O lobby rural no Congresso dos Estados Unidos
Por Roberto Rodrigues
O projeto da nova Farm Bill americana vem com novidades nada novas: mais protecionismo, e desta vez com endereço certo - o etanol brasileiro. Se aprovada, vai deixar ainda mais longe a possibilidade de exportarmos nosso bom biocombustível para os Estados Unidos.
É realmente impressionante a capacidade que têm os produtores americanos de fazer lobby sobre seu Congresso. E invejável! Os Estados Unidos compram petróleo no mundo todo e etanol de outros países, sem tarifa. Mas impõem tarifa ao etanol brasileiro, para proteger um poderoso e bem organizado grupo de produtores de milho do Corn Belt. Nem que isto prejudique a totalidade dos consumidores, não importa. Admirável lobby, eficiente, rigoroso, presente.
Por que será que no Brasil, cuja economia rural é muito mais importante frente ao PIB nacional que a americana, não conseguimos semelhante articulação? Nos Estados Unidos, apenas 2% da população está no campo, aqui são 17%. E o poder deles é muito maior que o nosso. Por quê?
Em nosso Parlamento já temos uma bancada agrícola bastante expressiva, seja em termos quantitativos, seja na qualidade. Cerca de duas dúzias de aguerridos deputados das mais diversas legendas se juntaram a meia dúzia de vigorosos senadores para defender com firmeza e dedicação os legítimos interesses do setor. No entanto, nem sempre conseguem impor seus pontos de vista à maioria do Congresso, embora seja evidente que o agronegócio bem arrumado é o motor da economia nacional. Ele já vale 23% do PIB, gera 37% dos empregos e mais de 100% do saldo comercial do País.
E, se contássemos com políticas públicas adequadas, o agronegócio brasileiro poderia estimular ainda mais os outros setores, fazendo-os crescer em termos competitivos. Tal fato ganha mais importância neste momento em que o desequilíbrio entre a oferta e a demanda de produtos agrícolas em termos mundiais encarece os preços dos alimentos; o restabelecimento do equilíbrio levará alguns anos, porque a demanda continua aquecida em função da melhor renda per capita nos países em desenvolvimento, de modo que há uma oportunidade formidável para nosso País aumentar sua produção e sua participação nos mercados globais.
Isto exige uma estratégia ampla, que vai desde a geração de tecnologia até a infra-estrutura e logística, passando por políticas consistentes de renda rural, mormente com o grau de investimento que acabamos de receber.
Com uma bancada ativa no Congresso, com um Ministério de Agricultura cheio de vontade de ir nesta direção, o que nos falta? Não podemos perder mais esta oportunidade de expansão, inclusive de biocombustíveis.
Talvez boa parte desta fragilidade resida na própria institucionalidade privada do setor.
Temos, basicamente, três tipos de associação na classe rural: os sindicatos, que pela Constituição são os representantes legais de qualquer setor, e que se organizam piramidalmente em federações estaduais e na poderosa Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA); as sociedades civis, que representam setores específicos ou regionais; e as cooperativas, que são o braço econômico da organização da sociedade - as cooperativas, por sua vez, se organizam também em nível nacional, com a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e entidades estaduais a ela afiliadas.
E a agricultura familiar se representa na forte Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), cujas federações estaduais de sindicatos de trabalhadores rurais nucleiam os pequenos produtores.
Portanto, CNA, Contag e OCB são bem estruturadas e recebem de seus associados contribuições definidas em lei.
Enquanto isso, as sociedades civis dependem da contribuição espontânea dos sócios, vivendo, a maior parte delas, em permanente dificuldade financeira. No entanto, há muitas delas com grande tradição e representatividade, embora sem poder de fogo em função da escassez de recursos financeiros.
Talvez seja o caso de voltar a um assunto recorrente: realizar um estudo visando a fusão de algumas destas principais entidades, de modo a criar uma nova instituição, somatória e rica, para agrupar os produtores rurais em sociedade civil onde se sintam bem representados. Embora as entidades hoje existentes sejam representativas, é claro que seu poder cresceria se fossem transformados numa única grande sociedade civil de âmbito nacional.
Talvez assim nossa capacidade de lobby crescesse, e poderíamos, como faz o Farm Bureau americano, atrair a simpatia e a parceria da sociedade urbana, ao mesmo tempo que nossos representantes no Parlamento ficariam mais confortáveis em sua dura missão.
E as boas políticas finalmente viriam.
kicker: Os EUA compram etanol de outros países, mas o que vem do Brasil paga tarifa
Roberto Rodrigues* - Coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior de Agronegócio da Fiesp e professor de Economia Rural da Unesp/Jaboticabal.
O lobby sem disfarce norte americano
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