Estadão - Editorial: "Emperrada Justiça Eleitoral"

EDITORIAL

Emperrada Justiça Eleitoral
A Justiça Eleitoral é uma instituição tipicamente brasileira. Não se tem conhecimento da existência, em outro país, de uma estrutura judicial específica, e de grande dimensão, para o julgamento das questões eleitorais. Em outros lugares não é apartada da Justiça Comum a condução dos procedimentos dos partidos políticos, candidatos e eleitores na escolha que a sociedade faz de seus representantes nos governos e parlamentos. Por outro lado, o Brasil é um dos raros países do mundo que, tendo grande eleitorado, realizam periodicamente votações e apurações com rapidez e nível de acerto exemplares, graças a um eficiente processo de informatização que, aliás, tem sido importado por outros países. Por tudo isso, não se entende como os julgamentos possam ficar emperrados na Justiça Eleitoral.

Apesar de já terem sido cassados os mandatos de 250 prefeitos eleitos em 2004 - o que representa 4,5% dos 5.561 municípios brasileiros -, a menos de seis meses das próximas eleições municipais permanece a incerteza quanto ao destino administrativo de grande número de municípios, visto que ainda se discute, na Justiça Eleitoral, pendências geradas naquelas eleições. Grande parte dessas pendências - se não a maior - decorre de recursos interpostos por prefeitos cassados ou por candidatos derrotados nas urnas, contra seus adversários. Tem-se idéia desse volume só com o fato de nos últimos 30 dias terem chegado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nada menos do que 88 recursos impetrados por prefeitos cassados.

Boa ilustração dessa situação está na reportagem publicada ontem pelo Estado sobre a confusão no município de Caldas Novas, em Goiás, onde desde 2004 já houve quatro prefeitos, enquanto se multiplicam os recursos sobre seus respectivos afastamentos na Justiça Eleitoral. Não é sem razão que o futuro presidente do TSE, o ministro do STF Carlos Ayres Britto, considera um exagero a quantidade de recursos apresentados pelos políticos à Justiça Eleitoral, mas adverte que é preciso julgar todos os processos 'antes do término do mandato, das eleições subseqüentes'.

'Como temos no Brasil eleições de dois em dois anos, isso funciona na subjetividade dos julgadores como uma pressão para o julgamento célere. Todo processo eleitoral é urgente', diz o ministro Ayres Britto. Mas, na realidade, porém, o que as populações desses municípios - onde vitórias eleitorais e investiduras foram questionadas na Justiça, seja por abuso de poder econômico, compra de votos ou outras irregularidades - não vêem é a celeridade e tempestividade das decisões da Justiça Eleitoral. Ou seja, a 'pressão para o julgamento célere' a que se refere o futuro presidente do TSE não tem produzido resultados.

'É melhor deixar o eleitor confuso com tantos recursos contra prefeitos do que o Tribunal Superior Eleitoral pecar pela apatia e não julgar os casos que apresentam irregularidades' - afirma o atual presidente do TSE, ministro Marco Aurélio Mello. Mas esse é um dilema que não deveria existir, pois a Justiça Eleitoral existe para informar, esclarecer e até educar o eleitorado no exercício de um importante direito de cidadania, e não para confundi-lo, e também para coibir as irregularidades eleitorais. Mais importante seria examinar, em profundidade, quais os gargalos estruturais que emperram o funcionamento eficiente da Justiça Eleitoral em seus julgamentos, já que no que se refere ao processo eleitoral propriamente dito - votação e apuração - ela funciona com notável eficiência. É bem provável que, nesse exame, venham à tona defeitos normativos, ou a permanência de dispositivos da legislação eleitoral que atendam ao vezo burocrático, mas tenham pouco sentido prático. É o caso, por exemplo, dos sistemas de controle dos gastos eleitorais e das comissões multipartidárias de fiscalização das contas de campanha, que nunca funcionam.

Se tivesse por única função conduzir o processo de votação para a escolha dos representantes e governantes da sociedade, a Justiça Eleitoral seria uma das instituições mais prestigiadas do País por sua eficiência. Mas falta levar essa eficiência a seus julgamentos.

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