Empresa de integrante do MST levou R$ 5 mi do Incra
O Estado de S. Paulo
Inocar, em Itaberá (SP), é citado em inquérito da PF sobre repasses suspeitos de verbas
ITAPERÁ - Ao volante de um trator velho, com a cabeça protegida por um chapéu de palha, o assentado Sebastião Batista de Carvalho trabalha duro em seu lote na Agrovila 5 do Assentamento Pirituba, em Itaberá, no sudoeste do Estado de São Paulo. Não parece, mas, desde o final do ano passado, o lavrador e integrante do Movimento dos Sem-Terra (MST) é também o presidente de uma próspera empresa de levantamento topográfico e georreferenciamento com sede em Itapeva, cidade da região.
O Instituto de Orientação Comunitária e Assistência Rural (Inocar), empresa de Carvalho, recebeu quase R$ 5 milhões do governo federal nos últimos três anos para fazer o levantamento de propriedades rurais com até 80 hectares.
O Inocar está no centro de um inquérito aberto pela Polícia Federal para investigar repasses do governo federal a ONGs controladas pelo MST. As investigações estão a cargo da Delegacia de Sorocaba. A PF requisitou os contratos e pediu que sejam analisados pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Os delegados que cuidam do caso aguardam o parecer do tribunal para dar sequência à apuração. De acordo com a denúncia, a entidade foi criada na década de 90 para fomentar a agricultura orgânica em assentamentos da região de Itapeva e, depois de alguns meses, tornou-se inativa. Em 2006, quando o governo decidiu aplicar a lei federal 10.267 de 2001, que obriga o georreferenciamento dos imóveis para registro em cartório, a antiga associação de pequenos agricultores foi transformada numa empresa. É que a medição dos imóveis com até quatro módulos fiscais - na região, cada módulo tem 20 hectares - seria paga com recursos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Meses depois de ser criada, sem ter ainda profissional com registro no Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea) e um mínimo de experiência na área, o Inocar assinou contrato de R$ 4, 4 milhões com o Incra para fazer o georreferenciamento de 600 imóveis em Itapeva. A assinatura ocorreu em 20 de julho de 2006, mas apenas no mês seguinte o Inocar obteve o registro de pessoa jurídica na Receita Federal.
Em 2007, com o serviço apenas iniciado, a empresa conseguiu do Incra um aditamento no valor de R$ 187 mil para a "atualização do plano de trabalho". Em janeiro deste ano, o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) registrou o pagamento da última parcela, no valor de R$ 1,7 milhão, mas o serviço não ficou pronto.
O engenheiro agrônomo Guilherme Gandara Martins, responsável técnico contratado pelo Inocar, conta que ainda faltam 250 propriedades - mais de 40% a serem georreferenciadas. "Destas, temos 50 praticamente prontas para serem entregues ao Incra", diz ele.
DESCONHECIMENTO
Mesmo sem ter concluído o trabalho em Itapeva, a empresa iniciou o levantamento em dois municípios vizinhos: Itaberá e Taquarivaí. Abordado pela reportagem, Carvalho pouco soube dizer sobre a empresa que o apresenta como seu presidente. "Pergunte aos meninos lá", respondeu, referindo-se aos funcionários da sede, em Itapeva.
Ele desconhecia os valores do contrato e quanto do serviço tinha sido executado. Sobre sua condição de presidente, disse não se lembrar de ter assumido o posto. "Não lembro nem o que comi ontem na janta", ironizou. Garantiu, porém, que o Inocar não tem fins lucrativos.
O ex-presidente do instituto, Ismael Rodrigues de Souza, foi ouvido pela PF e negou que a empresa tenha vínculo com a organização dos sem-terra. A família de Souza é assentada na Agrovila 4 do assentamento Pirituba. Seu lote, vizinho ao do coordenador estadual do MST, Delweck Matheus, é tocado pelo irmão, Ezequiel, dono de um supermercado e de uma distribuidora de gás.
Os estatutos do Inocar foram feitos pelo contador Dirceu Ferreira, cujo escritório dá assessoria a empresas sociais. Ferreira, que criou a maior parte das empresas e cooperativas ligadas ao MST, contou que foi procurado por lideranças do movimento. O agrimensor Waldirley Ferreira, também ouvido no inquérito, confirmou a ligação entre o Inocar e o MST. Ele acha que pode ter havido superfaturamento.
"O serviço está saindo a R$ 7,6 mil por imóvel, quando o preço previsto em nossa tabela (do Crea) para a média das áreas seria de R$ 4,4 mil", diz ele. Em 2006, o coordenador Matheus participou de um seminário sobre o programa de georreferenciamento no assentamento Pirituba, ao lado do então presidente do Inocar e do superintendente regional do Incra, Raimundo Pires da Silva, conforme foi registrado na época pelo site do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
De acordo com a vereadora Áurea Aparecida Rosa (PTB), nos primeiros meses de existência, o Inocar funcionou no escritório do Incra de Itapeva, onde trabalha a mulher do dirigente do MST. Atualmente, mantém uma sede na cidade e uma filial em São Paulo. Procurado pela reportagem, Matheus, do MST, não deu retorno.
LINHAS DE CRÉDITO
O georreferenciamento dos imóveis rurais garante informações precisas sobre a situação de cada área - e serve de base para a emissão do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural, facilitando dessa maneira a obtenção do título da terra e o acesso a linhas de crédito.
O outro lado
Dirigente nega vínculo com sem-terra
ITAPERÁ - O superintendente do Incra em São Paulo, Raimundo Pires da Silva, negou que o Instituto de Orientação Comunitária e Assistência Rural (Inocar) tenha vínculo com o MST. O fato de a empresa, contratada para prestar serviços de georreferenciamento em Itapeva, ter integrantes do movimento na diretoria, segundo Silva, não caracteriza nenhum vínculo.
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