Resta uma esperança à Ciência

Divulgação STF
Uma leitura com atenção revela que nem tudo está perdido na Suprema Corte do Brasil. Colegiado que passa por momentos de inadiáveis questionamentos, inclusive do presidente da República.

O relatório do ministro Carlos Ayres Britto, defendendo o prosseguimento das pesquisas com células-tronco embrionárias em julgamento de decisão sobre a constitucionalidade de ação indireta patrocinada pelo então ex-Procurador do Ministério Público Federal Claudio Fonteles (carola convicto), despertou no meio jurídico e naqueles que fazem pesquisas avançadas sobre o assunto, ideólogos religiosos, antropólogos, sociólogos, médicos e por ai vai... de impacto poderoso sobre os necessários avanços que a sociedade brasileira precisa encarar com naturalidade.

Temas relevantes e controversos como a eutanásia, aborto, união estável entre homoafetivos devem entrar no exame da Corte.

Mas o que chama a atenção como um fenômeno que não pode passar despercebido pelo conjunto da sociedade brasileira é a busca da solução de seus problemas num ambiente democrático, relevado pela decisão oposta de opinião, sob a justificativa de maior tempo para juízo de valor, do colega paraense de Carlos Britto, seu chará Carlos Alberto Menezes Direito, que para não dar muita bandeira sobre suas comvicções fundamentalistas católicas agiu desta forma.

Britto um alagoano de 65 anos, casado e pai de três filhos, é forte candidato, desde já, como o "caçador do obscurantismo" residente num Estado regido por lobbys secretos e interesses escusos.

Entrevista - Carlos Ayres Britto - Em defesa da luz
Leonel Rocha e Ana Maria Campos - Da equipe do Correio

células-tronco esperança

Depois do relatório pró-pesquisas com células-tronco embrionárias, ministro do STF se prepara para analisar a ação que questiona a união civil entre homossexuais. Vem aí mais um libelo antiobscurantista

Aos 65 anos, casado, pai de três filhos, o ministro Carlos Ayres Britto é considerado o mais liberal dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Na quarta-feira da semana passada, ele começou o debate que vai definir se os embriões congelados em clínicas de fertilização são seres protegidos por lei e se suas células-tronco poderão ser utilizadas em experiências genéticas e tratamentos médicos, como prevê a Lei de Biossegurança. Relator do caso, ele votou pela constitucionalidade do texto. Foi acompanhado pela presidente da Corte, ministra Ellen Gracie, e pelo colega Celso de Mello, que anteciparam suas opiniões. A votação foi suspensa depois que o ministro Carlos Alberto Direito pediu vista do processo. O assunto voltará a ser debatido (e definido ) nas próximas semanas. Católico com parentes padres, Britto procura ser holístico quando o assunto é religião. Dá a mesma importância a Cristo e a Buda, por exemplo.

Para expressar seu voto, concluiu que a ciência tem que estar a serviço da saúde humana e não ficar limitada a dogmas religiosos. Em meio a uma das maiores polêmicas enfrentadas pelo tribunal, o sergipano Ayres Britto, com seis livros de poesia editados e um sétimo no prelo, recorreu ao poeta alemão (Johann Wolfgang von ) Goethe — que morreu pedindo mais luz no pensamento humano — para justificar suas opiniões. “Chegou a hora da luz no debate sobre o papel da ciência moderna. Chega de trevas”, argumenta. Sem toga e se preparando para ir ao show do cantor Djavan com a família, ele recebeu o Correio em casa, na manhã de ontem, e manteve acesa a polêmica sobre o assunto.

Por que este debate sobre a Lei de Biossegurança está carregado de disputas ideológicas, religiosas e filosóficas, além dos aspectos apenas jurídicos?
No meu voto, chamei a atenção para a relevância ética, religiosa e filosófica, além de jurídica, dessa causa. É uma matéria sensível nos três campos. As diversas confissões religiosas têm o direito de participar desse debate, porque a sociedade é plural. O que não se pode é impor um ponto de vista a ponto de obstar legítimas políticas públicas e estatais. O debate é a sadia convivência dos contrários. Essa decisão do Supremo já nasce com legitimidade pelo envolvimento da sociedade neste debate. Pluralismo é o nome que a democracia toma quando vista do ângulo da convivência dos contrários. No mundo inteiro, o próprio catolicismo se divide quanto a esses tabus. Onde se encontra um bloco monolítico, fechado, contra o aproveitamento terapêutico-científico das células-tronco embrionárias, existe um fenômeno de cúpula, de dirigentes da igreja que fecharam questão. Não os católicos em geral. Isso também quanto ao aborto e à eutanásia.

Como o senhor, que tem formação católica, se livrou da polêmica religiosa em torno da Lei de Biossegurança?
Transito por estes expoentes da espiritualidade sem fechar com nenhum em particular. Rendo homenagens a São Francisco de Assis, um homem depurado, por exemplo, mas me deparo com Buda e encontro um líder espiritual portentoso. E não vou minimizar o papel de Buda perante Cristo. Os dois foram gigantescos. Além disso, uma coisa é Cristo. Outra é uma organização em torno dele. Uma coisa é Buda. Outra são as organizações em torno dele. Prefiro ver Cristo e Buda diretamente, sem as igrejas que se estruturaram historicamente e que cultuam suas mensagens.

O STF tem pela frente temas tão polêmicos quanto este, a exemplo do aborto para casos de anencefalia e união civil homossexual, eutanásia e até o próprio aborto. A polêmica vai se repetir?
Certos temas tidos pela sociedade como tabus são evitados porque não podem ser vistos de frente como o sol a pino. Mas uma sociedade democrática evolui no sentido de trazer tudo a lume. Não pode haver tabus temáticos em uma democracia consolidada. Este julgamento faz parte de um processo de evolução democrática que estamos maravilhosamente vivendo. Eu recebi para relatar o processo que trata da lei que regula as relações homoafetivas. Um dia, o Supremo iria se debruçar sobre esse tema. Não se pode mais escamotear nada. Essa aurora institucional que dizem estar vivendo o Supremo é conseqüência do processo democrático. Quando se tem liberdade de expressão, os tabus acabam. Isto é bom, é o antiobscurantismo. O direito brasileiro está do lado dos que sofrem e não do sofrimento.

O senhor acha que no Brasil há excesso de leis conservadoras que reforçam os tabus?
Este fenômeno existe, mas não o endosso da Constituição. Pelo contrário. Isto ocorreu porque a Assembléia Nacional Constituinte produziu um documento que é melhor do que a própria assembléia que o elaborou. A obra é melhor do que seu autor. Há no Brasil um descompasso normativo entre o direito comum e o direito constitucional. A Constituição é mais avançada do que o direito ordinário. O que nos cabe como ministros do Supremo é dar um banho de Constituição no direito ordinário para que ele se atualize e corresponda ao sentido de liberdade das nossas vidas.

Por que há este descompasso entre a Constituição, o conjunto de leis ordinárias e a vida real no Brasil?
Isto ocorre porque a Constituição está muito mais próxima da vida real do que o direito ordinário. A crítica de que a Carta Magna seja muito extensa e com artigos desnecessários é descabida. O texto deve ser celebrado como um documento enxuto e contemporâneo, no sentido da atualidade e valores que consagra. Tanto que as cláusulas pétreas, tão injustamente criticadas, significam uma proibição de retrocesso. Nós avançamos tanto na Assembléia Constituinte que foi preciso garantir esse avanço e impedir o retrocesso. Eu estou convicto de que a Constituição tem que ser vista com um novo olhar, de reverência e gratidão. O que está faltando é um novo olhar sobre o direito brasileiro, na perspectiva dos maravilhosos valores que as Constituição consagrou. Vou dizer dois: plenitude democrática e liberdade de expressão.

O STF está afinado com o pensamento da sociedade?
Deve estar, sim. O doutor Dráuzio Varella, que é um incontestável cientista respeitado, disse que a medicina celular vai cumprir no século 21 a mesma revolução que o antibiótico tempos atrás. Isto é uma visão de homem contemporâneo. O Victor Hugo (escritor francês do século 19) disse que “nada é tão irresistível quanto uma idéia cujo tempo chegou”. E chegou o tempo da medicina celular. Goethe morreu pedindo luz, mais luz. Claro que ele estava falando de luz não pensando no sol tropicalista, caribenho ou nordestino, e sim na luz da consciência. E nós vamos querer mais trevas, mais trevas e ainda mais trevas agora? Chega de trevas.

O senhor procurou exaltar o papel da mulher neste debate?
Noto que subjacente às teses religiosas e científicas de que o protagonista central do processo de hominização é o útero, está a exaltação da mulher. Distingo, no meu voto, a gravidez da maternidade. E digo que na barriga de aluguel, com certeza, há uma gravidez, mas é de se supor que não haja maternidade. Na maternidade consentida, querida, há um aporte de bem querer que cumpre um papel criativo, que vai plasmar a personalidade de uma futura pessoa.

É de se supor, então, que na sua opinião é legitimo e legal uma mulher grávida que não quer ser mãe interromper a gestação?
Eu não quis, por enquanto, antecipar o debate sobre o aborto. Porque não estava em causa e, depois, quando se abre o leque de controvérsia, perde-se o foco e o poder de convencimento enfraquece. O foco da questão é: os embriões produzidos in vitro, quando destinados à pesquisa científica e à terapia humana, sofrem uma violência tal que corresponde a um aborto? Eu respondi que não. Tenho dito que, para mim, a vida humana, já adornada do fenômeno da personalidade, é um fenômeno que transcorre entre o nascimento com vida e a morte cerebral. A vida civil, no conceito de pessoa. Para convencer, tive que fazer as distinção entre embrião, feto e pessoa. Se isso sugere uma antecipação do debate sobre o aborto, não foi a minha intenção.

Há críticos que apontam vários defeitos na Lei de Biossegurança.
Isto é fugir do foco do debate. O que devemos fazer é saber se o conjunto normativo da lei, que é o artigo 5º, é compatível ou não com a Constituição. Procurar outros defeitos ou virtudes na lei não está em causa. Na parte que estamos analisando, a lei é adequada, ponderada e necessária. Não analisei a lei como um todo porque o artigo sozinho já é um mundo. É quase uma nanojurisprudência e exige uma nanodecisão.

Quando se tem liberdade de expressão, os tabus acabam. Isto é bom, é o antiobscurantismo.

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