Mineração: A Vale, a Hidrovia e o destino da verticalização mineral no Pará

No artigo "Hidrovia do Rio Tocantins: da notícia e sua lógica", o empresário Divaldo Salvador * tece suas reflexões sobre o futuro da verticalização mineral no Pará, a partir dos interesses da megamineradora Vale e os planos do governo federal.










Quando fui informado que a obra para construção da Hidrovia do Rio Tocantins tinha sido retirada do PAC, fiz uma avaliação sobre a disposição da Vale, o projeto ALPA e o cancelamento desta obra. Pensei o seguinte: a Vale tinha um plano “B” e irá executá-lo, ou seja, vai implantar o projeto ALPA com a logística da Ferrovia Carajás, independente da construção da Hidrovia Tocantins.

A lógica foi pensar que a importância da Hidrovia para o Governo Federal restringia-se a viabilidade da ALPA, e, não o é. A ALPA é, com certeza, muito importante, mas a hidrovia é muito mais. A hidrovia não existe pela ALPA e sim, ao contrário. A ALPA existe porque tem logística, a Vale tem sua própria logística e pode existir sem a hidrovia, mas todos os demais projetos não o poderão, pois a logística da Vale é só dela e de mais ninguém. A Vale está correta, pois para se manter futuramente no mercado nas mesmas condições de hoje terá que multiplicar-se por três e a logística é o gargalo.

Os fatos a partir do anúncio da Hidrovia
Quando foi anunciada a conclusão da eclusa de Tucuruí e a inclusão das obras da Hidrovia do Tocantins no PAC – por nosso, então, Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva – ficou patente sua existência e, a partir daquele momento, Marabá recebeu entre muitos outros:

- Linave – empresa de Logística fornecedora de serviços na Amazônia, inclusive para a Vale, a procura de terreno para instalar-se. Depois do anúncio da retirada da Hidrovia Tocantins do PAC, desistiu;

- Hidrovias Brasil – do fundo de investimento Pátria e Promon, com projeto arrojado de portos, associada à Brink Logística estabeleceu contrato de compra e venda de terreno em Marabá, pagou sinal para estudos iniciais. Depois do anúncio da retirada da Hidrovia Tocantins do PAC, perdeu o sinal de negócio e desistiu;

- Cargil – aportou, em Marabá, com oito executivos, procurando pela mesma oportunidade, com ela trouxe de arrasto o Governo do Estado do Mato Grosso, pois, neste caso, o custo da Soja pode ser reduzido pela logística, Paranaguá x Tocantins em até US$ 40,00/ton. Com o preço internacional da Soja hoje na ordem de US$ 500,00 /ton, nós estamos falando de 8%, o que significa a diferença entre ser viável ou não;

- Cimento Nassau – tendo um pré-contrato com a Alpa para retirada e beneficiamento de escória granulada, a empresa está refazendo seus custos e, com certeza, descartará a possibilidade de verticalização desta matéria-prima em Marabá;

- Bertolini – depois de realizar estudo de viabilidade econômica e financeira adquiriu terreno à margem do Rio Tocantins. Depois do anúncio da retirada da Hidrovia do PAC, vendeu;

As empresas citadas estão buscando oportunidade para prestação de serviços através da Hidrovia Tocantins, mas vão transportar o que? E, aqui, vou me ater apenas a algumas das possíveis cargas, pois em um pensamento mais amplo vale lembrar que o Pará é um dos poucos estados do Brasil, em análise simplista, que pode separar-se da federação por benefícios fiscais. O Pará importa grande parte de industrializados consumidos e tem tudo para ser industrial. Mas, não tem mercado e, não o tem, por não ter logística. Só é viável a produção em grande escala e o mercado local é restrito.

O sul do Pará é uma região das mais ricas em reservas minerais. Todos falam sobre o minério de ferro e sabem deste, unicamente, porque existe logística própria: a Ferrovia Carajás. Lá, também, tem corpos minerais de: cobre, zinco, manganês, bauxita, cassiterita, chumbo, entre outros;

Diante do anúncio da retirada da Hidrovia do PAC, grandes players multinacionais e outros – não tão grandes – e, principalmente, os pequenos, assanharam-se. Iniciaram-se trabalhos para viabilizar a exploração mineral, pois, não estamos falando de ouro que virá, com certeza, por conseqüência. Estamos falando de grandes volumes de minérios que precisam de logística.

Ressalto que o preço histórico internacional do minério de ferro, no período de 1975 a 2002, foi de aproximadamente US$ 30,00 MT/FOB estivado. Hoje, custa em torno de US$ 150 dólares MT/FOB, em conseqüência da alta demanda internacional, principalmente da China, que passou sua produção de aço de 300 milhões de ton/ano para 550 milhões de ton, no último ano.

No entanto, os grandes bancos trabalham com a perspectiva de manutenção do boom das commodities até 2017, a razão não é a diminuição da procura, mas porquê o mundo inteiro tem minério – e em grandes quantidades – o que não existe é logística.

Logística está sendo construída ao redor do planeta e, só será competitivo aquele País que a tiver. O Brasil, melhor dizendo, o Pará, não pode perder esta oportunidade, pois, se assim o fizer, vamos continuar somente com a Vale que já tem a sua própria;

Estão na região, prontos para produzir e exportar, entre outras: Ferros, Codelgo, Brasil Mineral, Anglo American, Trafigura, Vertical, Recursos Minerais do Brasil, Colussos, e mais uma gama de pequenas. O Sindicato dos Produtores Minerais do Estado do Pará conta hoje com oito associados. Com a hidrovia não serão menos que 50.

Com o advento da ALPA temos, por consequência, o polo metal mecânico – grandes projetos cuja viabilidade só se dará mantendo seus tamanhos. Assim sendo, o mercado não será só o Estado do Pará, mas o mundo. Mas, sem logística não existirá pólo metal mecânico. Para ficar em um só exemplo: a empresa procurada para construir uma laminação de chapas grossas, a partir das placas da ALPA, e daí um estaleiro, está se instalando em PECEM, no Ceará. O motivo: a logística.

A conseqüência de um porto da Cargil será, com certeza, a diversificação da produção agropecuária e da implantação de indústria de esmagamento de grãos com produção de óleo, ração e adubo. Tudo isso só será viável se existir logística.

A RMB S.A. coordenou equipe técnica que já havia concluído os estudos de viabilidade para iniciar a engenharia básica de uma indústria para produção de 1.200.000/MT ferro gusa, a partir do minério de ferro próprio e carvão mineral importado, a exemplo do que a Newco faz em Trinidad Tobago. Os sócio-investidores determinaram que não fosse mais investido nenhum centavo antes de ter certeza da Hidrovia. O anúncio do cancelamento da obra da Hidrovia Tocantins já foi um desastre. Sua confirmação significará retroagir a 1972.

Precisamos ter a certeza da sua retomada e gritar aos quatro ventos, bem alto, para recuperar o tempo perdido.

O parque siderúrgico de Marabá, para produção de ferro gusa, com dificuldade por não ter o melhor valor agregado, poderia se transformar em uma siderúrgica para produção de aço do tamanho da ALPA. Poderia agregar-se aos produtores da nossa vizinha Açailândia (MA) e teria o dobro da produção prevista para a ALPA. Mas, isso tudo só com logística.

É importante ressaltar que todas estas empresas sabem uma das outras e que todas são viáveis. A Hidrovia Tocantins é mais importante que qualquer outra obra. Podemos afirmar com toda a certeza: existe um Pará antes e outro depois da hidrovia.

Da forma prevista hoje, com um número restrito de passagens diárias pela Eclusa de Tucuruí, nossa Hidrovia Tocantins nasce pequena, com 13.000.000/MT/ano. Devemos pensar em usar nove segundos de energia elétrica – necessários para cada passagem pela eclusa – a mais e atingir o número 80.000.000/MT/ano e isto compensará a energia não produzida.

Nós, os Paraenses, contamos com isto.

* - Divaldo Salvador é economista, administrador, executivo da RMB. Cidadão Marabaense, após receber com honra o título da Câmara Municipal de Marabá, em 2006.

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