O marketing como arma para o fracasso
Às favas os escrúpulos
*Por Alon Feuerwerker
A falta de limites na busca pelo poder é sinal de que tampouco haverá limites no seu exercício. E candidatos a ditador não costumam acabar bem
Quando submetidos a tensão extrema, acontece de políticos escorregarem para zonas de sombra e mesmo escuridão. Ficou famosa, por exemplo, a frase de um ministro na reunião que chancelou o Ato Institucional nº 5, há quase 40 anos: “Às favas os escrúpulos de consciência”. Escrúpulos que, por exemplo, poderiam ter evitado a divulgação do vídeo usado por Fernando Collor contra Luiz Inácio Lula da Silva em 1989, na invasão violenta da vida pessoal do candidato do PT.
Tenho comigo que Collor começou a cair antes mesmo de eleito, por causa daquele vídeo. A falta de limites na busca pelo poder é sinal de que tampouco haverá limites no seu exercício. E candidatos a ditador não costumam acabar bem. Subjetividade à parte, o certo é que, duas décadas depois, a invasão violenta da vida privada de Lula por Collor fez muito mais mal ao hoje senador alagoano do que ao hoje presidente da República. E o ministro que pronunciou a infeliz frase na reunião do AI-5 tem e terá sua biografia permanentemente marcada por ela. Talvez injustamente.
Mesmo nos Estados Unidos, a pátria do vale-tudo eleitoral, certas decisões podem custar caro aos políticos. Um exemplo é a campanha de John McCain. Nos comícios dele, o adversário, Barack Obama, costuma ser xingado pelo público de “terrorista” e “mentiroso”. A propaganda republicana insiste que o eleitor americano não sabe quem é o “verdadeiro” Obama, insinuando que a escolha do senador democrata de Illinois lançará os Estados Unidos nas mãos de um aventureiro mistificador. Tem funcionado? Não.
Por que a campanha de McCain está nessa? Ora, porque ele vai mal nas pesquisas. E por que ele vai mal nas pesquisas? Por causa do colapso financeiro e do medo do americano de perder o emprego, a casa (se é que já não perdeu), a poupança para a formação dos filhos e o dinheiro que juntou para a aposentadoria. O americano médio está com medo do futuro e quer mudar. E o recurso do establishment republicano é apelar ao ódio. Ódio racial, ódio social. O ódio é irmão gêmeo do medo. E ajuda a anestesiá-lo.
McCain aparentemente espera que o medo sentido pelo americano comum e a incerteza em relação ao futuro se transformem em ódio contra o diferente, contra o “desconhecido”. A fórmula não é nova. A ascensão do fascismo na Alemanha de Weimar seguiu esse roteiro, no primeiro terço do século passado. Eis um risco sistêmico na crise americana: de a indignação e a revolta serem canalizadas para punir culpados imaginários, em vez dos reais. Como há poucos antecedentes históricos de império que aceite recuar pacificamente, o risco é real.
Já o problema no Brasil é outro. A ameaça é que nossa política adquira esse lamentável traço americano. Aqui, um parêntese. Lula disputou e perdeu três eleições presidenciais sem nunca ter recorrido a expedientes do gênero, sem ter exposto a vida pessoal dos adversários. Não é exagero dizer que tal característica das campanhas do sempre candidato do PT à Presidência virou uma espécie de dique contra a irracionalidade e a baixaria. Uma represa cultural que começa a mostrar rachaduras neste segundo turno da eleição municipal.
Talvez seja mesmo um processo inexorável. Talvez os americanos estejam mesmo à nossa frente e mereçam ser imitados, também nisso. Talvez esses pruridos moralistas sejam apenas isso, pruridos, e devam ser definitivamente removidos para que se manifeste, na sua plenitude, o conflito latente na sociedade. Talvez. Ou talvez não.
Política não é corrida de 100 metros. É maratona, e com obstáculos. E o adversário de hoje pode ser o aliado de amanhã. E o destino político de cada um pode eventualmente estar um dia nas mãos de pessoas que lá atrás as circunstâncias colocaram na trincheira oposta. Quem já acompanhou algum processo de cassação na Câmara dos Deputados ou no Senado sabe do que estou falando.
A propósito, seria de bom senso se a campanha do PT tirasse rápida e completamente de circulação o comercial com ataques à vida privada do prefeito de São Paulo. A biografia da candidata Marta Suplicy agradecerá. Mas tem que ser rápido. Bem rápido.
*Alon Feuerwerker é editor-chefe do jornal Correio Braziliense
*Por Alon Feuerwerker
A falta de limites na busca pelo poder é sinal de que tampouco haverá limites no seu exercício. E candidatos a ditador não costumam acabar bem
Quando submetidos a tensão extrema, acontece de políticos escorregarem para zonas de sombra e mesmo escuridão. Ficou famosa, por exemplo, a frase de um ministro na reunião que chancelou o Ato Institucional nº 5, há quase 40 anos: “Às favas os escrúpulos de consciência”. Escrúpulos que, por exemplo, poderiam ter evitado a divulgação do vídeo usado por Fernando Collor contra Luiz Inácio Lula da Silva em 1989, na invasão violenta da vida pessoal do candidato do PT.
Tenho comigo que Collor começou a cair antes mesmo de eleito, por causa daquele vídeo. A falta de limites na busca pelo poder é sinal de que tampouco haverá limites no seu exercício. E candidatos a ditador não costumam acabar bem. Subjetividade à parte, o certo é que, duas décadas depois, a invasão violenta da vida privada de Lula por Collor fez muito mais mal ao hoje senador alagoano do que ao hoje presidente da República. E o ministro que pronunciou a infeliz frase na reunião do AI-5 tem e terá sua biografia permanentemente marcada por ela. Talvez injustamente.
Mesmo nos Estados Unidos, a pátria do vale-tudo eleitoral, certas decisões podem custar caro aos políticos. Um exemplo é a campanha de John McCain. Nos comícios dele, o adversário, Barack Obama, costuma ser xingado pelo público de “terrorista” e “mentiroso”. A propaganda republicana insiste que o eleitor americano não sabe quem é o “verdadeiro” Obama, insinuando que a escolha do senador democrata de Illinois lançará os Estados Unidos nas mãos de um aventureiro mistificador. Tem funcionado? Não.
Por que a campanha de McCain está nessa? Ora, porque ele vai mal nas pesquisas. E por que ele vai mal nas pesquisas? Por causa do colapso financeiro e do medo do americano de perder o emprego, a casa (se é que já não perdeu), a poupança para a formação dos filhos e o dinheiro que juntou para a aposentadoria. O americano médio está com medo do futuro e quer mudar. E o recurso do establishment republicano é apelar ao ódio. Ódio racial, ódio social. O ódio é irmão gêmeo do medo. E ajuda a anestesiá-lo.
McCain aparentemente espera que o medo sentido pelo americano comum e a incerteza em relação ao futuro se transformem em ódio contra o diferente, contra o “desconhecido”. A fórmula não é nova. A ascensão do fascismo na Alemanha de Weimar seguiu esse roteiro, no primeiro terço do século passado. Eis um risco sistêmico na crise americana: de a indignação e a revolta serem canalizadas para punir culpados imaginários, em vez dos reais. Como há poucos antecedentes históricos de império que aceite recuar pacificamente, o risco é real.
Já o problema no Brasil é outro. A ameaça é que nossa política adquira esse lamentável traço americano. Aqui, um parêntese. Lula disputou e perdeu três eleições presidenciais sem nunca ter recorrido a expedientes do gênero, sem ter exposto a vida pessoal dos adversários. Não é exagero dizer que tal característica das campanhas do sempre candidato do PT à Presidência virou uma espécie de dique contra a irracionalidade e a baixaria. Uma represa cultural que começa a mostrar rachaduras neste segundo turno da eleição municipal.
Talvez seja mesmo um processo inexorável. Talvez os americanos estejam mesmo à nossa frente e mereçam ser imitados, também nisso. Talvez esses pruridos moralistas sejam apenas isso, pruridos, e devam ser definitivamente removidos para que se manifeste, na sua plenitude, o conflito latente na sociedade. Talvez. Ou talvez não.
Política não é corrida de 100 metros. É maratona, e com obstáculos. E o adversário de hoje pode ser o aliado de amanhã. E o destino político de cada um pode eventualmente estar um dia nas mãos de pessoas que lá atrás as circunstâncias colocaram na trincheira oposta. Quem já acompanhou algum processo de cassação na Câmara dos Deputados ou no Senado sabe do que estou falando.
A propósito, seria de bom senso se a campanha do PT tirasse rápida e completamente de circulação o comercial com ataques à vida privada do prefeito de São Paulo. A biografia da candidata Marta Suplicy agradecerá. Mas tem que ser rápido. Bem rápido.
*Alon Feuerwerker é editor-chefe do jornal Correio Braziliense
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