Eleições 2010: Serra ou Dilma? O que importa é a estabilização democrática
Estabilidade democrática
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
Na Folha
Se o governo Lula sair do discurso eleitoral para uma gestão mais austera das contas públicas, talvez seja concluído com bom saldo
A CONSTITUIÇÃO de 1988, hospedando adequado equilíbrio de poderes, tem-se revelado responsável pela estabilidade da democracia brasileira.
Permitiu ao país superar os impactos de um impeachment presidencial, de um processo de superinflação (não hiperinflação, pois a economia não se desorganizou, graças à correção monetária), dos escândalos dos anões do Congresso, do Orçamento, do mensalão - que levou 40 pessoas vinculadas ao governo Lula a serem processadas - e de outras crises, além de assegurar a alternância do poder, sem que se falasse em ruptura institucional.
Nesse período, o Brasil evoluiu ao ponto de sua voz começar a ser escutada no cenário internacional.
O presidente Sarney, embora tivesse fracassado no combate à inflação, com congelamentos mal planejados (desde Hamurabi os controles de preço não dão certo), permitiu, todavia, a convocação da Constituinte e a promulgação da Lei Suprema.
O presidente Collor -afastado por escândalo menor que o do mensalão- abriu a economia do país, do que se aproveitaram seus sucessores Itamar Franco e Fernando Henrique, que, por sua vez, eliminaram o processo inflacionário brasileiro com três regras simples, a saber: incineraram o deficit público, geraram reservas internacionais e levaram todos os índices inflacionários a desembocar num só, com o que, ao transformarem a moeda de conta (URV) em moeda de pagamento real, a inflação acabou.
Sem deficit e com reservas suficientes, atalharam a especulação em divisas estrangeiras, utilizando-se da importação como freio à escalada de preços.
Fernando Henrique administrou bem a economia, por tê-la controlado apesar da crise mundial e dos efeitos de Malásia, Rússia etc., de 1997 a 2002, entregando o país a Lula com os fundamentos da economia saneados e estáveis.
Lula, que foi dos maiores críticos ao Plano Real, seguiu rigorosamente as diretrizes de seu antecessor e colocou no Banco Central experiente operador de mercado, que tem mantido a estabilidade da moeda, adotando as metas de inflação de Fernando Henrique e rígida política monetária, em dosagem correta nos aumentos e diminuições das taxas de juros.
Por outro lado, Lula assumiu o poder com a economia mundial em crescimento e, aproveitando-se das conquistas de seus antecessores, fez o Brasil crescer, menos que os países emergentes de expressão, mas em razoável patamar.
O peso da máquina estatal, que inchou -ao contrário de Fernando Henrique, que a enxugara-, foi o breque que não permitiu que o Brasil crescesse como os outros países.
Por essa razão, quando a crise mundial estourou, o Brasil, que ainda não tinha entrado no grau de desenvolvimento das nações desenvolvidas e emergentes de expressão, acabou sofrendo menos do que aquelas que já estavam em outro nível.
Ao adotar políticas anticíclicas (redução de tributos indiretos), alargou o mercado interno para compensar a perda do mercado externo, não tendo a banca brasileira sido afetada por ter grande parte de seus ativos financeiros em títulos públicos. Neste ano, todavia, nuvens começam a aparecer no horizonte, como o retorno da inflação e a formação de um deficit nas contas externas de quase US$ 50 bilhões.
Acrescente-se que o peso da burocracia aumentou (R$ 183 bilhões serão destinados a pagar a mão de obra oficial, contra R$ 12 bilhões voltados para o Bolsa Família!).
O PAC 1 empacou e o PAC 2 é, em parte, reprodução do PAC 1, que não soube ser implementado por seus gestores, apesar de terem recursos.
Creio que, se o governo Lula sair do discurso eleitoral para uma gestão mais austera das contas públicas, talvez consiga concluir seu governo com bom saldo, sem inflação elevada. Se soltar, porém, as rédeas, por ser um ano eleitoral, seu sucessor, seja ele quem for, terá problemas.
Para, todavia, poder encerrar bem seu governo, terá que esquecer o PNDH-3 (terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos), segundo o qual o Brasil, nesses 20 anos, por conta de neoliberalismo, privatizações, agronegócio e flexibilização de direitos, não teria alcançado boa performance, devendo voltar a ser um Estado forte, com economia agrícola de sustentação familiar, sem flexibilização de direitos e com eventuais reestatizações.
O PNDH-3 pretende exatamente valorizar o que mais prejudicou o governo Lula, impedindo o país de crescer na mesma dimensão dos demais emergentes na época do boom econômico, ou seja, o peso de uma burocracia esclerosada e de um Estado mastodôntico e ineficiente.
De todo modo, graças ao estatuto supremo, o saldo da democracia pátria, em todos os governos, de Sarney a Lula, é inequivocamente positivo.
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS , 75, advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, é presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio.
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
Na Folha
Se o governo Lula sair do discurso eleitoral para uma gestão mais austera das contas públicas, talvez seja concluído com bom saldo
A CONSTITUIÇÃO de 1988, hospedando adequado equilíbrio de poderes, tem-se revelado responsável pela estabilidade da democracia brasileira.
Permitiu ao país superar os impactos de um impeachment presidencial, de um processo de superinflação (não hiperinflação, pois a economia não se desorganizou, graças à correção monetária), dos escândalos dos anões do Congresso, do Orçamento, do mensalão - que levou 40 pessoas vinculadas ao governo Lula a serem processadas - e de outras crises, além de assegurar a alternância do poder, sem que se falasse em ruptura institucional.
Nesse período, o Brasil evoluiu ao ponto de sua voz começar a ser escutada no cenário internacional.
O presidente Sarney, embora tivesse fracassado no combate à inflação, com congelamentos mal planejados (desde Hamurabi os controles de preço não dão certo), permitiu, todavia, a convocação da Constituinte e a promulgação da Lei Suprema.
O presidente Collor -afastado por escândalo menor que o do mensalão- abriu a economia do país, do que se aproveitaram seus sucessores Itamar Franco e Fernando Henrique, que, por sua vez, eliminaram o processo inflacionário brasileiro com três regras simples, a saber: incineraram o deficit público, geraram reservas internacionais e levaram todos os índices inflacionários a desembocar num só, com o que, ao transformarem a moeda de conta (URV) em moeda de pagamento real, a inflação acabou.
Sem deficit e com reservas suficientes, atalharam a especulação em divisas estrangeiras, utilizando-se da importação como freio à escalada de preços.
Fernando Henrique administrou bem a economia, por tê-la controlado apesar da crise mundial e dos efeitos de Malásia, Rússia etc., de 1997 a 2002, entregando o país a Lula com os fundamentos da economia saneados e estáveis.
Lula, que foi dos maiores críticos ao Plano Real, seguiu rigorosamente as diretrizes de seu antecessor e colocou no Banco Central experiente operador de mercado, que tem mantido a estabilidade da moeda, adotando as metas de inflação de Fernando Henrique e rígida política monetária, em dosagem correta nos aumentos e diminuições das taxas de juros.
Por outro lado, Lula assumiu o poder com a economia mundial em crescimento e, aproveitando-se das conquistas de seus antecessores, fez o Brasil crescer, menos que os países emergentes de expressão, mas em razoável patamar.
O peso da máquina estatal, que inchou -ao contrário de Fernando Henrique, que a enxugara-, foi o breque que não permitiu que o Brasil crescesse como os outros países.
Por essa razão, quando a crise mundial estourou, o Brasil, que ainda não tinha entrado no grau de desenvolvimento das nações desenvolvidas e emergentes de expressão, acabou sofrendo menos do que aquelas que já estavam em outro nível.
Ao adotar políticas anticíclicas (redução de tributos indiretos), alargou o mercado interno para compensar a perda do mercado externo, não tendo a banca brasileira sido afetada por ter grande parte de seus ativos financeiros em títulos públicos. Neste ano, todavia, nuvens começam a aparecer no horizonte, como o retorno da inflação e a formação de um deficit nas contas externas de quase US$ 50 bilhões.
Acrescente-se que o peso da burocracia aumentou (R$ 183 bilhões serão destinados a pagar a mão de obra oficial, contra R$ 12 bilhões voltados para o Bolsa Família!).
O PAC 1 empacou e o PAC 2 é, em parte, reprodução do PAC 1, que não soube ser implementado por seus gestores, apesar de terem recursos.
Creio que, se o governo Lula sair do discurso eleitoral para uma gestão mais austera das contas públicas, talvez consiga concluir seu governo com bom saldo, sem inflação elevada. Se soltar, porém, as rédeas, por ser um ano eleitoral, seu sucessor, seja ele quem for, terá problemas.
Para, todavia, poder encerrar bem seu governo, terá que esquecer o PNDH-3 (terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos), segundo o qual o Brasil, nesses 20 anos, por conta de neoliberalismo, privatizações, agronegócio e flexibilização de direitos, não teria alcançado boa performance, devendo voltar a ser um Estado forte, com economia agrícola de sustentação familiar, sem flexibilização de direitos e com eventuais reestatizações.
O PNDH-3 pretende exatamente valorizar o que mais prejudicou o governo Lula, impedindo o país de crescer na mesma dimensão dos demais emergentes na época do boom econômico, ou seja, o peso de uma burocracia esclerosada e de um Estado mastodôntico e ineficiente.
De todo modo, graças ao estatuto supremo, o saldo da democracia pátria, em todos os governos, de Sarney a Lula, é inequivocamente positivo.
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS , 75, advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, é presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio.
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