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Conta será apresentada à classe média. Que classe média?

Proposta inaceitável

EDITORIAL do Correio Braziliense

Mediante projeto de lei destinado a tramitar de forma concomitante com a emenda constitucional sobre a reforma tributária, o governo pretende introduzir mudanças na incidência do Imposto de Renda devido pelas pessoas físicas. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao anunciar a novidade, não a detalhou. Adiantou apenas que a iniciativa busca aliviar a classe média, segundo ele o segmento social menos beneficiado pela política econômico-financeira.

Mas assessores do próprio Ministério da Fazenda informaram que a idéia é estabelecer duas alíquotas intermediárias de 20% e 25% antes do teto de 27,5% vigente. Explique-se: hoje, quem tem rendimento entre R$ 1.372,82 e R$ 2.743,25 paga 15% de IR. Quem percebe acima de R$ 2.743,25 recolhe 27,5%. Mas não se sabe de que classe média se cogita. O critério adotado pelo IBGE mostra que renda familiar mensal acima de R$ 1 mil até R$ 2,5 mil identifica a classe média baixa. A situada entre R$ 2,5 mil e R$ 5 mil retrata a classe média média. E, acima daí, surge a classe média alta.

O problema é que está em pauta criar alíquota da ordem de 30% para compensar as perdas de arrecadação com o desafogo prometido. Pelo visto, as famílias de classe média com renda mensal superior a R$ 5 mil serão os alvos da volúpia arrecadadora da Fazenda Pública. Como se não bastasse o IBGE considerar integrante das classes média baixa e média média quem percebe renda apenas suficiente para atender às demandas cruciais da sobrevivência, quer o governo conceder “benefícios” com uma mão e tomá-los com a outra.

É justificável a decisão do Palácio do Planalto de promover a inclusão de duas incidências do IR logo abaixo do teto de 27,5%. Constitui tratamento justo para os trabalhadores colocados nos patamares mais baixos de remuneração. Portanto, não se trata de favor, mas de distribuição equânime de direitos. Para ser mais coerente com o princípio da justiça fiscal, a Fazenda deveria elevar o valor dos ganhos salariais sujeitos a isenção do Imposto de Renda. Os isentos do IR, hoje, são os trabalhadores que percebem até R$ 14.992,32 por ano, importância insuficiente para garantir-lhes existência com dignidade.

Na hora em que a coletividade clama contra a exacerbação dos impostos, soa como acinte a intenção governamental de agravar o poder aquisitivo dos salários com mais uma alíquota do IR. Não importa qual o pretexto invocado para justificá-la, sobretudo o de compensar perdas com o alívio que será concedido a certas categorias. Mais coerente com o modelo republicano é o governo assegurar, pelo exercício da fiscalização e da universalização da imposição tributária, os recursos para cobertura dos gastos da máquina estatal. Há muito se esgotou a capacidade de o contribuinte suportar novos encargos ou tolerar aumento dos atuais.

Pasmem! Mais um imposto pode ser criado




Opinião

* Marcos Cintra

O governo cogita propor em seu novo projeto de reforma tributária a criação de dois IVAs: um federal, que unificaria o PIS, Cofins, IPI e a Cide, e outro estadual, que integraria o ISS à base do ICMS. E nesse mesmo projeto, pasmem, pode ser criado um imposto sobre essa mesma base, o IVV — imposto de vendas a varejo.

Um aspecto a ser realçado no projeto do IVA dual, que deve ser encaminhado ao Congresso Nacional a partir de agosto, é que o IVV será criado para compensar os municípios pela perda do ISS, já que a base de serviços seria transferida para a esfera do IVA estadual.

O IVV é um tributo pago no último estágio do processo de fabricação e distribuição de mercadorias, como ocorre nos Estados Unidos. É adicionado na nota fiscal quando o consumidor adquire um bem em estabelecimento varejista. Ou seja, ao efetuar uma compra em uma loja, farmácia ou restaurante, por exemplo, o cliente teria o imposto somado ao preço final, e o comerciante seria o responsável pelo seu recolhimento ao fisco municipal.

A proposta de cobrar um imposto municipal na ponta do consumo foi aventada em 1999 pelo substitutivo à PEC 175/95, apresentado pelo deputado Mussa Demes. Na nova estocada tributária que se ensaia, a proposta do IVV deve ser resgatada, e isso trará prejuízos aos comerciantes e às prefeituras. O IVV alcançaria milhões de pequenos estabelecimentos na cadeia varejista de comércio, impondo-lhes novos custos de administração tributária e subtraindo-lhes capital de giro e pressionado suas margens de lucro.

Se de um lado a proposta em estudo causa apreensão aos varejistas, de outro os prefeitos devem ver no projeto um motivo de preocupação, já que teriam de abrir mão da receita que mais cresceu entre 2002 e 2006 (a arrecadação do ISS aumentou 11,4%) e, como compensação, passariam a cobrar um tributo absurdamente complexo como o IVV. Ou seja, os municípios perderiam a base serviços, em expansão no mundo globalizado e terceirizado da atualidade, e teriam pesados custos de administração e fiscalização de um imposto no qual não têm tradição.

Cabe citar que há estimativas apontando que 30% das prefeituras perderão um terço ou mais das receitas próprias se o ISS for incorporado ao IVA. Na região paulista do Grande ABC, por exemplo, a expectativa dos prefeitos é que as perdas sejam da ordem de R$ 400 milhões.

O IVV é tributo que não se enquadra na tradição tributária brasileira. Num país onde a sonegação destroçou a ética tributária e onde a evasão passou a ser costume socialmente ratificado, como imaginar que o IVV seja adequadamente arrecadado em cada um dos milhões de pontos de venda a varejo? Quem no Brasil já não tomou conhecimento, ou foi agente, de práticas como a negociação do preço de mercadorias com nota e sem nota? Qual o custo para as prefeituras adequarem suas máquinas de fiscalização a esse imposto tão vulnerável à sonegação? Enfim, essas são questões que devem ser colocadas quando se cogita criar um tributo potencialmente suscetível a fraudes.

Esse sistema tributário caminha na contramão de tudo o que a sociedade espera. O contribuinte quer menos tributos, menos burocracia, menos fiscais e menos corrupção. Nada disso será conseguido se o IVV for aprovado. Trata-se de proposta burocrática, convencional e conservadora. Vai prejudicar os municípios e infernizar a vida do comércio varejista e do consumidor final. Com o IVV, cria-se combinação perfeita para gerar novos focos de sonegação, de evasão e de corrupção. O deformado sistema tributário brasileiro ficará ainda mais horripilante.

*Doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), é professor titular e vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas
mcintra@marcoscintra.org

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