Indispensável
Liberdade de expressão |
Contracorrente :: Luiz Gonzaga Belluzo |
Carta Capital num. 0447 |
6/6/2007 |
Os titulares do direito à informação são os cidadãos, e não as empresas de comunicação Estão na ordem do dia as relações entre o Estado, a mídia e a opinião pública. O escândalo da hora é a decisão do presidente Hugo Chávez de não renovar a concessão do canal de televisão venezuelano RCTV, comprometido até a raiz dos cabelos com o golpe de Estado de 2002. A imprensa brasileira, ao tratar do episódio, caminha cautelosa, na ponta dos pés, quando se aproxima do compartimento de malfeitorias onde estão armazenados os despojos da tentativa golpista malsucedida. Este, diga-se, não é o primeiro episódio, na América Latina, de envolvimento dos senhores da grande mídia com movimentos civis e militares dispostos a violar a legalidade e coartar a liberdade de opinião dos adversários políticos. Ouço sempre com muita atenção e respeito os argumentos dos que combatem ardorosa e bravamente na defesa do direito à livre informação. Gente que, como eu, rejeitaria vigorosamente a decisão do presidente Chávez e os descaminhos sinalizados por ela, sem comprar pelo valor de face os protestos dos golpistas midiáticos venezuelanos. Mas gostaria de arriscar duas modestas observações. A primeira tem as virtudes e os defeitos do óbvio: os titulares do direito à informação e à livre manifestação do pensamento são os cidadãos em geral e não as empresas de comunicação e seus proprietários. Pode-se até dizer que, nos regimes republicanos, há uma delegação tácita do público a alguns cidadãos ou empresas para que prestem o serviço da informação. Para tanto, os que recebem a delegação devem respeitar certas normas de comportamento, todas elas, suponho, sobejamente conhecidas. A segunda observação diz respeito às relações entre democracia e informação. Acompanho, neste ponto, o americano Cristopher Lasch: “A democracia requer um debate público vigoroso, não apenas informação. É óbvio que a informação é importante, mas o tipo de informação exigido na democracia só pode ser gerado pelo debate. Não sabemos o que precisamos saber até que possamos formular as questões corretas e só podemos saber quais são as questões corretas se submetermos nossas próprias idéias sobre o mundo ao teste da controvérsia pública”. A questão da liberdade de informação e de opinião tornou-se ainda mais crucial para a democracia moderna na medida em que os meios de divulgação e de formação de opinião vêm se concentrando, de forma brutal, no mundo inteiro, nas mãos dos negócios e da alta finança, como denunciou, em tom de alarme, o filósofo Jürgen Habermas, em artigo recente. No caso dos mídias, dada a peculiaridade da mercadoria colocada à venda, o objetivo natural e legítimo de ganhar dinheiro formou uma unidade inseparável e ameaçadora com o desejo de ampliar a influência e o poder sobre a sociedade e sobre a política. Esses grupos de comunicação colocam em risco a condição de instrumentos legítimos de circulação de informações, do exercício da crítica e de estímulo à controvérsia. A não aceitação intransigente, por parte dos meios de comunicação, do debate em torno de questão tão importante para o aperfeiçoamento da democracia pode ser interpretada como pretensão do exercício do controle social e político sobre a opinião e os direitos dos cidadãos. Numa sociedade encantada pela “inversão” de significados e pelo ilusionismo da liberdade de escolha, a construção da notícia, a censura da opinião alheia e a intimidação sistemática podem “aparecer” por algum tempo aos olhos do público como afirmação do direito de opinar, de informar e defender a comunidade. Mas é improvável que os valores mais caros ao projeto da Modernidade, as liberdades de expressão e de opinião, tenham se transformado em instrumentos destinados a conter e cercear o avanço da autonomia crítica e da liberdade dos indivíduos. Neste início de século XXI, as sociedades modernas procuram avançar em relação às conquistas dos liberais. O problema não é mais, apenas, do direito e da liberdade de quem exerce de fato o direito de informar ou opinar. Há que abandonar as ilusões funestas dos regimes totalitários. É preciso deixar as pretensões de impor aos cidadãos um sistema unânime de valores, de sufocar toda a espontaneidade da vida e de proporcionar o falso conforto das certezas incontestáveis. Parece imperioso reconstruir os fundamentos da ordem social com a argamassa da igualdade, da liberdade, do respeito à pessoa e da proteção à espontaneidade do mundo e da vida. A democracia que dizemos prezar e defender só poderá avançar se for militante e esclarecida. Não há liberdade sem esclarecimento. Muitos ainda não compreenderam que o liberalismo é insuperável em sua crença de que a unidade pacífica da sociedade moderna não será alcançada sem o respeito e estímulo à experimentação livre. Mas outros ainda não aceitaram que a democracia moderna só sobreviverá se tiver a audácia de conciliar aqueles valores com o combate à desigualdade e ao particularismo destrutivo dos poderes não eleitos, hoje empenhados na espetacularização da política e na degradação do debate público. |
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