Crise no Senado: O dia depois de amanhã

Por Dora Kramer, no Estado de S. Paulo

Seja qual for o rumo da crise em curso - sustentação de José Sarney em andrajos ou eleição de um presidente-tampão - a maioria dos senadores já dá por perdida a atual legislatura. Não há, reza a avaliação preponderante, a menor possibilidade de recuperação de imagem.

Não apenas porque o descrédito é muito profundo, mas, sobretudo, pela ausência de um centro de equilíbrio capaz de arbitrar uma solução e conduzir o Senado ao reencontro da harmonia interna e da confiabilidade externa.
A cena retratada esta semana em primeira página onde o senador Tasso Jereissati aparece de dedo em riste, batendo boca com o colega Eduardo Suplicy em plenário, é emblemática.

Tanto quanto a figura, o discurso e os gestos de José Sarney materializam a síntese do atraso, a fotografia de Jereissati e Suplicy traduz, na essência, a desorientação.

Constatada a perda e a ausência de instrumentos para construir uma virada - impossível, dada a atual correlação de forças em que a hegemonia é referida no passado - resta apostar no futuro, na renovação de dois terços dos mandatos dos 81 senadores em 2010.

Os mais perspicazes já atuam nessa lógica, convencidos que estão de que o eleitor votará segundo um critério de nítida divisão entre os que representam o "velho" e os que se identificam com as demandas de um "novo" Senado.
Não por outro motivo a bancada do DEM abandonou tão rapidamente a condição de aliada de José Sarney e assumiu a defesa do seu afastamento do cargo.

Isso não tem nada a ver com o jogo eleitoral de candidaturas, conforme alegam Sarney e o governo. O critério valeu na recusa do DEM em apoiar um candidato do PT, Tião Viana, para a presidência do Senado. Mas, a crise fez a coisa mudar de figura. Agora, o que vale é relação com o eleitorado, a sobrevivência política de cada senador.

O DEM, bem como o PSDB, o PT, o PDT ou qualquer outro à exceção do PMDB, têm perfeita noção de que o episódio Sarney delimita terrenos. Quem fica com ele, diante da opinião pública corrobora os vícios que ela já não aceita. Quem se afasta, manda um recado de que captou a mensagem a respeito do castigo à espreita mais adiante, nas urnas de 2010.

Trata-se de uma escolha entre ficar com o tempo do onça ou aderir aos tempos modernos.

Hesitante no início da crise em negar sustentação política a Sarney, o líder do DEM, senador Agripino Maia, mudou de posição depois de ser hostilizado em Mossoró (RN) porque ficou hesitante durante um debate público sobre o assunto.

O eleitor o fez entender de maneira muito simples e direta que a crise não deixou espaço para escolha.

De forma mais elaborada, o senador Cristovam Buarque analisou a situação semanas atrás em discurso no Senado. Sarney só não o assistiu de corpo presente porque se retirou logo depois de ouvir o líder do PSDB, Arthur Virgílio, pedir pela primeira vez que se retirasse de cena.

Cristovam subiu à tribuna em seguida e fez duas constatações bastante realistas: a primeira, que Sarney não é o homem talhado para conduzir a crise, pois o faz "em ritmo antiquado"; a segunda, que sozinho o Senado não ultrapassa o obstáculo. Precisa da colaboração das melhores cabeças da sociedade que, na visão do senador, deveriam ser chamadas a debater e apresentar propostas.

Tentar levar as coisas à moda de sempre resultará, na opinião dele, no "atropelo do Senado" pela dinâmica da contemporaneidade.
"Hoje não somos mais julgados a cada quatro ou oito anos. Somos julgados a cada minuto, online. Continuar administrando as dificuldades na lentidão atual é um suicídio."

E ao falar em "suicídio" Cristovam não antevia a possibilidade de extinção do Senado, mas um cenário de total inoperância e falta de importância, semelhante à situação do Legislativo no regime autoritário. Uma instituição decorativa.

A compreensão sobre o esgotamento de um modo de vida parlamentar se amplia dentro do Congresso. A conferir se em 2010 o eleitorado cuidará mesmo de concretizar a ruptura ou se vai preferir a comodidade da indignação sem resultados.

Costas quentes
A oposição está segura de que consegue mesmo fazer funcionar a CPI da Petrobrás. Não porque confie no acordo firmado com os governistas, já quebrado por três vezes.
DEM e PSDB se fiam na palavra do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, que assegurou parecer favorável se a petição ao STF bater em suas mãos.

O único problema é que na semana que vem o presidente tribunal estará fora do País e será substituído pelo ministro Marco Aurélio de Mello, cuja posição não está tão clara para os oposicionistas.
A decisão favorável na Justiça já poderia ter sido obtida nesta semana. Só não foi porque o requerimento não estava pronto. Isso apesar de a oposição ameaçar recorrer ao Supremo desde o dia da criação da CPI, há dois meses.

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