, lutou com bravura no Japão. Bush escapuliu do recrutamento que mandava a garotada para o Vietnã.
De todas as ruínas que produziu, Bush poderia esperar que a última, econômica, ficasse para seu sucessor. Enganou-se. Sua despedida poderia ter ficado à altura da crise que cevou. Nada. Limitou-se a vagas banalidades. Falou em "incerteza" e ensinou: "No longo prazo, os americanos podem confiar no crescimento econômico. No curto prazo, todos podemos ver que o crescimento está diminuindo". A crise já é muito mais que isso.
Bush fingiu não ter percebido sua reverberação internacional. Pior: tratou do assunto como se lidasse com um meteorito que vem sabe-se lá de onde. A irresponsabilidade da banca ficou para depois. Pode-se pensar que esse distanciamento é o que se espera de conservador de boa cepa. Falso. Tomando-se o dia 19 de dezembro passado como referência (nele anunciou-se a queda de 24,2% na construção de novas casas), passaram-se 47 dias entre o início da crise e o discurso de Bush.
Entre a Quinta-feira Negra de outubro de 1929 e a leitura da Mensagem ao Congresso do presidente Herbert Hoover passaram-se 40 dias. Não vai aqui nenhuma insinuação de que as duas crises se parecem, nem que haja semelhança entre Bush e Hoover, um republicano exemplar, homem decente.
Em 1929, quando Hoover discursou na mesma tribuna ocupada por Bush, falou em risco de "depressão" e associou o colapso da Bolsa a um "excesso de otimismo" que provocou uma "especulação descontrolada", transferindo dinheiro da produção para o mercado de papéis. Muitos historiadores sustentam que não foi a quebra da Bolsa que gerou a crise, mas Hoover foi sincero quando procurou apontar a sua causa. Bush, nem isso. Hoover não inventou guerras, mas no dia do seu discurso havia 5.000 soldados americanos na Nicarágua, no Haiti e na China.
Por conta da crise iniciada em 1929, Hoover virou um maldito. Hoje seu papel é reavaliado, para melhor. Isso não acontece porque seus erros foram menores, mas porque sua figura tinha tamanho. Referindo-se às tropas no exterior, informou: "Num sentido mais amplo, essa não é a maneira pela qual nós queremos ser representados lá fora".
Na noite de segunda-feira, Bush permaneceu pouco mais de uma hora no plenário do Congresso. Só ficou à vontade na saída, perto da porta, quando parou para autografar cópias do discurso que acabara de ler. Sua vocação era outra.
Bush já vai tarde
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