Essencial a baita reportagem investigativa de Lucas Figueiredo desvendando um segrêdo de proporções globais
O elo perdido da corrupção mundial
Lucas Figueiredo - Enviado especial
LAVAGEM DE DINHEIRO
Advogado e mecenas instalado no paraíso fiscal de Liechtenstein, Hebert Batliner é apontado como grande mentor da ciranda empresarial na qual traficantes, ditadores e políticos desonestos esquentam fortunas
Suíça e Liechtenstein — O que alguns dos piores ditadores, mais temidos traficantes internacionais de drogas e maiores corruptos de todos os tempos têm em comum com o deputado Paulo Maluf (PP-SP) e com o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira? Resposta: em algum momento de suas vidas, todos eles fizeram suspeitas transações financeiras com um dos maiores lavadores de dinheiro do planeta. Seu nome: Herbert Batliner, advogado de Liechtenstein, paraíso fiscal da Europa. A especialidade de Batliner é ajudar seus clientes a movimentar dinheiro pelo mundo sem deixar rastros. Ele já foi acusado de prestar serviços para gente do calibre de:
1) Pablo Escobar, o megatraficante colombiano, morto em 1993, que faturava anualmente US$ 30 bilhões com a venda de cocaína;
2) Mobuto Sese Seko, que por três décadas foi ditador do antigo Zaire (atual República Democrática do Congo), período no qual acumulou uma fortuna de US$ 5 bilhões;
3) Ferdinando Marcos, ex-presidente das Filipinas, conhecido como um dos homens mais corruptos do mundo;
4) Jorge Hugo Reyes-Torres, o maior traficante de drogas do Equador, que antes de ser preso enviava mensalmente 500 quilos de cocaína para a Espanha;
5) Família Real Saudita, que controla com mão de ferro o país responsável pela maior produção mundial de petróleo.
O que liga Paulo Maluf a Batliner é um endereço. Já com Ricardo Teixeira, a conexão se dá por intermédio de uma pessoa.
Paulo Maluf
Muita coisa já se falou das famosas contas bancárias de Paulo Maluf no exterior. Sabe-se que, na década de 1990, Maluf utilizou laranjas para movimentar pelo menos US$ 350 milhões em bancos europeus – principalmente na Suíça, na França e na Ilha de Jersey (Canal da Mancha). Sabe-se também que, por decisão da Justiça desses países, cerca de US$ 250 milhões estão congelados. O que não se sabia é que o ex-governador e ex-prefeito de São Paulo utilizou os serviços de Herbert Batliner para movimentar boa parte dessa fortuna.
Uma das contas de Maluf na Suíça, de onde partiram remessas milionárias para Jersey, tinha como titular a fundação White Gold (ouro branco). Conforme documentos em poder do Ministério Público, a fundação foi constituída por Maluf na cidade de Vaduz (capital do minúsculo principado de Liechtenstein), na rua Aeulestrasse número 74, caixa postal 86. Como constatou o Correio/Estado de Minas, no entanto, nesse endereço não funciona nenhuma fundação White Gold, mas sim a First Advisory Group, empresa que tem como sócio Herbert Batliner.
A First Advisory Group funciona como uma espécie de biombo para empresas fantasmas. Calcula-se que pelo menos 10 mil empresas de fachada utilizam o endereço comercial de Batliner.
A fundação White Gold é uma delas. Há outras, como a fundação Pérolas Negras, controlada por Flávio Maluf, filho do deputado.
Especialista em crime organizado, que durante duas décadas trabalhou como agente infiltrado em máfias da Europa e da América do Sul, o ex-comissário de polícia da Suíça Fausto Cattaneo analisou a coincidência de endereços das empresas de Batliner e das fundações abertas pela família Maluf. Com os resultados da pesquisa, Cattaneo afirmou que não há dúvidas de que existe uma conexão suspeita entre o advogado de Liechtenstein e o deputado brasileiro.
Ouvido pela reportagem, o Procurador-geral de Genebra, Daniel Zappelli, confirmou que, por ordem judicial, há dinheiro de Maluf congelado em bancos da Suíça. “Fizemos tudo o que pudemos no caso Maluf.” Segundo ele, é possível que os recursos sejam devolvidos aos cofres públicos brasileiros. “Mas primeiro o Brasil tem de provar que o dinheiro congelado na Suíça é produto de corrupção”, afirmou Zappelli.
O Correio/Estado de Minas perguntou à assessoria de Maluf se o deputado e seus familiares confirmavam serem responsáveis pelas fundações em Liechtenstein, e se foram beneficiados com a movimentação financeira dessas fundações. Perguntou também se o deputado tinha conhecimento das conexões de Herbert Batliner com traficantes, ditadores e corruptos.
A assessoria se limitou a responder que Maluf nunca teve contas bancárias no exterior.
Ricardo Teixeira
As ligações perigosas de Herbert Batliner no Brasil também se estendem a Ricardo Teixeira, presidente da CBF e principal articulador da escolha do Brasil como país-sede da Copa do Mundo de 2014.
Como ficou comprovado em 2001 na CPI da CBF/Nike, uma das empresas de Teixeira, a R.L.J. Participações, tomou emprestado de uma firma de Liechtenstein, a Sanud Etablissement, uma quantia equivalente à época a R$ 2,9 milhões. Antes de o empréstimo ser pago, porém, a Sanud Etablissement fechou. Integrantes da CPI chegaram a classificar a transação como lavagem de dinheiro, mas nada foi comprovado.
Porém, um dado suspeito passou ao largo da CPI: a Sanud Etablissement era uma costela de Herbert Batliner. Dois dos representantes da Sanud Etablissement — Alex Wiederkehr e Hans Gassner — eram sócios de Batliner na empresa Prokurations Anstalt.
Hans Gassner tem um passado complicado. No final dos anos 1990, ele se envolveu no escândalo do banco espanhol Banesto, no qual dirigentes da instituição desviaram de seus cofres cerca de 10 milhões de euros (o equivalente a R$ 27 milhões). A função de Gassner era movimentar o dinheiro e apagar sua origem. Em 2002, vários ex-dirigentes do banco foram condenados. Mario Conde, ex-presidente do Banesto, pegou 20 anos de prisão. Gassner, no entanto, conseguiu se safar.
Após analisar informações referentes a transações financeiras da empresa do presidente da CBF e da Sanud Etablissement, o ex-comissário suíço Fausto Cattaneo afirmou que, “assim como Paulo Maluf, Ricardo Teixeira tem conexões com Herbert Batliner”.
A assessoria de imprensa da CBF afirmou que Ricardo Teixeira não iria comentar o caso.
Fortunas
Com apenas 32 mil habitantes (número suficiente para encher apenas metade do estádio do Mineirão), o minúsculo principado de Liechtenstein — paraíso fiscal encravado entre a Suíça, Alemanha e Áustria — é um dos estados mais ricos do mundo. O produto de exportação de Liechtenstein são as empresas fantasmas (há duas para cada habitante) e as instituições financeiras. Nesse verdadeira lavanderia VIP, destaca-se o nome de Herbert Batliner.
Um gesto de generosidade de Batliner dá a dimensão de sua riqueza. Em 2006, ele e sua mulher, Rita Batliner, doaram ao Museu Albertina de Viena (Áustria) uma coleção de 500 quadros, avaliada em 400 milhões de euros (R$ 1 bilhão). Entre as obras, há preciosidades de Picasso, Monet, Renoir, Francis Bacon, Matisse, Cézanne, Modigliani e Miró.
No ano 2000, a imagem do advogado foi arranhada com o escândalo da movimentação financeira do Partido Democrático Cristão da Alemanha (CDU). Mas Batliner sempre negou.
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Revelado a face oculta do maior "lavador" de dinheiro do mundo
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