Divisão territorial do Pará - Deputado Parsifal Pontes critica "achismos" de doutor em geografia
Entrevista com o doutor Martin publicada em “O Liberal”, na edição de domingo, 28.02.2010.
BRASÍLIA
Da Sucursal
O Pará, Estado mais importante da região Norte do País, está sujeito a perder toda sua força política e econômica para se retalhados em três unidades federativas com pesos iguais ao que representa hoje, no cenário nacional, o Amapá. A previsão negativa é do doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP), André Roberto Martin. Na sua avaliação, lideranças políticas com interesses pessoais estão usando o discurso fácil, de que uma possível separação poderá trazer investimentos futuros, para criar na população um sentimento pró-emancipação. Segundo Martin, os prejuízos às novas unidades federativas não são revelados e no final são bem maiores do que os investimentos prometidos. Em entrevista exclusiva ao repórter Thiago Vilarins, ele mostra que as últimas divisões territoriais para criação de novos Estados não foram bem-sucedidas, acarretando prejuízos incalculáveis aos cofres públicos da União. E ressalta que, se ocorrer a divisão do Pará, para a criação dos Estados do Carajás e Tapajós, o Estado remanescente, que ficará com a Região Metropolitana de Belém, será extremamente prejudicado. 'Exatamente a área mais promissora de toda a região amazônica acaba sendo a mais prejudicada. Chega a ser engraçado; você está vendo o lado do benefício de uma população bem pequena, rarefeita, em uma certa área e não está levando em conta os prejuízos que isso pode acarretar para a grande população concentrada na Região Metropolitana de Belém', reforçou. A seguir, a entrevista.
- Estão bem avançadas as articulações da bancada separatista para que os projetos que criam os Estados do Tapajós e do Carajás sejam votados na Câmara dos Deputados. Os parlamentares tentam colocá-los em votação ainda em março, porque, uma vez aprovados neste mês, terão tempo de realizar o plebiscito junto às próximas eleições. A grande resistência dentro da Casa está no fato de que os projetos não estão endossados por estudos técnicos de viabilidade econômica. No entanto, independentemente de estudos, o senhor fala em prejuízos incalculáveis ao País se essas divisões ocorrerem. No que o senhor se baseia?
Venho defendendo essa tese há muito tempo, porque quando se fala nessas divisões, não se leva em conta o equilíbrio federativo. Então se começa a criar novas unidades federativas, sem mexer no pacto federativo. E se distorce justamente o acordo que havia sido firmado antes. Isso quer dizer que nós temos um pacto federativo, estabelecido em 1930, com a ascensão do Getúlio Vargas. E esse pacto, trocando em miúdos, significou poder político no Congresso Nacional para os Estados do Norte e Nordeste e poder econômico concentrado no Centro-Sul. Mas, à medida que vão surgindo novos Estados no Norte e Nordeste, você vai pendendo a balança para que essa distorção fique cada vez mais acentuada. Ou seja, você tem cada vez um número maior de congressistas do Norte e do Nordeste em detrimento da representação da população que é majoritária do Centro-Sul. Em outras palavras, você aumenta a distorção representativa no Congresso e cria um problema com o pacto federativo. Esse é um problema que, na minha opinião, vai além do êxito ou do fracasso econômico de cada unidade.
- Os defensores da divisão alegam que a emancipação das regiões pode trazer desenvolvimento para as áreas isoladas, abandonadas pelo Estado, principalmente pelo distanciamento. Confere esse pensamento de que o aumento do poder político nessas áreas poderá trazer benefícios econômicos?
Para mim, esse raciocínio está enviesado. Porque você deveria priorizar o desenvolvimento econômico. Agora, o argumento é o de que são áreas pobres e que não têm atrativos para o desenvolvimento e que se elas tiverem poder político, isso tornará mais visível aquela área; então isso atrairá investimentos. Não necessariamente acontece assim. E o que a experiência brasileira tem mostrado é que essas novas unidades criadas acabam não conseguindo dar conta das despesas de manutenção da máquina estadual. Conseqüência: os Estados novos ficam devedores da União, totalmente dependentes da União. Isso não é federalismo. Federalismo é autonomia de fato. O modelo dos Estados Unidos é exemplar nesse ponto de vista, porque primeiro o território novo adquire uma certa densidade demográfica e econômica para depois ascender à condição de Estado membro da União. No Brasil, desde as capitanias, tem sido o contrário. Você, primeiro, cria a unidade política para depois preenchê-la de demografia e desenvolvimento econômico. Ora, isso sobrecarrega os cofres públicos da União. Isso tudo, no final das contas, repassa no aumento da dívida pública da União e você passa ainda a ter também Estados dependentes da União. Portanto, o equilíbrio federativo fica muito distorcido, acentuando as divisões regionais. Consequência: aumenta o fosso entre o Norte e Sul do País, porque o dinamismo econômico concentra-se no Centro-Sul e a reapresentação política no Norte e Nordeste. Então, esse raciocínio da sua pergunta não tem dado a resposta adequada a esse problema. O que tem acontecido na verdade é o aumento da representação no Congresso dos Estados menos povoados. Na minha opinião, isso não é democrático e nem resolve o problema econômico.
- Os Estados do Centro-Sul temem esse aumento da representatividade da região Norte?
Não tem havido essas manifestações. A classe política do Centro-Sul também não está lá tão interessada em aumentar a representatividade dos seus Estados no Congresso. Isso porque os interesses econômicos dominantes estão concentrados no Centro-Sul. Então, fica tudo como dantes no quartel de Abrantes. Em última instância, quem está sendo prejudicada é a população mais pobre tanto do Norte quanto do Sul. No Norte porque, no final da história, as verbas públicas que vão do Centro-Sul pra lá são abocanhadas pelos interesses das elites dominantes de lá. É famoso o expediente, por exemplo, da utilização de recursos públicos para benefícios privados na região.
- Independentemente do desequilíbrio político, o senhor acredita que as regiões desmembradas, para a criação de novos Estados, não tiveram progresso?
Essas áreas realmente têm recebidos novos investimentos. Portanto, se você tinha antes uma área deserta, vazia e depois criou nela um Estado e carreou recursos públicos e privados para essa área, não há dúvida de que houve um avanço econômico nessas áreas. Todos os Estados novos apresentam-se como vitoriosos do ponto de vista econômico. Porque, claro, se antes você tinha uma área que não arrecadava e agora você passa a ter um mínimo de atividade econômica então é um avanço. Por exemplo, Roraima, uma área muito pouco povoada, vira Estado, atraem investimentos públicos, a máquina estadual foi montada, ela não tem dinheiro para se montar, o governo federal fica bancando, até porque durante os oito primeiros anos da criação dos novos Estados a educação e a segurança ficam ainda a cargo da União. Olha só, criou-se o Estado, a União é responsável pelos investimentos em educação, criam-se universidades federais nessas áreas. Será que Roraima e Amapá precisam de universidades? Será que está certo o governo federal fazer esse tipo de investimento? Não é um desperdício? Será que não seria mais vantajoso concentrar os investimentos em educação e universidades nas áreas mais densas da região, como Belém e Manaus? Se a fórmula defendida é pulverizar o investimento público, o resultado, do ponto de vista da eficácia, parece duvidoso. No final das contas, me parece que esses empreendimentos visam beneficiar as elites econômicas, que, portanto, passam a ter também poder político e consequentemente realimentam o seu poder econômico.
- Na sua opinião, são os poderes econômico e político que movimentam essas idéias de divisão?
Geralmente, é assim que acontece. São lideranças políticas que capitaneiam o processo. E é muito fácil comover a opinião pública em favor dessas teses. Eles acenam com um investimento futuro e tudo mais. Ninguém se preocupa com os prejuízos que podem advir, só se olha para o futuro positivo, mas no final das contas é a organização espacial do conjunto do País que fica cada vez mais distorcido. Então, você perde eficiência, do ponto de vista da organização territorial, e não cria autonomias. Além disso, dificulta uma maior igualdade social, porque sempre há os que já são detentores do poder econômico. E estamos falando bem claramente dos latifundiários, os grandes proprietários de terra, serão eles os grandes beneficiários.
- Quando se fala em divisão promissora, sempre se recorre ao exemplo de Tocantins. As criações dos Estados de Carajás e Tapajós podem ser comparadas a esse exemplo?
Eu considero que a criação de Tocantins foi um grave problema para a organização federativa do país e aumentou o desequilíbrio regional. Essa é a conclusão que tenho. A tal ponto isso é verdadeiro que a própria divisão regional do IBGE ficou caduca e hoje já se fala numa revisão dessa divisão para se ajustar a nova realidade. O Tocantins é apresentado como um grande êxito, mas não há um novo Estado que também não se considere exitoso, a partir do momento em que se tornou uma nova unidade federativa. Seria surpreendente se fosse o contrário. O problema está na falta de perspectiva nacional, porque você tem uma nova unidade, mas você tem que pensar no conjunto do País. O que ela representa em termos do conjunto do País. Nunca se pensa nesses termos, sempre são termos muito locais.
- Apesar de estarem juntos na tentativa de se separar do Pará, os defensores do Carajás e do Tapajós têm argumentos distintos. Os investimentos na região do Carajás levantam o discurso de que, sozinha, a área pode avançar mais. Já do lado do Tapajós, o isolamento devido à distância é a principal questão reclamada. Como o senhor analisa esses dois cenários?
O pessoal do Tapajós está querendo imitar o de Carajás. Ali, a base do desenvolvimento futuro também será a mineração. Essa parte do Estado também é uma província mineral tão importante quanto a do Carajás, mas como está mais interiorizada na floresta, a frente pioneira alcançou primeiro a região de Carajás. O que nós temos em Carajás? Uma imigração intensa, a criação de elites inteiramente novas e desvinculadas do Estado. Foi a Vale que levou as elites dirigentes que hoje reivindicam a autonomia dessa área para ser um novo Estado. Portanto, tudo, no final das contas, está baseado na riqueza mineralógica do Carajás. E o Tapajós imita o que aconteceu em Carajás. Ora, mas e o Estado do Pará como um todo? Ninguém está se perguntando qual tem sido o resultado para o Estado do Pará, que sempre foi o Estado líder da Amazônia. O Pará, Belém está sendo muito prejudicada. Exatamente a área mais promissora de toda a região amazônica acaba sendo a mais prejudicada. E se esses novos atores, que não têm nenhuma relação com a história, com a vida social e cultural do Estado do Pará, mostram que não se sentem parte do Pará. Então, é até compreensível que eles reivindiquem esse desligamento. No caso do Tapajós, isso diz respeito ao fato da distância e das dificuldades de comunicação entre Santarém e Belém. Esse sempre foi o motivo para se alegar a necessidade de criação de um novo Estado. Eu pergunto: estradas não resolveriam o problema? Em vez de gastar dinheiro com infraestrutura, que seria um resultado positivo para a população, para os empreendimentos, para os investimentos, você cria máquinas públicas. Poxa, a atividade meio está substituindo atividade-fim. Gasta-se muito dinheiro com as atividades meios, como burocracia, Judiciário, Legislativo etc. Mas investimento em infraestrutura não tem. Estamos multiplicando uma classe política parasitária, essa é a conclusão.
- O senhor disse que o Pará dividido perde a sua força. Qual será o peso do Estado-mãe e desses novos Estados no contexto nacional?
Seriam três Estados iguais ao Amapá, mais ou menos. Seriam fracos do ponto de vista político, dependentes do ponto de vista econômico e dominados por pequenas elites locais. Acho que esse modelo é o que a maior parte de toda a sociedade brasileira aspira. Afora que, justamente, o patrimônio histórico social e político concentrado em séculos de colonização que teve em Belém o seu centro difusor, é exatamente ali que a situação fica pior. Chega a ser engraçado. Quer dizer, você está vendo o lado do benefício de uma população bem pequena, rarefeita, em uma certa área e não está levando em conta os prejuízos que isso pode acarretar para a grande população concentrada na Região Metropolitana de Belém.
- O Estado remanescente é o mais prejudicado?
Sem dúvida. Isso já aconteceu com o caso de Goiás e do Mato Grosso também. Sempre alguém sai perdendo muito. No caso do Mato Grosso, quem perdeu foi o Mato Grosso do Sul. Na criação do Tocantins, quem perdeu foi o Goiás. Fora que, se você prejudica uma capital que, além de estadual é regional, como é o caso de Belém, você piora ainda mais as coisas, porque a Amazônia vai se tornando cada vez mais distante do resto do País. No final das contas, a perspectiva é não integração nacional, porque esses atores que reivindicam a criação dos novos Estados querem, na verdade, pegar dinheiro da União para viabilizar exportações de minérios para o mundo externo. Sem beneficiamento dos minerais, porque sai bruto. É óbvio que os atores têm todo interesse nisso, porque vão ganhar muito dinheiro nisso. Mas para o conjunto da região e para o conjunto do País não tem nenhuma vantagem.
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Abaixo o leitor confere o contraponto do deputado estadual Parsifal Pontes, líder do PMDB na Assembléia Legislativa do Pará.
Desconstruindo o doutor Martin
Arrepia os cabelos a leitura da entrevista, publicada em “O Liberal”, neste domingo, concedida pelo doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo, André Roberto Martin.
O objeto da entrevista é apresentar o prejuízo que seria a divisão do Pará em três estados.
O pensamento de Martin, contrário à divisão, tem fundamentos tão capciosos que chegam às raias do proselitismo ariano.
Martin acusa o pacto federativo getuliano (compensação de representatividade política a quem tem menor poder econômico, que visava equilibrar a lógica proto colonialista do eixo norte-sul), como o grande beneficiado na operação.
Afasta a oportunidade da divisão do Pará, alegando, estoicamente, que o fato só aumentaria a representatividade do Norte, pobre, em detrimento do Sul, rico.
O seu pensamento de consolidação de conglomerados econômicos repete a cínica tese delfiniana de que é necessário concentrar riqueza para que ela vaze moedas em distribuição: nada mais anacrônico para um mundo em que o Consenso de Washington está cremado.
Para fundamentar a sua tese de que é preciso privilegiar o valor econômico, Martin comete uma inverdade geopolítica, ao dizer que “O modelo dos Estados Unidos é exemplar nesse ponto de vista, porque primeiro o território novo adquire uma certa densidade demográfica e econômica para depois ascender à condição de Estado membro da União”.
A formação territorial da federação norte americana não obedeceu a esta lógica: não se esperou colônia alguma ter consolidação econômica pois elas foram divididas do ponto de vista puramente estratégico territorial. Os demais estados seguiram o mesmo juízo e o último deles simplesmente foi adquirido com um cheque.
Notem o que o Doutor Martin diz em certo ponto: “Olha só, criou-se o Estado, a União é responsável pelos investimentos em educação, criam-se universidades federais nessas áreas. Será que Roraima e Amapá precisam de universidades? Será que está certo o governo federal fazer esse tipo de investimento? Não é um desperdício? Será que não seria mais vantajoso concentrar os investimentos em educação e universidades nas áreas mais densas da região, como Belém e Manaus?”
Ao ler isto eu levantei da poltrona, fiquei meio atordoado e fui olhar a paisagem para pensar: será que tudo o que eu aprendi sobre democratização e universalização do ensino está errado?
Eu sempre achei que a escola tem que sair dos seus muros e alcançar o estudante onde ele estiver. A República não pode medir esforços para colocar uma faculdade aonde exista gente a educar. Não é desperdício educar.
Se alguém que mora em Tucuruí, no Pará, não pode vir para Belém para cursar uma universidade, como um estudante de Roraima pode fazê-lo? Onde mora o doutor Martin, para achar que é possível vir de bicicleta de Macapá ao Campus do Guamá?
A entrevista então caminha para um anacoluto: Martin admite melhora nos índices gerais dos estados que se emanciparam, mas argumenta que é só porque eles se emanciparam...!?
Ato contínuo, como a querer corrigir o círculo, afirma que olhar somente a melhora do estado emancipado é descontextualizar a vista do país como um todo, e não ver o que ocorre a nível nacional.
Meu caro Doutor Martin, eu desconheço que o Rio Grande do Sul, ou o Piauí, tenham tido algum problema porque o Tocantins virou Estado.
Impressiona a pobreza conjuntural do doutorado de Martin, que o faz imaginar que, dividido o Pará, as duas unidades federativas originadas cortarão imediatamente o contato político econômico e financeiro com o originário, e Belém, como o maior centro da região, não mais receberá o fluxo cotidiano natural que já consolidou.
Ao contrário, a exemplo do que houve em outras divisões, o fluxo não só permanece como aumenta, pois com o aumento da circulação econômica do todo, o centro nervoso, que era a capital do estado, ganha valor agregado, passando a ser o ponto de convergência do aglomerado regional.
Daí pra frente a entrevista cai nos clichês: divisão é coisa das pequenas elites; o poder político destes novos estado será exercido pelas elites microrregionais e et caterva.
Termina a entrevista com falácias e má informação ao dizer que, nas divisões do Mato Grosso e Goiás, os estados originários saíram perdendo: não é verdade.
Ambos, desde a divisão, não perderam 1 centavo sequer de PIB e mantiveram o crescimento econômico médio que vinham obtendo, no caso de Goiás, com maior pujança.
Sinceramente, aos bizarros argumentos do doutor, chocam-me menos aqueles que se baseiam puramente no sentimento de que não devemos dividir porque somos a terra de ricas florestas fecundadas ao sol do Equador.
BRASÍLIA
Da Sucursal
O Pará, Estado mais importante da região Norte do País, está sujeito a perder toda sua força política e econômica para se retalhados em três unidades federativas com pesos iguais ao que representa hoje, no cenário nacional, o Amapá. A previsão negativa é do doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP), André Roberto Martin. Na sua avaliação, lideranças políticas com interesses pessoais estão usando o discurso fácil, de que uma possível separação poderá trazer investimentos futuros, para criar na população um sentimento pró-emancipação. Segundo Martin, os prejuízos às novas unidades federativas não são revelados e no final são bem maiores do que os investimentos prometidos. Em entrevista exclusiva ao repórter Thiago Vilarins, ele mostra que as últimas divisões territoriais para criação de novos Estados não foram bem-sucedidas, acarretando prejuízos incalculáveis aos cofres públicos da União. E ressalta que, se ocorrer a divisão do Pará, para a criação dos Estados do Carajás e Tapajós, o Estado remanescente, que ficará com a Região Metropolitana de Belém, será extremamente prejudicado. 'Exatamente a área mais promissora de toda a região amazônica acaba sendo a mais prejudicada. Chega a ser engraçado; você está vendo o lado do benefício de uma população bem pequena, rarefeita, em uma certa área e não está levando em conta os prejuízos que isso pode acarretar para a grande população concentrada na Região Metropolitana de Belém', reforçou. A seguir, a entrevista.
- Estão bem avançadas as articulações da bancada separatista para que os projetos que criam os Estados do Tapajós e do Carajás sejam votados na Câmara dos Deputados. Os parlamentares tentam colocá-los em votação ainda em março, porque, uma vez aprovados neste mês, terão tempo de realizar o plebiscito junto às próximas eleições. A grande resistência dentro da Casa está no fato de que os projetos não estão endossados por estudos técnicos de viabilidade econômica. No entanto, independentemente de estudos, o senhor fala em prejuízos incalculáveis ao País se essas divisões ocorrerem. No que o senhor se baseia?
Venho defendendo essa tese há muito tempo, porque quando se fala nessas divisões, não se leva em conta o equilíbrio federativo. Então se começa a criar novas unidades federativas, sem mexer no pacto federativo. E se distorce justamente o acordo que havia sido firmado antes. Isso quer dizer que nós temos um pacto federativo, estabelecido em 1930, com a ascensão do Getúlio Vargas. E esse pacto, trocando em miúdos, significou poder político no Congresso Nacional para os Estados do Norte e Nordeste e poder econômico concentrado no Centro-Sul. Mas, à medida que vão surgindo novos Estados no Norte e Nordeste, você vai pendendo a balança para que essa distorção fique cada vez mais acentuada. Ou seja, você tem cada vez um número maior de congressistas do Norte e do Nordeste em detrimento da representação da população que é majoritária do Centro-Sul. Em outras palavras, você aumenta a distorção representativa no Congresso e cria um problema com o pacto federativo. Esse é um problema que, na minha opinião, vai além do êxito ou do fracasso econômico de cada unidade.
- Os defensores da divisão alegam que a emancipação das regiões pode trazer desenvolvimento para as áreas isoladas, abandonadas pelo Estado, principalmente pelo distanciamento. Confere esse pensamento de que o aumento do poder político nessas áreas poderá trazer benefícios econômicos?
Para mim, esse raciocínio está enviesado. Porque você deveria priorizar o desenvolvimento econômico. Agora, o argumento é o de que são áreas pobres e que não têm atrativos para o desenvolvimento e que se elas tiverem poder político, isso tornará mais visível aquela área; então isso atrairá investimentos. Não necessariamente acontece assim. E o que a experiência brasileira tem mostrado é que essas novas unidades criadas acabam não conseguindo dar conta das despesas de manutenção da máquina estadual. Conseqüência: os Estados novos ficam devedores da União, totalmente dependentes da União. Isso não é federalismo. Federalismo é autonomia de fato. O modelo dos Estados Unidos é exemplar nesse ponto de vista, porque primeiro o território novo adquire uma certa densidade demográfica e econômica para depois ascender à condição de Estado membro da União. No Brasil, desde as capitanias, tem sido o contrário. Você, primeiro, cria a unidade política para depois preenchê-la de demografia e desenvolvimento econômico. Ora, isso sobrecarrega os cofres públicos da União. Isso tudo, no final das contas, repassa no aumento da dívida pública da União e você passa ainda a ter também Estados dependentes da União. Portanto, o equilíbrio federativo fica muito distorcido, acentuando as divisões regionais. Consequência: aumenta o fosso entre o Norte e Sul do País, porque o dinamismo econômico concentra-se no Centro-Sul e a reapresentação política no Norte e Nordeste. Então, esse raciocínio da sua pergunta não tem dado a resposta adequada a esse problema. O que tem acontecido na verdade é o aumento da representação no Congresso dos Estados menos povoados. Na minha opinião, isso não é democrático e nem resolve o problema econômico.
- Os Estados do Centro-Sul temem esse aumento da representatividade da região Norte?
Não tem havido essas manifestações. A classe política do Centro-Sul também não está lá tão interessada em aumentar a representatividade dos seus Estados no Congresso. Isso porque os interesses econômicos dominantes estão concentrados no Centro-Sul. Então, fica tudo como dantes no quartel de Abrantes. Em última instância, quem está sendo prejudicada é a população mais pobre tanto do Norte quanto do Sul. No Norte porque, no final da história, as verbas públicas que vão do Centro-Sul pra lá são abocanhadas pelos interesses das elites dominantes de lá. É famoso o expediente, por exemplo, da utilização de recursos públicos para benefícios privados na região.
- Independentemente do desequilíbrio político, o senhor acredita que as regiões desmembradas, para a criação de novos Estados, não tiveram progresso?
Essas áreas realmente têm recebidos novos investimentos. Portanto, se você tinha antes uma área deserta, vazia e depois criou nela um Estado e carreou recursos públicos e privados para essa área, não há dúvida de que houve um avanço econômico nessas áreas. Todos os Estados novos apresentam-se como vitoriosos do ponto de vista econômico. Porque, claro, se antes você tinha uma área que não arrecadava e agora você passa a ter um mínimo de atividade econômica então é um avanço. Por exemplo, Roraima, uma área muito pouco povoada, vira Estado, atraem investimentos públicos, a máquina estadual foi montada, ela não tem dinheiro para se montar, o governo federal fica bancando, até porque durante os oito primeiros anos da criação dos novos Estados a educação e a segurança ficam ainda a cargo da União. Olha só, criou-se o Estado, a União é responsável pelos investimentos em educação, criam-se universidades federais nessas áreas. Será que Roraima e Amapá precisam de universidades? Será que está certo o governo federal fazer esse tipo de investimento? Não é um desperdício? Será que não seria mais vantajoso concentrar os investimentos em educação e universidades nas áreas mais densas da região, como Belém e Manaus? Se a fórmula defendida é pulverizar o investimento público, o resultado, do ponto de vista da eficácia, parece duvidoso. No final das contas, me parece que esses empreendimentos visam beneficiar as elites econômicas, que, portanto, passam a ter também poder político e consequentemente realimentam o seu poder econômico.
- Na sua opinião, são os poderes econômico e político que movimentam essas idéias de divisão?
Geralmente, é assim que acontece. São lideranças políticas que capitaneiam o processo. E é muito fácil comover a opinião pública em favor dessas teses. Eles acenam com um investimento futuro e tudo mais. Ninguém se preocupa com os prejuízos que podem advir, só se olha para o futuro positivo, mas no final das contas é a organização espacial do conjunto do País que fica cada vez mais distorcido. Então, você perde eficiência, do ponto de vista da organização territorial, e não cria autonomias. Além disso, dificulta uma maior igualdade social, porque sempre há os que já são detentores do poder econômico. E estamos falando bem claramente dos latifundiários, os grandes proprietários de terra, serão eles os grandes beneficiários.
- Quando se fala em divisão promissora, sempre se recorre ao exemplo de Tocantins. As criações dos Estados de Carajás e Tapajós podem ser comparadas a esse exemplo?
Eu considero que a criação de Tocantins foi um grave problema para a organização federativa do país e aumentou o desequilíbrio regional. Essa é a conclusão que tenho. A tal ponto isso é verdadeiro que a própria divisão regional do IBGE ficou caduca e hoje já se fala numa revisão dessa divisão para se ajustar a nova realidade. O Tocantins é apresentado como um grande êxito, mas não há um novo Estado que também não se considere exitoso, a partir do momento em que se tornou uma nova unidade federativa. Seria surpreendente se fosse o contrário. O problema está na falta de perspectiva nacional, porque você tem uma nova unidade, mas você tem que pensar no conjunto do País. O que ela representa em termos do conjunto do País. Nunca se pensa nesses termos, sempre são termos muito locais.
- Apesar de estarem juntos na tentativa de se separar do Pará, os defensores do Carajás e do Tapajós têm argumentos distintos. Os investimentos na região do Carajás levantam o discurso de que, sozinha, a área pode avançar mais. Já do lado do Tapajós, o isolamento devido à distância é a principal questão reclamada. Como o senhor analisa esses dois cenários?
O pessoal do Tapajós está querendo imitar o de Carajás. Ali, a base do desenvolvimento futuro também será a mineração. Essa parte do Estado também é uma província mineral tão importante quanto a do Carajás, mas como está mais interiorizada na floresta, a frente pioneira alcançou primeiro a região de Carajás. O que nós temos em Carajás? Uma imigração intensa, a criação de elites inteiramente novas e desvinculadas do Estado. Foi a Vale que levou as elites dirigentes que hoje reivindicam a autonomia dessa área para ser um novo Estado. Portanto, tudo, no final das contas, está baseado na riqueza mineralógica do Carajás. E o Tapajós imita o que aconteceu em Carajás. Ora, mas e o Estado do Pará como um todo? Ninguém está se perguntando qual tem sido o resultado para o Estado do Pará, que sempre foi o Estado líder da Amazônia. O Pará, Belém está sendo muito prejudicada. Exatamente a área mais promissora de toda a região amazônica acaba sendo a mais prejudicada. E se esses novos atores, que não têm nenhuma relação com a história, com a vida social e cultural do Estado do Pará, mostram que não se sentem parte do Pará. Então, é até compreensível que eles reivindiquem esse desligamento. No caso do Tapajós, isso diz respeito ao fato da distância e das dificuldades de comunicação entre Santarém e Belém. Esse sempre foi o motivo para se alegar a necessidade de criação de um novo Estado. Eu pergunto: estradas não resolveriam o problema? Em vez de gastar dinheiro com infraestrutura, que seria um resultado positivo para a população, para os empreendimentos, para os investimentos, você cria máquinas públicas. Poxa, a atividade meio está substituindo atividade-fim. Gasta-se muito dinheiro com as atividades meios, como burocracia, Judiciário, Legislativo etc. Mas investimento em infraestrutura não tem. Estamos multiplicando uma classe política parasitária, essa é a conclusão.
- O senhor disse que o Pará dividido perde a sua força. Qual será o peso do Estado-mãe e desses novos Estados no contexto nacional?
Seriam três Estados iguais ao Amapá, mais ou menos. Seriam fracos do ponto de vista político, dependentes do ponto de vista econômico e dominados por pequenas elites locais. Acho que esse modelo é o que a maior parte de toda a sociedade brasileira aspira. Afora que, justamente, o patrimônio histórico social e político concentrado em séculos de colonização que teve em Belém o seu centro difusor, é exatamente ali que a situação fica pior. Chega a ser engraçado. Quer dizer, você está vendo o lado do benefício de uma população bem pequena, rarefeita, em uma certa área e não está levando em conta os prejuízos que isso pode acarretar para a grande população concentrada na Região Metropolitana de Belém.
- O Estado remanescente é o mais prejudicado?
Sem dúvida. Isso já aconteceu com o caso de Goiás e do Mato Grosso também. Sempre alguém sai perdendo muito. No caso do Mato Grosso, quem perdeu foi o Mato Grosso do Sul. Na criação do Tocantins, quem perdeu foi o Goiás. Fora que, se você prejudica uma capital que, além de estadual é regional, como é o caso de Belém, você piora ainda mais as coisas, porque a Amazônia vai se tornando cada vez mais distante do resto do País. No final das contas, a perspectiva é não integração nacional, porque esses atores que reivindicam a criação dos novos Estados querem, na verdade, pegar dinheiro da União para viabilizar exportações de minérios para o mundo externo. Sem beneficiamento dos minerais, porque sai bruto. É óbvio que os atores têm todo interesse nisso, porque vão ganhar muito dinheiro nisso. Mas para o conjunto da região e para o conjunto do País não tem nenhuma vantagem.
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Abaixo o leitor confere o contraponto do deputado estadual Parsifal Pontes, líder do PMDB na Assembléia Legislativa do Pará.
Desconstruindo o doutor Martin
Arrepia os cabelos a leitura da entrevista, publicada em “O Liberal”, neste domingo, concedida pelo doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo, André Roberto Martin.
O objeto da entrevista é apresentar o prejuízo que seria a divisão do Pará em três estados.
O pensamento de Martin, contrário à divisão, tem fundamentos tão capciosos que chegam às raias do proselitismo ariano.
Martin acusa o pacto federativo getuliano (compensação de representatividade política a quem tem menor poder econômico, que visava equilibrar a lógica proto colonialista do eixo norte-sul), como o grande beneficiado na operação.
Afasta a oportunidade da divisão do Pará, alegando, estoicamente, que o fato só aumentaria a representatividade do Norte, pobre, em detrimento do Sul, rico.
O seu pensamento de consolidação de conglomerados econômicos repete a cínica tese delfiniana de que é necessário concentrar riqueza para que ela vaze moedas em distribuição: nada mais anacrônico para um mundo em que o Consenso de Washington está cremado.
Para fundamentar a sua tese de que é preciso privilegiar o valor econômico, Martin comete uma inverdade geopolítica, ao dizer que “O modelo dos Estados Unidos é exemplar nesse ponto de vista, porque primeiro o território novo adquire uma certa densidade demográfica e econômica para depois ascender à condição de Estado membro da União”.
A formação territorial da federação norte americana não obedeceu a esta lógica: não se esperou colônia alguma ter consolidação econômica pois elas foram divididas do ponto de vista puramente estratégico territorial. Os demais estados seguiram o mesmo juízo e o último deles simplesmente foi adquirido com um cheque.
Notem o que o Doutor Martin diz em certo ponto: “Olha só, criou-se o Estado, a União é responsável pelos investimentos em educação, criam-se universidades federais nessas áreas. Será que Roraima e Amapá precisam de universidades? Será que está certo o governo federal fazer esse tipo de investimento? Não é um desperdício? Será que não seria mais vantajoso concentrar os investimentos em educação e universidades nas áreas mais densas da região, como Belém e Manaus?”
Ao ler isto eu levantei da poltrona, fiquei meio atordoado e fui olhar a paisagem para pensar: será que tudo o que eu aprendi sobre democratização e universalização do ensino está errado?
Eu sempre achei que a escola tem que sair dos seus muros e alcançar o estudante onde ele estiver. A República não pode medir esforços para colocar uma faculdade aonde exista gente a educar. Não é desperdício educar.
Se alguém que mora em Tucuruí, no Pará, não pode vir para Belém para cursar uma universidade, como um estudante de Roraima pode fazê-lo? Onde mora o doutor Martin, para achar que é possível vir de bicicleta de Macapá ao Campus do Guamá?
A entrevista então caminha para um anacoluto: Martin admite melhora nos índices gerais dos estados que se emanciparam, mas argumenta que é só porque eles se emanciparam...!?
Ato contínuo, como a querer corrigir o círculo, afirma que olhar somente a melhora do estado emancipado é descontextualizar a vista do país como um todo, e não ver o que ocorre a nível nacional.
Meu caro Doutor Martin, eu desconheço que o Rio Grande do Sul, ou o Piauí, tenham tido algum problema porque o Tocantins virou Estado.
Impressiona a pobreza conjuntural do doutorado de Martin, que o faz imaginar que, dividido o Pará, as duas unidades federativas originadas cortarão imediatamente o contato político econômico e financeiro com o originário, e Belém, como o maior centro da região, não mais receberá o fluxo cotidiano natural que já consolidou.
Ao contrário, a exemplo do que houve em outras divisões, o fluxo não só permanece como aumenta, pois com o aumento da circulação econômica do todo, o centro nervoso, que era a capital do estado, ganha valor agregado, passando a ser o ponto de convergência do aglomerado regional.
Daí pra frente a entrevista cai nos clichês: divisão é coisa das pequenas elites; o poder político destes novos estado será exercido pelas elites microrregionais e et caterva.
Termina a entrevista com falácias e má informação ao dizer que, nas divisões do Mato Grosso e Goiás, os estados originários saíram perdendo: não é verdade.
Ambos, desde a divisão, não perderam 1 centavo sequer de PIB e mantiveram o crescimento econômico médio que vinham obtendo, no caso de Goiás, com maior pujança.
Sinceramente, aos bizarros argumentos do doutor, chocam-me menos aqueles que se baseiam puramente no sentimento de que não devemos dividir porque somos a terra de ricas florestas fecundadas ao sol do Equador.
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