Lei seca nas estradas: uma lei mal feita
Os bêbados e o Estado embriagado
Luís Carlos Alcoforado
Advogado
Há pessoas que, imoderamente, consomem bebida alcoólica e se aferram à direção de veículos automotores: são motoristas bêbados e irresponsáveis, destinatários das novas regras de trânsito, modeladas com rigor punitivo, sem precedente na história do direito brasileiro.
As estatísticas recolhidas no cenário das vias por que trafegam os veículos brasileiros, certamente, exigiam resposta eficiente do legislador, para coibir a propagação de acidentes de trânsitos, com números alarmantes de vítimas da imprudência e da negligência de motoristas, drogados ou alcoolizados, que perseguem os resultados fatais, a um custo muito alto para a sociedade brasileira, sob a aferição material e espiritual.
Endureceu-se o regime jurídico para o enfrentamento da delinqüência no trânsito brasileiro, mediante a adoção e prescrição de remédios legais, festejados como a solução mais apropriada para combater a doença já infiltrada no tecido social, quase que paralisado pelo hábito da convivência com as mortes e lesões nas estradas brasileiras.
Criticar a lei tornar-se-ia — salvo se exploradas as atecnias
jurídicas que se colhem no texto legal — exercício atoleimado e antipático, contrário ao interesse público e propagandístico da persistência da violência no trânsito, se subsistente a compreensão de que se adotou o melhor e o mais apropriado modelo repressor.
As leis parecem exprimir porções mágicas, quando a sociedade, recolhida a uma interlocução emocional, encarna modelos repressivos, sem pedagogia e sem eficiência profilática, situação em decorrência da qual as regras jurídicas não passam de amargo elixir, carentes de efetividade e disciplina social.
O valor e a importância de uma lei não se limitam às considerações e congratulações, hauridas nos meios de comunicação social, como ambiente onde se resolveriam os problemas de uma sociedade despreparada para encontrar modelos disciplinares para combater seus males mais agudos.
À falta de equilíbrio no debate do problema do consumo exagerado de bebidas alcoólicas e de substâncias pscioativas que causam dependência, a improvisação contamina o legislador afoito que extrema a solução legislativa, sem sinal de que conhece a realidade e a cultura brasileiras.
A nova lei de trânsito (Lei 11.707, de 19.06.08), que impôs a total escassez ou ausência alcoolêmica aos condutores de veículos, revela opção radical. Mereceria ser recebida com júbilo, se não fosse o caráter solitário da medida. Ela veio desacompanhada de outras políticas educacionais que, gradualmente, transformassem os hábitos do brasileiro em relação à bebida, e, principalmente, o flagrante desabastecimento operacional dos institutos e das estruturas repressoras do próprio Estado para identificar a eventual alcoolemia do infrator.
Ao ministrar solução radical e abrupta, que não se aconselha com a cultura do povo e encontra o Estado completamente desaparelhado para fiscalizar a alcoolemia zero, a nova lei corre o risco de agrupar-se ao conjunto de outras regras de eficácia contida ou relativizada, sem que seja respeitada e cultuada pela sociedade, protagonista de toda sorte de descumprimento.
Na verdade, a nova lei, como porção mágica, provoca uma paralisia, sob a aparente suposição de que é suficiente para enfrentar o grave problema da violência no trânsito brasileiro, fruto de pessoas bêbadas e do Estado embriagado pela falta de funcionamento eficiente de suas instituições.
E mais: o texto, confuso e contraditório, entre admitir e refutar um mínimo de alcoolemia, já se candidata a desafios judiciais, principalmente pela ambigüidade da aplicação de sanções administrativas ou sanções penais a que se sujeitam os infratores,
caso incorram nos tipos de similitude impossível de distinção.
Trata-se de lei mal feita, construída sob o impulso do improviso, capaz de esvaziar o bom propósito. O Brasil gosta de ter leis, mas carece do hábito de cumpri-las, razão por que se diz que a lei não pega. Mas, no caso, vai pegar apenas uns bêbados desavisados, certamente de classe social mais pobre, porque se sabe que a repressão tem limites. Os bêbados continuarão a dirigir e o Estado permanecerá embriagado.
Luís Carlos Alcoforado
Advogado
Há pessoas que, imoderamente, consomem bebida alcoólica e se aferram à direção de veículos automotores: são motoristas bêbados e irresponsáveis, destinatários das novas regras de trânsito, modeladas com rigor punitivo, sem precedente na história do direito brasileiro.
As estatísticas recolhidas no cenário das vias por que trafegam os veículos brasileiros, certamente, exigiam resposta eficiente do legislador, para coibir a propagação de acidentes de trânsitos, com números alarmantes de vítimas da imprudência e da negligência de motoristas, drogados ou alcoolizados, que perseguem os resultados fatais, a um custo muito alto para a sociedade brasileira, sob a aferição material e espiritual.
Endureceu-se o regime jurídico para o enfrentamento da delinqüência no trânsito brasileiro, mediante a adoção e prescrição de remédios legais, festejados como a solução mais apropriada para combater a doença já infiltrada no tecido social, quase que paralisado pelo hábito da convivência com as mortes e lesões nas estradas brasileiras.
Criticar a lei tornar-se-ia — salvo se exploradas as atecnias
jurídicas que se colhem no texto legal — exercício atoleimado e antipático, contrário ao interesse público e propagandístico da persistência da violência no trânsito, se subsistente a compreensão de que se adotou o melhor e o mais apropriado modelo repressor.
As leis parecem exprimir porções mágicas, quando a sociedade, recolhida a uma interlocução emocional, encarna modelos repressivos, sem pedagogia e sem eficiência profilática, situação em decorrência da qual as regras jurídicas não passam de amargo elixir, carentes de efetividade e disciplina social.
O valor e a importância de uma lei não se limitam às considerações e congratulações, hauridas nos meios de comunicação social, como ambiente onde se resolveriam os problemas de uma sociedade despreparada para encontrar modelos disciplinares para combater seus males mais agudos.
À falta de equilíbrio no debate do problema do consumo exagerado de bebidas alcoólicas e de substâncias pscioativas que causam dependência, a improvisação contamina o legislador afoito que extrema a solução legislativa, sem sinal de que conhece a realidade e a cultura brasileiras.
A nova lei de trânsito (Lei 11.707, de 19.06.08), que impôs a total escassez ou ausência alcoolêmica aos condutores de veículos, revela opção radical. Mereceria ser recebida com júbilo, se não fosse o caráter solitário da medida. Ela veio desacompanhada de outras políticas educacionais que, gradualmente, transformassem os hábitos do brasileiro em relação à bebida, e, principalmente, o flagrante desabastecimento operacional dos institutos e das estruturas repressoras do próprio Estado para identificar a eventual alcoolemia do infrator.
Ao ministrar solução radical e abrupta, que não se aconselha com a cultura do povo e encontra o Estado completamente desaparelhado para fiscalizar a alcoolemia zero, a nova lei corre o risco de agrupar-se ao conjunto de outras regras de eficácia contida ou relativizada, sem que seja respeitada e cultuada pela sociedade, protagonista de toda sorte de descumprimento.
Na verdade, a nova lei, como porção mágica, provoca uma paralisia, sob a aparente suposição de que é suficiente para enfrentar o grave problema da violência no trânsito brasileiro, fruto de pessoas bêbadas e do Estado embriagado pela falta de funcionamento eficiente de suas instituições.
E mais: o texto, confuso e contraditório, entre admitir e refutar um mínimo de alcoolemia, já se candidata a desafios judiciais, principalmente pela ambigüidade da aplicação de sanções administrativas ou sanções penais a que se sujeitam os infratores,
caso incorram nos tipos de similitude impossível de distinção.
Trata-se de lei mal feita, construída sob o impulso do improviso, capaz de esvaziar o bom propósito. O Brasil gosta de ter leis, mas carece do hábito de cumpri-las, razão por que se diz que a lei não pega. Mas, no caso, vai pegar apenas uns bêbados desavisados, certamente de classe social mais pobre, porque se sabe que a repressão tem limites. Os bêbados continuarão a dirigir e o Estado permanecerá embriagado.
Comentários