O blog disponibiliza a íntegra do pronunciamento proferido nesta tarde na Tribuna da Câmara dos Deputados, pelo deputado federal Asdrubal Bentes (PMDB-PA), relator da Medida Provisória que trata da regularização de terras na Amazônia Legal, no Grande Expediente.
O SR. PRESIDENTE (Mauro Benevides) - Concedo a palavra ao Deputado Asdrubal Bentes.
O SR. ASDRUBAL BENTES (Bloco/PMDB-PA. Sem revisão do orador.) Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados que se encontram nos gabinetes, já que não estão no plenário, senhores telespectadores, inicio o meu pronunciamento pedindo desculpas ao Deputado Rômulo Gouveia pela minha ausência à reunião ocorrida ontem, em sua residência.
Ocorre que estou com uma incumbência do tamanho da Amazônia, que é a medida provisória que trata da regularização de terras na Amazônia Legal. Estive em sucessivas reuniões, ultimando o relatório, para entregá-lo hoje à Presidência da Casa, cumprindo assim o dispositivo da Presidência, que determina que os Relatores das medidas provisórias devem entregar o relatório no prazo de até 10 dias antes do sobrestamento da pauta.
Conseguimos fazê-lo, apesar da exiguidade do tempo.
Mas, meu caro Presidente, a Medida Provisória nº 458 é extremamente polêmica. Não bastasse envolver o interesse maior que é a Amazônia, objeto de cobiça internacional, hoje já olhada com um pouco mais de interesse pelos nossos patrícios, a Medida Provisória nº 458 envolve interesses múltiplos relacionados àqueles que estão ocupando a terra hoje e que precisam ter suas posses regularizadas.
A mídia nacional tem dado ênfase a essa medida provisória. As opiniões estão divididas. Existem aqueles que veem nessa medida provisória um instrumento para o desenvolvimento da Amazônia, uma forma de evitar a sua devastação, a devastação de sua flora. Mas existem aqueles, os arautos do apocalipse, que veem na medida provisória um instrumento maior para o desmatamento, para a devastação da floresta, para a grilagem.
Amazônida que sou, fico triste ao ver que brasileiros não querem que os amazônidas melhorem suas condições de vida, não querem que a Amazônia se desenvolva, não querem que a flora e a fauna de nossa região sejam utilizadas em favor do ser humano.
O meio ambiente deve ser preservado? Sim, deve ser preservado, mas preservação é uma coisa, engessamento é outro. O que essas pessoas querem, o que eles almejam é exatamente ver a Amazônia apenas como um depositário de florestas, de rios, de índios, mas isso não é verdade.
A Amazônia hoje possui 26 milhões de brasileiros, muitos dos quais para lá acorreram a convite do Governo Federal. Deputado Mauro Benevides, V.Exa. que é o decano desta Casa, sabe e se lembra muito bem do convite que era feito no governo militar aos irmãos brasileiros do Sul e Sudeste, do Centro-Oeste, do Nordeste para se dirigirem à Amazônia para integrá-la e não entregá-la, para levar o homem sem terra para terra sem homens.
O apelo foi aceito, foi atendido. Milhares e milhares de brasileiros acorreram para a nossa Região e, em lá chegando, depararam-se com uma realidade completamente diversa daquilo que lhes foi prometido. A ausência do Estado foi o primeiro fator para a devastação da Amazônia.
O Sr. Mauro Benevides - V.Exa. permita-me, Deputado Asdrubal Bentes, uma breve intervenção para cumprimentar V.Exa., que. é um dos mais categorizados representantes da Região Norte nesta Casa e que ocupa essa tribuna com aquela proficiência habitual, para confirmar essa migração de brasileiros de outros Estados, de outras Unidades Federadas para a Amazônia. Nós, cearenses, por exemplo, demandávamos o Pará e o próprio Estado do Amazonas na busca daquelas alternativas que, no momento, significavam a contribuição do Nordeste para impulsionar o crescimento daquela faixa territorial do País. V.Exa. ao invocar o meu testemunho, eu o faço com imenso prazer, sem antes destacar que a presença de V.Exa. na tribuna é a demonstração mais positiva da extrema dedicação à causa da Amazônia, da qual V.Exa. se tornou propugnador firme e decidido, daíos sucessivos mandatos que lhe foram conferidos pelo povo do Pará. Portanto, parabéns a V.Exa. por essa atuação séria, criteriosa, bem direcionada, um discurso muito bem projetado para que alcance realmente os seus coestaduanos e possa a eles demonstrar que o desempenho do seu mandato tem sido absolutamente correto, voltado para o interesse da região. Parabéns a V.Exa.
O SR. ASDRUBAL BENTES - Deputado Mauro Benevides, agradeço a V.Exa. o aparte, que vem enriquecer o meu pronunciamento.
Quero relembrar os meus tempos de criança, no longínquo Rio Madeira, no povoado chamado Pádua, próximo de Humaitá, quando levas e levas de nordestinos iam nos batelões para ocupar aquela região longínqua com muita dificuldade, sujeitos à malária, às intempéries, enfrentando, em primeiro lugar, a agressividade da própria floresta. Mas foram eles, os nordestinos, que nos ajudaram a colonizar aquela região também.
E nós temos uma dívida de gratidão para com os nordestinos, que, lá chegando, exploraram os seringais, produziram borracha, que foi muito importante na II Guerra Mundial.
E hoje querem impor à Amazônia uma política sem analisar seus antecedentes históricos.
Houve um processo histórico de ocupação da Amazônia. Os brasileiros que lá estão não podem hoje, por uma simples medida de cunho ideológico, ser penalizados. Se houvesse condições, eles teriam de ser premiados porque se temos hoje à margem da Transamazônica e da Santarém/Cuiabá vilas, cidades, colônias, produção, devemos aos brasileiros que acreditaram naquela região, não obstante o abandono a que foram relegados pelo Estado.
Sr. Presidente, eu dizia que fico triste quando ouço posições até de proeminentes figuras deste Governo, como de resto de outros Governos que, ao que tudo indica, não conhecem a realidade amazônica. Não podemos, em hipótese alguma, aceitar que milhares de brasileiros que cumpriram a lei, que tomaram posse de suas terras sob a vigência da Lei nº 4.771, em que a reserva legal era de 50%... Eles cumpriram a lei. E hoje o que desejam? Desejam que a lei que lhes deu esse direito não tenha nenhum valor, obrigando-os a fazer reposição florestal, o que não são obrigados a fazer porque cumpriram a lei vigente à época em que receberam o seu título de propriedade e foram assentados pelo próprio órgão público federal ou estadual.
Esse é um dos pontos mais polêmicos do meu relatório.
Eu não posso trair minha consciência jurídica, eu não posso, na condição de advogado, aceitar que de repente o princípio da irretroatividade das leis não valha mais. É inadmissível que isso aconteça. Vivemos num Estado de Direito, e os direitos adquiridos devem ser respeitados.
Portanto, inseri, sim, em meu relatório — e tem sido objeto de muita polêmica — um dispositivo para proteger aqueles que acreditaram na Amazônia, que foram para láacreditando que era para valer o convite que lhes fizeram, mas foram abandonados, e agora querem penalizá-los.
O nosso relatório protege esses cidadãos brasileirosem nome da Lei, em nome do Direito e em nome da defesa de nossa querida Amazônia.
Um outro ponto polêmico, Sr. Presidente, diz respeito à obrigatoriedade da criação do zoneamento econômico-ecológico para aquela Região. Ora, briga-se tanto por um percentual aritmético que ora é de 50%, ora é de 80%, e daqui há pouco, aleatoriamente, modifica-se esse percentual sem ao menos ouvir-se os envolvidos, os realmente interessados, que são aqueles que habitam a Amazônia.
Para evitar decisões meramente subjetivas, tomadas ao bel-prazer ou mesmo por imposições ideológicas, o zoneamento econômico-ecológico é o remédio, é a solução. Aí, sim, serão os Estados que vão dizer, por meio do zoneamento ecológico, o que e onde pode ser feito, e onde nada pode ser feito. Esse, sim, é um meio eficaz e eficiente de proteger o meio ambiente e também de contribuir para o desenvolvimento sustentável em nossa Região.
Essa medida provisória, Sr. Presidente, é salutar. O Presidente Lula foi muito feliz quando a editou, ouvindo, naturalmente, os apelos da Amazônia. Eu até invocaria e plagiaria aqui o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, eleouviu a voz rouca do povo da Amazônia e sentiu que havia necessidade de se promover um grande programa de regularização fundiária naquela Região, porque hoje a Amazônia é um caos fundiário, vítimas que fomos de políticas desenvolvimentistas e fundiárias que nos foram impostas de cima para baixo.
Quem não se lembra do famigerado Decreto-Lei nº 1.164, de 1º de abril de 1971?
Já disse desta tribuna e volto a repetir: à época, apenas advogado militante, quando vi a notícia nos jornais, certamente concluí que era um 1º de abril, o dia da mentira. Cem quilômetros às margens das rodovias federais da Amazônia Legal foram usurpados do patrimônio dos nossos Estados. Aí aumentou o caos fundiário. Passou-se a não saber o que era do Estado e o que era da União. Os migrantes chegando, atendendo ao convite do Governo Federal, iam ocupando as terras. O Estado ausente, e continua ausente.
Agora, o Presidente Lula, com sua grande visão de homem público, enxergou que era necessário regularizar as posses, principalmente dos pequenos e médios produtores rurais, que estão abandonados, não têm direito ao crédito, não têm direito a coisa nenhuma. Os clientes da reforma agrária têm crédito de habitação, de fomento, de instalação, enfim, vários créditos. Mas aqueles que já estão na Amazônia, os ribeirinhos, os ribeirinhos que vivem lá há séculos, sequer têm o documento da sua terra.
Meus ilustres pares, essa medida provisória que tem sido objeto de muitas críticas vem sim ao encontro dos anseios dos amazônidas. Se não é perfeita, é porque é obra do homem, e o ser humano é falível, mas pelo menos ela vai possibilitar a regularização de 300 mil posses na Amazônia Legal, correspondendo a 92% das ocupações ilegais em nossa região.
Imaginem se realmente o Poder Executivo tiver a agilidade para implementar o Programa Terra Legal. Imaginem os benefícios, meu caro Abicalil, que a Amazônia vai ter, o desenvolvimento que vai chegar. Afinal de contas, a partir daí o cidadão vai ter segurança jurídica para permanecer na sua terra, vai ter o documento hábil para ir a um estabelecimento de crédito e buscar um financiamento para aumentar a sua produção, melhorar suas condições de vida e de sua família. Quero louvar a iniciativa do Presidente Lula.
O meu relatório tem sido motivo de críticas, mas eu tenho a convicção, como amazônida que sou, que virei para esta tribuna discutir item por item daquilo que acharem que não deve ser. Muitos não conhecem a Amazônia e querem dizer o que nós temos que fazer. Não vamos aceitar.
Peço aos meus nobres pares que leiam, com muita atenção o meu relatório, que se tiverem dúvida me procurem que estou pronto para dirimi-las. Porque o interesse maior que eu tenho, apesar de as revistas nacionais estarem me enquadrando como ruralista, eu não tenho uma rês, não tenho terras, mas também não me sinto constrangido por ter sido chamado de ruralista. Porque ruralista, empregado no sentido pejorativo não cabe a mim. Respeito os ruralistas porque são uma classe de homens trabalhadores, que produzem e geram emprego e renda. E não pode haver essa discriminação. Este País é tão grande que há terra para todos: para o pequeno, para o médio e para o grande. A Amazônia é tão grande que não é o problema deste País, ela é a solução para os problemas do País. Basta que nós a tratemos com realismo, basta que seja tratada com competência, que sejam respeitados os seus habitantes. Não admitiremos mais na Amazônia que nos sejam impostas políticas que não condizem com a nossa realidade, para que amanhã os nossos filhos e netos venham a pagar como nós estamos pagando pelos erros cometidos no passado.
Então, quero, mais uma vez, congratular-me com o Presidente Lula por essa iniciativa, agradecer mesmo, em nome do povo da Amazônia, principalmente dos pequenos e médios produtores rurais por essa medida salutar que vem ao encontro dos nossos anseios.
O Sr. Carlos Abicalil - Deputado Asdrubal Bentes, quero, como amazônida também, do Estado de Mato Grosso, da Amazônia Legal, saudar V.Exa. pelo fato de ter acolhido a condição da relatoria de matéria tão importante e, ao mesmo tempo, tão complexa e polêmica, tendo em vista aqueles que já procuram adjetivos do ponto de vista de como classificar cada um dos posicionamentos. Desejo que nós tenhamos com celeridade a desobstrução da pauta de modo a que a matéria possa vir à apreciação definitiva, compreendendo, como amazônica migrante, o interesse e dedicação àcausa de V.Exa. e o que representa para milhares de pequenos produtores, inclusive incentivados a irem para lá, naquela ocasião, de terem segurança jurídica e paz para as suas famílias e condições.
A partir daí, condição de ter acesso a benefícios públicos, a crédito, tendo em vista já os empreendimentos em habitação, em infra-estrutura, o Luz para Todos, que já chegou a esses pequenos produtores. Desejamos, portanto, que o debate feito na Casa, com a seriedade e a profundidade que merece, não adie a solução que a tanto tempo os amazônidas esperam.
O SR. ASDRUBAL BENTES - Agradeço ao nobre Deputado Carlos Abicalil o aparte, o qual insiro no meu pronunciamento para enriquecê-lo.
Mas quero concluir dizendo a V.Exas. e aos brasileiros que nos assistem pela TV Câmara que cumpri o meu dever. Estou com a consciência absolutamente tranquila de que neste relatório não me moveu nenhum motivo pessoal, particular, de classe ou ideológico. O único motivo que me moveu a promover esse relatório foi pautá-lo na realidade amazônica, para melhorar as condições de vida de nosso povo.
Digo ainda, caro Deputado Carlos Abicalil e Sr. Presidente, que estarei pronto para discutir com as Lideranças, com as associações, com o Plenário, as emendas apresentadas e as sugestões recebidas que também, de certa forma, contribuíram para o nosso relatório.
Muito obrigado.
Durante o discurso do Sr. Asdrúbal Bentes, o Sr. Mauro Benevides, § 2º do artigo 18 do Regimento Interno, deixa a cadeira da presidência, que é ocupada pelo Sr. Rômulo Gouveia, § 2º do artigo 18 do Regimento Interno.
Asdrubal detalha relatório da MP de Terras da Amazônia
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