Jacques Diouf*
Mais de dois meses após o cataclísmico terremoto que matou mais de 220 mil pessoas no Haiti, uma nova tragédia paira sobre os haitianos se eles não receberem ajuda imediata. O dano físico ao país, com a capital, Porto Príncipe, e as vilas ao redor em ruínas, é imediatamente visível a olho nu. Menos óbvio, mas tão verdadeiro quanto, é a ameaça de uma crise alimentar causada pelo colapso do setor agrícola haitiano.
Portanto, a prioridade absoluta agora é ajudar os agricultores do Haiti a produzir seus próprios alimentos, entregando sementes, ferramentas e outros insumos para que pelo menos 100 mil famílias rurais estejam preparadas para a temporada de plantio de primavera, que começa em março e é responsável por 60% da produção anual de alimentos no país. Outras 100 mil famílias urbanas precisam receber ajuda para produzir legumes e verduras para o próprio consumo.
No entanto, até agora, a Organização das Nações Unidas só recebeu 7% dos US$ 70 milhões que pediu para responder às necessidades imediatas do setor agrícola após o terremoto de janeiro.
Se os agricultores não puderem semear suas terras, talvez abandonem seus sítios, se juntando à massa de desempregados e sem posses nas cidades e no campo, para onde 500 mil pessoas já fugiram. A agricultura haitiana ficaria danificada por anos.
Imediatamente após o terremoto, o foco da atenção foi corretamente posto nas necessidades urgentes de água, ajuda alimentar, cuidado médico, abrigo e higiene. Mas, ignorando a agricultura hoje, colocamos em risco a capacidade dos haitianos de se alimentarem amanhã. A tragédia é que a agricultura representa a maior esperança de um futuro melhor para o Haiti. O país tem enorme potencial, como demonstrado no século 18, quando exportava açúcar, café, índigo e outros produtos agrícolas.
Aquele potencial pode ser novamente realizado hoje e possibilitar um renascimento haitiano dos escombros do terremoto. Segundo o Banco Mundial, o crescimento do PIB liderado pela agricultura é quatro vezes mais efetivo em aumentar a renda das pessoas extremadamente pobres que outros tipos de crescimento.
O governo do Haiti, seus parceiros da ONU e outras agências ativas no desenvolvimento agrícola e rural, prepararam um plano de US$ 700 milhões para impulsionar a produção alimentar e a renda rural reparar a infraestrutura e recuperar um meio ambiente significativamente degradado. O plano inclui medidas para preparar o país para as próximas temporadas de furacões, de reflorestamento e de gestão de bacias hidrográficas.
A implementação desse plano requer, urgentemente, um substancial apoio financeiro por parte de doadores internacionais. Do contrário, o país perderá grande oportunidade de reconstruir seu setor agrícola, que, apenas no que diz respeito à produção de cereais, cresceu cerca de 14% com relação ao ano anterior sob a liderança do governo do Haiti e o apoio da FAO.
As agências da ONU sediadas em Roma — FAO, Fida e PMA — criaram um grupo de trabalho conjunto para o Haiti, para fornecer uma resposta enérgica e coordenada e ajudar o governo a restabelecer a segurança alimentar, algo que abrange medidas de curto prazo para necessidades urgentes, bem como medidas de médio e longo prazo para reconstruir as capacidades de produção de alimentos e reabilitar a agricultura do país. Mas o Haiti precisa de um firme compromisso dos doadores para colocar o plano em marcha. Em visita ao Haiti, estou avaliando a situação em terreno, apoiando a entrega de material de plantio de que os agricultores haitianos precisam urgentemente e facilitando atividades para reflorestar o país.
Dada a dimensão das necessidades para a reconstrução, o caminho para a segurança alimentar sustentável requererá uma combinação complexa de esforços do governo, multilaterais e regionais, e o engajamento de todos atores, incluindo o setor privado e a sociedade civil. Eu realmente acredito que o esforço coordenado, nos próximos meses e anos, de todas as partes interessadas em investir na agricultura haitiana reduzirá a pobreza e a insegurança alimentar.
*Diretor Geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO)
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