Modo de emprego (pág A2, 25/06)
Denis Lerrer Rosenfield, é professorNão se iluda. O suposto rompimento do MST com o governo Lula é mero jogo de cena. Se não fosse, o financiamento dessa organização política seria cortado, a lei relativa à não-desapropriação das terras invadidas seria cumprida e o Incra e a Funai seriam desaparelhados. Enquanto isso não ocorrer, trata-se apenas de desavenças internas, próprias de um casamento cujos cônjuges têm uma visão diferente no que diz respeito à radicalização do processo político. Nada que conduza a um divórcio.
Há um modo único de operação nas ações de MST, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Fundação Palmares e PT, coordenados com o Incra e a Funai. De um lado, temos os ditos "movimentos sociais", apoiados pelo PT, e, de outro, os órgãos do Estado, aparelhados pelo próprio PT e por esses mesmos "movimentos". Estabelece-se uma sincronia de atividades que responde a uma mesma agenda política. Sob esta ótica, o Incra e a Funai funcionariam, dentro do mesmo Estado, como respondendo a uma "causa", consistente em voltar-se contra a iniciativa privada, a economia de mercado e o Estado de Direito.
O Estado deu um exemplo de como opera esse esquema. Na página A10 de 10/6, foi anunciado que o congresso do MST, "o maior de sua história", teria como preocupação central "como o capital estrangeiro, por meio de associação com empresas brasileiras, está comprando terras no Brasil", no dizer de João Pedro Stédile. "Achávamos que isso era coisa do período colonial, mas a sanha deles é insaciável." O objetivo é claro: as empresas estrangeiras, tanto individualmente quanto em sociedade com empresas nacionais. Na página A11 foi dada a notícia de que o Incra "quer rever as leis que regulam a compra de terras por estrangeiros". Já estaria quase pronta uma "portaria" e seria constituído um grupo de trabalho com o intuito de analisar o assunto e apresentar uma proposta ao Congresso Nacional. Na verdade, os estudos estariam bem adiantados, com toda uma discussão jurídica envolvendo o conceito de empresa nacional. Observe-se:
A suposta coincidência entre ambas as iniciativas, em que um estudo do Incra, sobre o "capital estrangeiro" no agronegócio, aparece simultaneamente a um "encontro" do MST;
coincidências desse tipo ocorrem normalmente entre "estudos" e "portarias" do Incra (poderia ser a Funai) e ações dos movimentos ditos sociais;
o mesmo tema orienta tanto os "estudos" e a "portaria" quanto a ação do MST, prelúdio de novas invasões.
Esquema análogo opera em outros órgãos de Estado ou no mesmo em diferentes momentos. Já há "vazamentos" de que os "índices de produtividade" deverão ser revistos, conforme uma promessa feita por Lula. O presidente não estaria cumprindo a sua "promessa", de modo que novas invasões serão provavelmente feitas segundo os novos critérios. Anuncia-se, ao mesmo tempo, que o Incra já possui estudos que atualizam os índices de produtividade, estabelecendo regiões prioritárias para assentamentos. O mesmo ocorre com a Funai, onde os "estudos" antropológicos realizados são concomitantes às invasões e às propostas de "portarias". Os "índios" invadem as propriedades, com o apoio do Cimi e do MST, criando o problema, que é, então, apresentado à mídia como uma luta entre uma grande empresa, apenas preocupada com o seu "lucro", e os pobres injustiçados por uma exploração de 500 anos. Exemplos do mesmo tipo poderiam ser apresentados no que diz respeito aos quilombolas, à Fundação Palmares, ao Incra e às invasões.
Há um mesmo roteiro. Vejamos os seus passos:
O primeiro consiste na determinação do alvo a ser atingido, segundo uma decisão que envolve o PT, as pastorais da Igreja (CPT e Cimi), o MST, setores da CUT e órgãos do Estado (Incra e Funai);
o segundo consiste em que tal decisão só pode ser possível por envolver pessoas que defendem a mesma causa. Ocorre o aparelhamento do Estado pelo PT e por esses movimentos sociais, sem o que não poderia haver tal sincronia;
o terceiro se desdobra em dois: o do estudo, de um lado, e o das invasões e dos congressos, do outro, de tal maneira que esses dois lados da mesma moeda apareçam para a opinião pública como se fossem distintos;
o quarto reside em notícias que são plantadas ou vazadas para os jornais, segundo as quais há estudos em andamento que mostram a injustiça vigente numa determinada área tanto geográfica quanto social, racial, indígena ou de meio ambiente. Simultaneamente a essas notícias começam as invasões que comprovariam a veracidade dos estudos;
o quinto é o da apresentação da "questão social" assim criada, que captura adesões na opinião pública, de modo que se crie uma legitimidade tanto para a publicação da "portaria", que regulariza tal problema em nome da justiça social, quanto para as invasões;
o sexto se traduz pelo começo de três relativizações da propriedade privada: as funções social, racial e indígena. A propriedade privada é, então, relativizada em razão dos problemas sociais, raciais e indígenas do campo e das cidades. O seu resultado reside nos processos de desapropriações, dependendo do caso, com ou sem indenizações;
o sétimo é o do comparecimento do Estado como instância capaz de equacionar os problemas sociais, cumprindo, assim, sua finalidade distributiva. Intervém o imaginário do resgate de uma "dívida histórica", o que tende a ser bem aceito pela população, já capturada por essas idéias;
o oitavo consiste no fortalecimento dos movimentos ditos sociais, que ganham para si uma parte desse financiamento, continuando com suas atividades. Cabe salientar que essas organizações políticas se legitimam para novas invasões e novos financiamentos, fortalecendo-se, enquanto organizações, num círculo vicioso que se repete indefinidamente.
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Já no Fórum dos Leitores (Estadão, A3, 25/06), o Sr. Igor Santos, assessor de imprensa do MST, esclarece reportagem sobre desmatamentos. Eu, como contribuinte, gostaria que o assessor esclarecesse como pode um movimento, que não existe como pessoa jurídica, ter assessoria de imprensa, coordenadores regionais, diretoria, ser subsidiado com dinheiro público e não prestar conta alguma à sociedade, bem como funcionam os infindáveis assentamentos que não são auto-sustentáveis. Alguém pode me responder?
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