Artigo – É possível 'salvar' a Amazônia?

Por José Goldemberg

Há 10 mil anos as florestas cobriam uma área de quase 50 milhões de quilômetros quadrados da superfície da Terra, seis vezes maior do que todo o Brasil. Com o avanço da civilização, cerca de 10 milhões desses quilômetros quadrados foram derrubados e transformados em áreas dedicadas à agricultura, principalmente na Europa, na América do Norte, bem como em áreas com florestas de clima temperado ou boreal.

Nessas regiões o desmatamento cessou há mais de cem anos e muitas áreas foram reflorestadas, como, aliás, é o caso da Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, que fora substituída, na primeira metade do século 19, por plantações de café, sendo a madeira utilizada para lenha e carvão.

O que está ocorrendo hoje é a derrubada de florestas tropicais - que até meados do século 20 tinha sido pequena -, principalmente na Indonésia, no Brasil, na Malásia, na Tailândia e em países da África. Cerca de 100 mil quilômetros quadrados por ano dessas florestas estão sendo transformados em áreas dedicadas à agricultura ou a pastagens, quase 20% dos quais no Brasil, principalmente na Amazônia.

A expansão da fronteira agrícola nas florestas tropicais não está ocorrendo por acaso, mas é o resultado de forças econômicas consideráveis, que tentam responder à demanda crescente por alimentos no mundo e ao comércio ilegal de madeiras nobres.

As conseqüências negativas do desmatamento da Amazônia em grande escala são muito mais bem conhecidas hoje do que no passado, e já se sabe que ele mudará para pior o clima de todo o País.

Apesar disso, ele continua a ocorrer, por uma simples razão: as conseqüências do desmatamento só se fazem sentir a médio e longo prazos, mas os benefícios (para os que desmatam) são imediatos, tais como a venda da madeira e a conversão da terra (barata) em pastagens e em plantações de soja. É por isso que governadores e prefeitos da região amazônica em geral são favoráveis ao desmatamento, respondendo aos anseios da população que lá vive e levando em conta os seus interesses políticos de eleição e reeleição a cada quatro anos.

Por essa razão, não é realista pensar que a floresta amazônica será preservada intacta, como um imenso jardim botânico, porque já vivem lá 25 milhões de brasileiros. Cerca de 15% da floresta já foi derrubada, mas existem também inúmeros parques nacionais e áreas protegidas.

Fora dessas áreas deveria ser preservada, pelos seus proprietários, a “reserva legal” de 80%. Se este dispositivo fosse obedecido, ainda se poderia “salvar” a floresta não como uma área contígua, mas como um gigantesco mosaico.

Para que isso ocorra é preciso, antes de mais nada, regularizar a posse da terra e impedir a “grilagem”, sobretudo em terras públicas, ou seja, é preciso aumentar a presença do poder público na Amazônia, criando uma Polícia Ambiental que proteja os parques nacionais e puna severamente aqueles que não respeitam a “reserva legal” e desmatam a floresta.

Argumentar que isso não pode ser feito é falso e pode ser demonstrado pelo que está ocorrendo em Estados do sul do País, sobretudo em São Paulo, onde a Polícia Ambiental possui um efetivo superior a 2 mil homens. Os Estados da Amazônia deveriam ter também uma Polícia Ambiental e, se não tiverem recursos para tal, caberia ao governo federal assumir essa tarefa.

Uma outra idéia, que surgiu mais recentemente, é a de remunerar os proprietários de terras na Amazônia para conservar a floresta em pé, em lugar de cortá-la. Este método é aplicado há muitos anos nos Estados Unidos para manter sem uso uma reserva de cerca de 10% da área agricultável daquele país. Isso é feito para evitar que o excesso de produção de certos produtos leve a uma queda exagerada do seu valor no mercado.

Nos Estados Unidos, o governo paga cerca de US$ 100 por hectare aos proprietários. Aplicar esse sistema no Brasil exige, em primeiro lugar, que seja regularizada a questão da posse das terras. Em segundo, seria preciso definir de onde viriam os recursos, que poderiam ser enormes por causa da extensão do desmatamento.

A solução aventada até agora pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo Itamaraty é usar a filantropia internacional, o que nos parece uma proposição inviável. As doações filantrópicas teriam de ser feitas todos os anos e, dependendo do valor que se dê à floresta (e ao carbono nela armazenado), poderiam ser necessários bilhões de dólares por ano. A nosso ver, só um mecanismo de mercado, como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, mobilizaria esses recursos.

Além disso, o problema dessa proposta é que muitos proprietários poderiam preferir derrubar a floresta e usar a área desmatada para atividades econômicas mais rentáveis, plantar soja, por exemplo, como está, de fato, ocorrendo em muitos Estados, freqüentemente com créditos facilitados de bancos estatais.

Sem facilidades de crédito o desmatamento é reduzido, como ocorreu entre 1989 e 1992, nos governos Sarney e Collor. E, se o entusiasmo do governo federal em abrir estradas na Amazônia diminuir, as possibilidades de evitar a expansão do desmatamento vão reduzir-se mais ainda. Afinal de contas, a área devastada no Pará, em Mato Grosso e em alguns outros Estados já foi tão grande - cerca de 400 mil quilômetros quadrados - que a sua utilização tornaria desnecessários novos desmatamentos, se fossem dados incentivos para tal, uma vez que a recuperação do solo exige investimentos.

Mesmo com essas políticas, nunca teremos de volta uma floresta contígua e intocada como no passado, mas um mosaico com áreas prósperas e enormes áreas protegidas, garantindo um desenvolvimento sustentável da região.

José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo (Estadão)

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