A anistia que pacificou o Brasil

Artigo publicado no jornal O Liberal.

Jorge Arbage

Ainda permanece viva na memória do povo brasileiro o que fora idéia do ministro da Justiça, Tarso Genro, no sentido de promover uma audiência pública para definir responsabilidades civis e criminais dos agentes envolvidos em torturas durante o regime militar.

O pretexto, segundo o autor da idéia, tinha como base o fato de que a anistia sancionada no meado da década de 1970 não teria beneficiado os praticantes de torturas e, como tal, deveriam ser processados e julgados pelo Poder Judiciário.

É notório, senão absurdo o propósito de certos setores políticos do atual governo, tentando reabrir feridas cicatrizadas, com o espírito inoculado de ódio e revanchismo.

A partir da posse no Palácio do Planalto, o presidente João Figueiredo emitiu sinais visíveis do desejo de pacificar a Nação, como passo primacial para consolidar o processo de abertura democrática, já que o Ato Constitucional nº 5 havia sido extirpado do texto da Constituição de 1967, e Emenda nº 1, de 1969, sob a égide do governo do presidente Ernesto Geisel.

Na sequência dos acontecimentos e, dominado por alto sentimento patriótico e cristão, o presidente Figueiredo submeteu à deliberação do Congresso Nacional um projeto de anistia ampla, geral e irrestrita. Por seu turno, a oposição, obediente à liderança do então presidente do MDB, Ulysses Guimarães, também apresentou um projeto de anistia. Este, porém, com restrições ao grupo de exilados. Poderiam eles retornar ao País, mas não poderiam concorrer a qualquer cargo eletivo por tempo determinado.

A matéria, como era de se esperar, agitou os meios políticos, provocando debates acirrados nas duas Casas do Congresso Nacional, além de grande repercussão nos órgãos da Imprensa escrita, falada e televisada.

Na véspera da votação, tive o cuidado de levar os dois projetos para análise do presidente da República. Eu o fiz na condição de líder do partido e porta-voz do governo na Câmara dos Deputados. Ao tomar conhecimento dos textos, Figueiredo pediu minha opinião. Optei pelo projeto da oposição, comungando do mesmo receio de seus líderes e mais fácil de ser aprovado. O presidente, firme e sereno, fez esta pergunta: 'Arbage, você já teve alguém da família no exílio'? Respondi negativamente. 'Pois eu tive o meu pai, preso e exilado pelo Getúlio, mas exílio forçado, não voluntário como a grande maioria dos que se apresentam hoje como ex-exilado'. Ordenou, então, que aprovássemos o projeto da Arena, com a redação original da sua feitura. E concluiu: 'Lugar de brasileiro é no Brasil!'

Esse o diálogo que precedeu o processo de discussão e votação da matéria no Congresso Nacional, ocorrido no dia seguinte, com o projeto do governo em primeiro lugar na pauta.

Esgotado o prazo da discussão, iniciou-se o da votação. Falaram vários oradores e, por fim, assomei à tribuna para o encaminhamento da matéria. Quando falava - o deputado Odacir Klein solicitou o aparte no qual comunicou que a bancada do seu partido, o MDB, abandonaria o plenário. E advertiu: 'Assumam sozinhos a responsabilidade pela anistia que está em votação'... A debandada foi total. Contudo, essa decisão não afetou o quórum necessário para a aprovação.

O Congresso Nacional realizou sessão especial para comemorar o transcurso do primeiro decênio da anistia. Entremeado de críticas e elogios, muitos senadores e deputados se pronunciaram, um deles o sr. Lizâneas Maciel (PDT-RJ), que tivera o mandato cassado no governo do presidente Geisel.

O parlamentar carioca agrediu a verdade nos ataques ao presidente João Figueiredo que, tendo deixado o cargo, estava residindo no sítio de Nogueira, no Rio de Janeiro. Aparteei Lyzâneas e repeli o seu comportamento, taxando-o de 'inimigo da pacificação nacional'. Os jornais deram destaque ao meu aparte e, em consequência, com data de 25 de setembro de 1989, recebi a seguinte carta do ex-presidente:

'Prezado amigo deputado Arbage. Muito obrigado pelo aparte que fez ao discurso do Lyzâneas Maciel, na oportunidade dos dez anos da anistia. Lutei muito para isso. E, se o fiz, foi na certeza de que estava praticando um ato democrático e que resultaria na pacificação nacional. Durante minha juventude, meu pai estava preso ou no exílio, mas exílio forçado, não voluntário, como a grande maioria dos que se apresentam hoje como ex-exilados. É bom lembrar, também, que no meu governo e no do presidente Médici, ninguém foi cassado. Com um abraço. João Figueiredo.'

O tempo nem sempre é o senhor da razão! Decorridos mais de 20 anos, eis que aflora a idéia de uma audiência pública para apurar responsabilidade de envolvidos em crimes de mortes e torturas, não beneficiados pelo projeto de anistia. Nem o cego de que fala o Evangelho, mesmo com o coração envenenado pelo ódio, chegaria ao absurdo de ignorar que a anistia apaga todos os ilícitos, civis e penais, que deram causa à sua concessão.

A propósito, valho-me do primeiro caso de anistia ocorrido no Brasil, para citar o que sobre ela disse Rui Barbosa na sessão de 24 de agosto de 1895, comentando o texto de Decreto Legislativo nº 310, sancionado pelo presidente Prudente de Morais em 21 de outubro de 1895, considerando-a 'anistia restritiva'.

'A anistia, na opinião dos jurisconsultos, cancela o delito, vai extingui-lo na sua fonte, faz desaparecer a sua idéia, é o esquecimento pleno, é o profundo silêncio decretado pelos poderes do país sobre fatos, cuja memória é do interesse do governo que desapareça; as restrições, pelo contrário; opondo-se substancialmente ao espírito dessa medida, renova a memória do fato, entretêm um elemento agitador e privam a anistia do seu caráter benfazejo' (Rui Barbosa, Comentários à Constituição Brasileira, vol. VI, pg., 231; Obras Completas, vol. XXII, tomo I, página 32).

Ora, a anistia sancionada pelo presidente João Figueiredo, como dissemos acima, teve o caráter amplo, geral e irrestrito - ao contrário da que pretendia a oposição, com restrições que a desnaturavam, tornando-a inócua no seu objetivo.

Portanto, não há mais de se cogitar sobre os fatos ocorridos durante os governos militares, cuja memória foi do interesse do então presidente da República, general João Batista Figueiredo, que desaparecesse para sempre.

Por todo o esforço que fez para consolidar a abertura democrática, promover a pacificação da família brasileira e entrar na História como portador de alto sentimento cívico e cristão, Deus acolha sua alma na morada dos justos: o Céu!

Jorge Arbage, ex-deputado, foi líder do governo João Figueiredo na Câmara dos Deputados

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