Interditada desde às 6 horas da manhã desta segunda-feira, 15, em quatro pontos distintos, na localidade conhecida como Casa de Tábua, entre Redenção e Santana do Araguaia, na saída de Redenção em direção à Rio Maria, na saída de Xinguara em direção à Marabá e na saída de Eldorado do Carajás em direção à Marabá, como último recurso de protesto pelo deplorável estado em que se encontram duas das mais importantes rodovias do Norte do país, surtiu como primeiro resultado um acordo mediado pelos sete deputados da Bancada do Pará na Câmara dos Deputados, representantes do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) enviados de Brasília e o Comando da Manifestação tendo a frente inúmeras entidades da sociedade civil.
Segundo o Blog do Edmar Brito, a interrupção das rodovias duraram 13 horas. No documento assinado pelo DNIT aceitando as exigências dos manifestantes pôs fim ao movimento que bloqueava as estradas. O órgão aceitou, por exemplo, o prazo de 30 dias dado pelos manifestantes para deixar a BR - 155 trafegável de Redenção à Marabá. Também aceitou construir as pontes da BR - 158 e reformar a que exite entre Casa de Tábua e Redenção, que foram doadas pelos Estados Unidos e eram utilizadas em frentes de guerra, ainda no 2º Governo de Jader Barbalho, de 1991 à 1994, portanto, há 19 anos.
Tais pontes foram dividas em duas e muito mal instaladas, ocasionando acidentes graves, inúmeros com vítimas fatais, com famílias inteiras sucumbindo em razão do descaso das autoridades. Os prejuízos financeiros aos motoristas e comerciantes são vultusos ao longo dessas duas décadas.
As comissões organizadoras de Xinguara, Redenção e Casa de Tábua analisaram o documento do DNIT e resolveram em comum acordo dá por encerrado o movimento. A Estrada foi reaberta às 19 horas desta segunda-feira.
Manifestantes selam acordo com DNIT e BR- 155 e 158 são desobstruídas no Sul do Pará
Acompanho fatos relevantes a partir de abordagem jornalística, isenta e independente
A quimera do Incra
Qual o tamanho do Brasil?
Se a pergunta for formulada ao Incra, desconfie. Provavelmente a resposta estará errada.
Duvida? Leia o artigo abaixo.
Caos fundiário
Autor(es): Xico Graziano
O Estado de S. Paulo - 02/04/2013
Excelente reportagem de Roldão Arruda, publicada no Estado tempos atrás, indica algo impossível no cadastro de terras do País: o somatório de área dos imóveis rurais ultrapassa em 600 mil quilômetros quadrados a própria superfície do território nacional. A falha é escandalosa e o assunto, antigo.
Dele tratei ao apresentar, em 1989, minha tese, intitulada A Verdade da Terra, de doutorado em Administração na FGV- SP. Nela mostrei, modestamente, haver um resíduo sujo nas estatísticas agrárias do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Em outubro de 1985, o governo liderado por José Sarney acabara de lançar o Plano Nacional de Reforma Agrária, estabelecendo uma meta de beneficiar, em 15 anos, um contingente de 7,1 milhões de famílias, das quais 1,4 milhão receberia seu pedaço de terra até 1989. A empreitada exigia ousadia total. Reconquistada a democracia, porém, tudo parecia ser possível.
O ponto de partida para o assentamento rural prometido residia no fabuloso estoque de terras dominado pelos latifúndios. Estimava-se no Incra que metade do território nacional, cerca de 410 milhões de hectares, estava ociosa. Terra de exploração que se transformaria em terra de trabalho, assim dizia o mais famoso slogan agrarista. Espetáculo da ilusão agrarista.
Deu, óbvio, tudo errado. Ao final do governo Sarney, desapropriados mesmo haviam sido apenas cerca de 8 milhões de hectares, distribuídos entre pouco mais de 50 mil famílias. Centenas de processos dependiam de trâmites burocráticos ou judiciais. Porém, ainda que todas as pendências fossem de pronto resolvidas, menos de 1% da meta de assentamentos teria sido atingida. Fracassara redondamente a reforma agrária da Nova República.
O fiasco foi creditado às forças conservadoras, comandadas pelos latifundiários. Participante ativo desse processo, como membro da equipe dirigente do Incra, em Brasília, não me convenci facilmente de tal argumento. Julguei que as objeções políticas haviam sido superestimadas na explicação do ocorrido. O buraco estava mais embaixo.
Minha tese, que virou livro (A Tragédia da Terra, 1991), mostrou serem equivocadas as estatísticas cadastrais do Incra. Inexistia, na verdade, aquele fantástico volume de terras a serem desapropriadas. Tratavam-se, isso sim, de enormes áreas que, embora oficialmente declaradas ao órgão oficial, raramente eram localizadas na realidade. Denominei tais imóveis de "latifúndios fantasmas": amedrontavam a sociedade, mas só valiam no papel.
Tudo indicava ser a grilagem de terras responsável pelos enganos. Áreas extensas eram registradas com documentação precária, para depois facilitar a sua venda. Noutros casos, antigas possessões haviam sido regularizadas, divididas, capitalizadas, mas permaneciam cadastradas como originalmente estavam. Não se limpava o cadastro original. Em meu trabalho acadêmico destaquei várias dessas áreas, com sua localização e seu tamanho.
Somente no Estado de São Paulo identifiquei 11 "latifúndios fantasmas", jamais encontrados nas vistorias in loco. O caos fundiário era certamente mais grave nas demais regiões do País, menos estabelecidas burocraticamente.
Essa é a razão por que ainda hoje, conforme descobriu o jornalista Roldão Arruda, em 1.354 municípios brasileiros as terras cadastradas no Incra superam sua área territorial. Ladário, em Mato Grosso do Sul, puxa a lista da incongruência fundiária: a soma de seus imóveis rurais ultrapassa dez vezes a superfície municipal. Nem mágica explica.
Minha conclusão, formulada há 25 anos, foi chocante: as estatísticas enganadoras do Incra permitiram fabricar uma ilusão - ainda persistente na sociedade - de que seria fácil fazer a reforma agrária, bastando "vontade política" para executá-la.
Quando publiquei minha tese de doutorado, que repercutiu em entrevista nas páginas amarelas da revista Veja, a esquerda dogmática expulsou-me de sua turma. Tecnicamente, os entendidos pouco discordavam de mim. Mas achavam que, inoportunamente, eu dera munição à famigerada "direita". Alguns me acusaram de capitular ante o latifúndio. Bobagem.
Eu simplesmente defendia, como até hoje o faço, a ideia de que a modernização capitalista da agricultura exigia uma reorientação nas ideias agrárias herdadas do passado colonialista, que cultivavam a utopia socialista. Nada de permanecer, como Dom Quixote, lutando contra quimeras. Cazuza cantava: "A tua piscina está cheia de ratos/ tuas ideias não correspondem aos fatos" (em O Tempo não Para).
Muito se fez, desde então, para aprimorar o sistema cadastral do Incra. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, medidas saneadoras - legislativas, jurídicas e administrativas - conseguiram deletar cerca de 90 milhões de hectares, comprovadamente grilados, especialmente no Norte. Mas nunca, verdadeiramente, o Incra enfrentou esse problema pra valer. Por motivos, lamentavelmente, ideológicos.
Trazer credibilidade ao cadastro fundiário do País pressupõe modernizar o Incra. Carcomido pela velha ideologia, aparelhado por grupelhos políticos, tornou-se palco de disputas entre grupelhos, afugentando o profissionalismo que o projetou. Tornou-se burocratizado, lento. Os agricultores que o digam: um simples registro dos limites geográficos da fazenda, referenciados por satélite, demora anos para ser concedido. Fora as notícias sobre propinas, que todos conhecem, mas receiam denunciar, temendo ser retaliados pelas mãos dos invasores de terras.
Chegou a hora da verdade para o Incra. A histórica instituição não se pode contentar com essa inoperância, caindo em descrédito por nem saber sequer quanto de terra o Brasil possui. Ou redescobre sua função, empurrando a modernidade no campo, ou fecha as portas.
Se a pergunta for formulada ao Incra, desconfie. Provavelmente a resposta estará errada.
Duvida? Leia o artigo abaixo.
Caos fundiário
Autor(es): Xico Graziano
O Estado de S. Paulo - 02/04/2013
Excelente reportagem de Roldão Arruda, publicada no Estado tempos atrás, indica algo impossível no cadastro de terras do País: o somatório de área dos imóveis rurais ultrapassa em 600 mil quilômetros quadrados a própria superfície do território nacional. A falha é escandalosa e o assunto, antigo.
Dele tratei ao apresentar, em 1989, minha tese, intitulada A Verdade da Terra, de doutorado em Administração na FGV- SP. Nela mostrei, modestamente, haver um resíduo sujo nas estatísticas agrárias do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Em outubro de 1985, o governo liderado por José Sarney acabara de lançar o Plano Nacional de Reforma Agrária, estabelecendo uma meta de beneficiar, em 15 anos, um contingente de 7,1 milhões de famílias, das quais 1,4 milhão receberia seu pedaço de terra até 1989. A empreitada exigia ousadia total. Reconquistada a democracia, porém, tudo parecia ser possível.
O ponto de partida para o assentamento rural prometido residia no fabuloso estoque de terras dominado pelos latifúndios. Estimava-se no Incra que metade do território nacional, cerca de 410 milhões de hectares, estava ociosa. Terra de exploração que se transformaria em terra de trabalho, assim dizia o mais famoso slogan agrarista. Espetáculo da ilusão agrarista.
Deu, óbvio, tudo errado. Ao final do governo Sarney, desapropriados mesmo haviam sido apenas cerca de 8 milhões de hectares, distribuídos entre pouco mais de 50 mil famílias. Centenas de processos dependiam de trâmites burocráticos ou judiciais. Porém, ainda que todas as pendências fossem de pronto resolvidas, menos de 1% da meta de assentamentos teria sido atingida. Fracassara redondamente a reforma agrária da Nova República.
O fiasco foi creditado às forças conservadoras, comandadas pelos latifundiários. Participante ativo desse processo, como membro da equipe dirigente do Incra, em Brasília, não me convenci facilmente de tal argumento. Julguei que as objeções políticas haviam sido superestimadas na explicação do ocorrido. O buraco estava mais embaixo.
Minha tese, que virou livro (A Tragédia da Terra, 1991), mostrou serem equivocadas as estatísticas cadastrais do Incra. Inexistia, na verdade, aquele fantástico volume de terras a serem desapropriadas. Tratavam-se, isso sim, de enormes áreas que, embora oficialmente declaradas ao órgão oficial, raramente eram localizadas na realidade. Denominei tais imóveis de "latifúndios fantasmas": amedrontavam a sociedade, mas só valiam no papel.
Tudo indicava ser a grilagem de terras responsável pelos enganos. Áreas extensas eram registradas com documentação precária, para depois facilitar a sua venda. Noutros casos, antigas possessões haviam sido regularizadas, divididas, capitalizadas, mas permaneciam cadastradas como originalmente estavam. Não se limpava o cadastro original. Em meu trabalho acadêmico destaquei várias dessas áreas, com sua localização e seu tamanho.
Somente no Estado de São Paulo identifiquei 11 "latifúndios fantasmas", jamais encontrados nas vistorias in loco. O caos fundiário era certamente mais grave nas demais regiões do País, menos estabelecidas burocraticamente.
Essa é a razão por que ainda hoje, conforme descobriu o jornalista Roldão Arruda, em 1.354 municípios brasileiros as terras cadastradas no Incra superam sua área territorial. Ladário, em Mato Grosso do Sul, puxa a lista da incongruência fundiária: a soma de seus imóveis rurais ultrapassa dez vezes a superfície municipal. Nem mágica explica.
Minha conclusão, formulada há 25 anos, foi chocante: as estatísticas enganadoras do Incra permitiram fabricar uma ilusão - ainda persistente na sociedade - de que seria fácil fazer a reforma agrária, bastando "vontade política" para executá-la.
Quando publiquei minha tese de doutorado, que repercutiu em entrevista nas páginas amarelas da revista Veja, a esquerda dogmática expulsou-me de sua turma. Tecnicamente, os entendidos pouco discordavam de mim. Mas achavam que, inoportunamente, eu dera munição à famigerada "direita". Alguns me acusaram de capitular ante o latifúndio. Bobagem.
Eu simplesmente defendia, como até hoje o faço, a ideia de que a modernização capitalista da agricultura exigia uma reorientação nas ideias agrárias herdadas do passado colonialista, que cultivavam a utopia socialista. Nada de permanecer, como Dom Quixote, lutando contra quimeras. Cazuza cantava: "A tua piscina está cheia de ratos/ tuas ideias não correspondem aos fatos" (em O Tempo não Para).
Muito se fez, desde então, para aprimorar o sistema cadastral do Incra. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, medidas saneadoras - legislativas, jurídicas e administrativas - conseguiram deletar cerca de 90 milhões de hectares, comprovadamente grilados, especialmente no Norte. Mas nunca, verdadeiramente, o Incra enfrentou esse problema pra valer. Por motivos, lamentavelmente, ideológicos.
Trazer credibilidade ao cadastro fundiário do País pressupõe modernizar o Incra. Carcomido pela velha ideologia, aparelhado por grupelhos políticos, tornou-se palco de disputas entre grupelhos, afugentando o profissionalismo que o projetou. Tornou-se burocratizado, lento. Os agricultores que o digam: um simples registro dos limites geográficos da fazenda, referenciados por satélite, demora anos para ser concedido. Fora as notícias sobre propinas, que todos conhecem, mas receiam denunciar, temendo ser retaliados pelas mãos dos invasores de terras.
Chegou a hora da verdade para o Incra. A histórica instituição não se pode contentar com essa inoperância, caindo em descrédito por nem saber sequer quanto de terra o Brasil possui. Ou redescobre sua função, empurrando a modernidade no campo, ou fecha as portas.
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