Descobriram, então, que teriam drama adicional pela frente. Além da luta contra o vício, teriam de lutar contra a limitação do acesso ao serviço médico e psicológico. O sistema público de saúde não está preparado para socorrer as vítimas precoces. Só 30% dos dependentes conseguiram atendimento em hospitais do Estado; 10% fizeram tratamento em clínicas particulares ou por meio do convênio. Sessenta por cento ficaram privados de cuidados específicos. Em outras palavras: 600 mil brasileiros talvez estejam condenados a não chegar com plenitude à idade adulta. A invalidez ou a morte se antecipará ao calendário.
Na verdade, as autoridades desconheceram as transformações trazidas pela passagem dos anos. A mudança de perfil da sociedade impõe mudança no planejamento da saúde. A família, hoje, deixou de exercer o papel de transmissora de valores que tradicionalmente exerceu. Delegou-o à escola, que raramente o faz. Cedo a criança se vê às voltas com liberdades ilimitadas que a tornam vítima fácil do tráfico. Laçada na armadilha, trilha o caminho aparentemente inocente de usuário. Atravessar a fronteira que a conduz à condição de traficante é previsível em vista das urgências que o vício impõe.
Para frear a trajetória cujo ponto de chegada é a cadeia ou a morte, é indispensável ajuda especializada. Atualmente, existem apenas 95 centros de atenção psicossocial do Ministério da Saúde em todo o país. É número irrisório considerado o universo crescente de crianças, adolescentes e jovens que necessitam de atenção específica e não dispõem de recursos para custeá-la. Fechar os olhos para a tragédia que se amplia a olhos vistos é fazer as vezes de avestruz. Ao abri-los, a realidade mostra a face cruel exposta em forma de violência, invalidez, sobrecarga do equipamento hospitalar e previdenciário, além, claro, da perda de vidas. É o preço da omissão.
Fonte: Correio Braziliense.
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