Entrevista - Henrique Meirelles - ''Dinheiro não aceita desaforo''
Vicente Nunes e Raul Pilati - Da equipe do Correio
Quando o Brasil cresce...
Presidente do BC afirma que é preciso controlar a expansão do crédito para evitar a volta da inflação
O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, não tem dúvidas de que o Brasil entrou em uma rota sustentada de crescimento. Mas com a mesma convicção com que descreve as mudanças estruturais que levaram o país a avançar 5% ao ano — o ajuste fiscal, a queda da relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB) e o controle da inflação —, ele avisa: “Nada garante que não podemos voltar atrás”. Na avaliação de Meirelles, os brasileiros podem tirar proveito da estabilidade. Mas para que eles não se lambuzem com essa experiência nova, ampliando o consumo e o crédito além da conta, o Banco Central ficará vigilante. “O BC tem que se manter vigilante na expansão do crédito porque exageros existem e bolhas existem.” Na opinião do presidente do BC, o país precisa manter a previsibilidade da economia, para que os investimentos — que avançam a taxas entre 13% e 15% ao ano — garantam o aumento da produção. “O dinheiro não aceita desaforo. Se cometermos erros de política macroeconômica similares aos do passado, os desequilíbrios voltarão. A persistência inflacionária volta em qualquer país. A visão de que a inflação já terminou no Brasil é ingênua”, frisa.
Meirelles acredita que o país está partindo para a sua segunda revolução, a da eficiência. “A primeira, foi a da estabilidade macroeconômica. Agora, o país precisa aumentar a produtividade, mas não à base de subsídio do governo”, destaca. Completando cinco anos à frente do BC, Meirelles reconhece que não é fácil comandar uma instituição alvo de críticas pesadas. “Tomar as medidas necessárias para a estabilidade tem o seu custo e é algo novo para a sociedade brasileira”, diz. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida pelo presidente do BC .
Como o senhor avalia o atual ciclo de crescimento do Brasil? Desta vez é para valer?
O Brasil, desde que ficou independente (em 1822), criou alguns desequilíbrios econômicos para atender a necessidades específicas. Para pagar as despesas da independência, tomou um empréstimo externo que criou sérios problemas. Esse foi o primeiro dos desequilíbrios brasileiros, que sempre tiveram como componentes o balanço de pagamento, a carência de uma moeda forte para importar produtos, a falta de competitividade das exportações e as políticas cambiais protecionistas. O Brasil tinha problemas de vulnerabilidade fiscal recorrente e inflação. Hoje, o quadro é completamente diferente.
O que mudou realmente?
Os mecanismos de ajuste entre oferta e demanda eram via aumento de preços e não por meio do aumento da produção. Como os concorrentes faziam a mesma coisa, esse era o ajuste que funcionava. A empresa não se arriscava a perder uma fatia de mercado por causa de reajustes, o que aconteceria em qualquer economia competitiva. O que foi feito para mudar isso: um trabalho de desinflação sério e de ajuste fiscal que, entre outras conseqüências positivas, gerou um excedente de exportação em 2003 e em 2004. Esse excedente permitiu, junto com um momento favorável da economia internacional, que o Brasil gerasse saldos comerciais importantes. E, pela primeira vez, eliminasse suas vulnerabilidades externas mediante o acúmulo de reservas e a redução da dívida externa com o pagamento de todas as obrigações que podiam ser pagas, como as com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Clube de Paris.
Os investimentos produtivos e o consumo já refletem a previsibilidade maior da economia?
Com certeza. E há um fato importante: os investimentos estão vindo acompanhados de importações de máquinas e equipamentos e de bens intermediários (insumos e matérias-primas). Pela primeira vez, o Brasil, está tendo condições de participar plenamente do processo de globalização, que é exatamente a busca de maior competitividade na aquisição de suprimentos, seja de capital, seja de bens intermediários. Ao deixar de ter uma moeda depreciada, o Brasil passou a ter melhores condições de compra no mercado internacional, tornando as empresas mais competitivas. Isso está fazendo com que o Brasil resolva um de seus problemas históricos:a restrição de oferta de bens e serviços a preços mais competitivos. Agora, antes de aumentar preços, o empresário pensa três vezes.
Está consolidada a percepção de que o empresário perde mercado se aumentar preços?
Acho que sim. Mas isso não significa que não podemos voltar atrás. Como já dizia o meu avô, dinheiro não aceita desaforo. O que eu quero dizer é que, se nós cometermos erros de políticas macroeconômicas similares aos que já foram cometidos no Brasil, essa situação (de desequilíbrios e inflação) pode voltar rapidamente. A persistência inflacionária volta em qualquer país. A visão de que a inflação já terminou no Brasil de uma vez por todas e que nós podemos fazer qualquer extravagância é ingênua. Se isso fosse verdade, nós não precisaríamos de bancos centrais em países com inflação estável há décadas.
O que é possível comemorar?
Estamos, pela primeira vez, aproveitando aquilo que eu chamo de dividendos da estabilidade. Quando nós vivíamos em crise, estávamos o tempo todo pagando o custo do ajuste. E nunca chegávamos ao ponto de aproveitarmos os benefícios da estabilidade. A estabilidade era sinônimo de custo, sacrifício.Hoje, isto está mudando, as pessoas estão começando a entender os ganhos de uma moeda estável.
O senhor pode ser mais específico em relação aos dividendos da estabilidade?
Nos últimos cinco anos, 20 milhões de pessoas saíram das classes D e E para a classe C. A classe média começa a ter aumento do poder de compra. Em novembro de 2007 frente a novembro de 2006, a massa salarial cresceu 6,4% acima da inflação. Isso é um aumento impressionante em qualquer lugar do mundo.
O Brasil está vencendo o desafio de crescer sem inflação?
Para crescer é necessário inflação baixa. Não pode haver a dúvida: vamos crescer ou vamos combater a inflação. Não é isso. A situação é: controla a inflação, estabiliza a economia, aí, sim, baixa os juros e, em conseqüência da estabilidade, o país começa a crescer de forma sustentável.
Como novatos da estabilidade, há risco de os brasileiros exagerarem ampliando o consumo e o crédito além da conta?
Não, desde que as autoridades monetárias se mantenham vigilantes. E desde que os agentes econômicos saibam que as autoridades monetárias estão vigilantes. Em junho, o Brasil fez um movimento pouco percebido, mas da maior importância do ponto de vista prudencial. O BC e o CMN (Conselho Monetário Nacional) impuseram a alocação de capitais para a exposição cambial. Os bancos brasileiros estavam muito expostos à volatilidade do câmbio. Na medida em que passamos a exigir mais capital, eles reduziram essa exposição fortemente para o fechamento do balanço de 31 de julho. Houve muitas queixas. Mas quando estourou a crise em agosto, todo mundo ficou quietinho. Portanto, compete ao BC estar vigilante em todas as áreas.
Há alguma área que exige vigilância maior?
Estamos vigilantes na expansão do crédito, na capacidade de expansão da oferta, na relação entre oferta e demanda, na questão do aumento das importações e seus efeitos positivos e negativos. O Banco Central tem de estar vigilante sobre todos os aspectos da economia, sempre, sobre a persistência inflacionária, sobre a questão dos serviços.
Como o BC avalia o atual boom do crédito?
O crédito está aumentando e a inadimplência está caindo. E há várias razões para isso. Primeiro, por causa de mudanças estruturais no mercado, como o crédito consignado, relacionado à efetiva capacidade de pagamento. Segundo, pela própria tecnologia de avaliação de crédito das instituições financeiras, que está melhorando. Os bancos estão aprendendo e aprimorando a capacidade de julgar. O tomador também começa a ter melhores condições de se planejar. Antigamente, o crédito aparecia e ele pegava. Agora, já começa a discernir e escolher. Mas o BC tem que se manter vigilante, porque exageros existem e bolhas existem. Então, compete ao BC estar atento e evitar o surgimento de bolhas.
A inflação subiu nos últimos meses e os mercados futuros estão apostando na alta de juros. Certamente esse movimento está no radar do BC…
Sim. Nós tivemos um aumento importante da inflação no meio do ano e depois ela voltou a cair. Mas as expectativas se mantiveram controladas. Por isso, uma das coisas que estamos monitorando são as expectativas e o que o BC chama de coordenação de expectativas, que estão ancoradas no centro das metas (4,5% ao ano).
Em alguns setores da economia já falta mão-de-obra qualificada. Esse pode ser um entrave para a continuidade do crescimento econômico?
O impacto da educação no crescimento econômico é visível. A Índia se focou no ensino universitário, na formação de elite, com software e serviços. E está dando resultado. A China tem crescimento mais industrial, e também está avançado. Creio que o Brasil está progredindo. O governo federal tem feito um esforço grande para aprimorar o ensino, assim como estados e municípios. Um país como um todo tem que funcionar, tem que se modernizar para ficar mais eficiente. Essa é a próxima revolução que o Brasil precisa fazer. A primeira foi a da estabilidade macroeconômica. O país precisa aumentar a produtividade, mas não à base de subsídio do governo.
Os BRICs (grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia e China) estão sendo responsabilizados pela nova dinâmica mundial e pela maior parte do crescimento do planeta. O senhor concorda com isso?
Não são só os BRICs. Todo o bloco de países emergentes tem muita importância hoje. Até o século 16, a China tinha participação importante na economia mundial, que era muito fechada. Depois da industrialização, o crescimento foi concentrado na Europa Ocidental e nos Estados Unidos. A diversificação começou, pela primeira vez, com o Japão, e avançou com a revolução capitalista depois da Segunda Guerra Mundial. A seguir, começou um processo que incorporou os países pequenos da Ásia, que começaram a criar alternativas de produção, bloco no qual, posteriormente, entraram a China, a Índia e a Rússia e, por fim, o Brasil, com a estabilização.
Mas eles têm condições de sustentar o mundo diante de uma recessão na economia dos Estados Unidos?
Olha, uma recessão nos Estados Unidos não é boa para ninguém. Vai atingir todo mundo porque a economia americana ainda é muito importante, mas em uma escala menor do que no passado. Em 1929, a crise na bolsa de valores americana parou o mundo, quebrou o Brasil. Os barões do café tiveram de vender suas mansões na Avenida Paulista, em São Paulo. Houve mudança na elite paulista. Hoje, não. O Brasil tem condições para seguir em frente, também pela demanda de outros emergentes. Se olharmos as exportações brasileiras, isso fica claro.
Qual a sua avaliação desses cinco anos à frente do Banco Central?
O que eu posso dizer é que é compete ao BC cumprir sua missão básica, que é o que estamos fazendo. Os resultados são conseqüência. Não tem sido uma experiência fácil, pois não é por acaso que o Brasil tem tido uma história de crises periódicas e de crescimento baixo. Tomar as medidas necessárias para a estabilidade é algo que tem o seu custo e é algo novo para a sociedade brasileira. Em função disso, fomos muito criticados. Temos uma história de enfrentar críticas pesadas, que estão diminuindo porque está dando certo, o que é positivo, é gratificante.