É verdade que uma parcela grande do eleitorado brasileiro não se identifica com nenhum partido. Mas é fato que quase 50% tem sua preferência
Às vezes, por trás de uma conjetura simples, esconde-se algo complicado. Isso pode acontecer em tudo que fazemos e, a toda hora, ocorre no debate político. Como agora, que estamos discutindo a sucessão de Lula.
Existe pergunta mais inofensiva que “o que o eleitor brasileiro quer da eleição de 2010?”. Parece que não, que qualquer pessoa que acompanha o processo eleitoral seria capaz de solucioná-la. Um pesquisador, então, teria obrigação de ter a resposta na ponta da língua.
Dá-se o caso que é uma pergunta que pode ser tudo, menos simples. De um lado, ela talvez não tenha qualquer significado. De outro, pode ser muito reveladora, permitindo que pensemos o país que somos e a sociedade que constituímos.
Faz algum sentido falar de “o eleitor brasileiro”? O que seria esse ente, indiviso e singular? Onde está esse eleitor?
Qualquer um sabe que, no mundo real, não existe “o eleitor”, mas “os eleitores”, um conjunto formado por seres muito diferentes. São do sul e do norte, pobres e ricos, que foram à escola e que não foram, mulheres e homens, jovens e velhos. A pergunta sobre o que quer “o eleitor” só faz sentido se a reformularmos para “o que querem da eleição de 2010 os diferentes eleitores do país?”.
Basta refazê-la para perceber que só há uma forma de respondê-la: coisas diferentes, que decorrem das várias necessidades que diferentes tipos de pessoa têm no momento pelo qual o Brasil passa.
Estamos prontos a admitir nossas diferenças socioeconômicas. Todos conhecemos as clivagens que nos separam e ninguém espera que um camponês miserável do Nordeste seja igual a um modelo que desfila nos Jardins, região nobre de São Paulo. Nem que ambos queiram as mesmas coisas da eleição de 2010.
Mas nem sempre nos lembramos que os eleitores não diferem apenas naquilo que a sociologia chama de diferenças objetivas. Além delas (com sua evidente importância), existem outras, que pertencem a outros domínios da vida social. À política, por exemplo.
Quando a imprensa, nos Estados Unidos, se refere aos eleitores, a primeira coisa que faz é dizer se está falando de eleitores democratas ou republicanos. Muito raramente (se é que alguma vez) fala de eleitores abstratos, por isso mesmo indiferenciados. Ninguém entenderia uma eleição naquele país se não tivesse em mente as diferentes visões e os desejos que cada categoria de eleitor, pensando em termos partidários, possui.
Sem que tenhamos, no Brasil, uma história de vida partidária sequer parecida com a deles, algo de semelhante existe por aqui. Engana-se quem analisa o comportamento de nossos eleitores subestimando as diferenças políticas que os distinguem.
É verdade que uma parcela grande do eleitorado brasileiro não se identifica com nenhum partido. Mas é fato que quase 50% tem sua preferência. Ou seja, considerando que o sufrágio é universal aqui, que talvez tenhamos, proporcionalmente, tantas pessoas “partidarizadas” no Brasil quanto nos Estados Unidos.
Não estamos indo para a eleição deste ano com um eleitorado formado por iguais, mas por diferentes. Pessoas que viveram de maneiras diferentes os últimos oito anos, que sentiram de maneiras diferentes o que foi o governo Lula em comparação com o de FHC. Que chegam a esta eleição com identidades políticas diferentes, formadas ao longo da vida.
A velha história de que 30% vota com Lula, 30% contra ele e os restantes variam em função do contexto, tem nova aritmética. As pesquisas mostram que os primeiros cresceram e encurtaram a proporção dos segundos. O piso subiu de um lado e desceu do outro.
Em outras palavras: com os 30% que as atuais pesquisas lhe dão, Dilma ainda não chegou nem perto de seu “patamar”. (O que não quer dizer que vai ganhar as eleições, pois isso depende de muitas coisas).
Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
Artigo publicado no Correio Braziliense e no Estado de Minas
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