De volta para o futuro
Por Gustavo Krieger
Se você continua com a impressão de que os personagens desse filme não mudam, pode ficar tranquilo. Está absolutamente certo.
A leitura dos jornais de hoje pode dar a impressão de um deslocamento temporal. Personagens que em outras épocas andaram em baixa voltam ao noticiário com o sorriso característico dos vencedores. Fernando Collor assume a comissão do Senado encarregada de debater os assuntos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Ao seu lado, como orgulhoso patrocinador, aparece Renan Calheiros, agora líder do PMDB e novamente um dos homens mais poderosos do Senado. José Sarney, fortalecido pela conquista da Presidência do Senado, conta os dias para que sua família reassuma o poder político no Maranhão. A derrota nas urnas em 2006 deverá ser anulada pela justiça eleitoral. Com a quase certa cassação do governador Jackson Lago, o cargo será assumido pela senadora Roseana Sarney.
A sensação é de que a política brasileira não muda e continua a ser comandada sempre pelos mesmos nomes. De certa forma, é verdade. Os casos citados têm em comum o fato de acontecerem num mundo com regras muito próprias: o da política parlamentar e partidária no Brasil.
Renan é o caso mais impressionante de ressurreição. Na velocidade e intensidade. Em dezembro de 2007, ele estava sob um dos mais inclementes fogos cruzados que o Congresso brasileiro testemunhou. Acusado de usar o lobista de uma empreiteira para encobrir os pagamentos de pensão para uma filha que teve fora do casamento, ele não tinha um momento de paz. Passou a ter sua cassação pedida, inclusive por antigos aliados, como o DEM e o PSDB. Salvou o mandato, mas teve de renunciar à Presidência do Senado.
Há pouco mais de um ano, ele não conseguia pegar um voo de carreira de Brasília para Alagoas. Temia a reação das pessoas. Hoje, voltou a ser Renan Calheiros. Caminha pelos corredores do Congresso com a imponência de quem domina o ambiente. Divide a cena com José Sarney, de cuja eleição para comandar o Senado foi o principal articulador. Foi o homem por trás da cena nas manobras que levaram Fernando Collor ao comando da Comissão de Infraestrutura.
O que está por trás dessa reação é sua habilidade em comandar as engrenagens do poder no Congresso. Renan sabe que o governo tem dificuldades no Senado. Precisa desesperadamente de qualquer voto que possa arrebanhar. O PMDB ligado a Renan e Sarney soma entre 15 e 18 parlamentares. Ele turbinou essa conta aproximando-se de Gim Argello, que em poucos meses passou de parlamentar pouco conhecido a líder e articulador político do PTB. Juntos, controlam pelo menos um quarto do Senado.
Com essa força, Renan ajudou a eleger Sarney e assumiu a liderança do PMDB. O partido confia nele porque sabe que ele é hábil ao negociar os pedidos da bancada com o Palácio do Planalto. E o governo negocia com ele porque ele tem os votos. A crise de Renan foi com a opinião pública e a imprensa. O Senado sempre gostou dele. Elegeu-o duas vezes presidente e depois salvou seu mandato.
Em sua volta por cima, tem ao lado até alguns dos desafetos de 2007. O líder do DEM, José Agripino, um de seus principais acusadores, acompanhou-o na campanha de Sarney e nas negociações das comissões do Senado. Ninguém lhe cobrou coerência. Tarefa difícil, levando em conta que do outro lado, abraçados, estavam PT e PSDB.
Collor é menos afeito às manobras parlamentares. O Senado, onde exerce o mandato, é o mesmo que o afastou da Presidência da República, em 1992. Como parlamentar, foi um estranho no ninho, passando quase tanto tempo em licença quanto na Casa. Sua sabedoria, nesse caso, foi aliar-se a Renan. A relação entre os dois é uma parábola da falta de coerência na vida política brasileira. Passaram de aliados a adversários e vice-versa tantas vezes que fica difícil manter a conta. Hoje, estão juntos no poder.
José Sarney é um caso à parte. Ele praticamente escreveu o livro de regras desse jogo. Comanda como ninguém os bastidores do Congresso. Conseguiu eleger-se presidente do Senado negando ser candidato. Exatamente por isso, sabe que o poder parlamentar precisa ser alicerçado numa sólida base política regional. A derrota no Maranhão, em 2006, colocou em risco seu império político. A volta de Roseana ao governo, com as bençãos de justiça eleitoral, recoloca as coisas em seu lugar.
Se você continua com a impressão de que os personagens desse filme não mudam, pode ficar tranquilo. Você está absolutamente certo.
Fonte: Correio Braziliense.
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