O TCU determinou à agência que, em 90 dias, apresente plano de ação, a fim de retirar a diferenciação tarifária entre consumidores de energia elétrica
* Por Val-André Mutran
Sede da Aneel - Brasília (DF) |
Brasília – Após a decisão nesta semana da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) antecipar a cobrança de bandeiras tarifárias — prevista apenas para o final do ano, uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) verificou que subsídio a prosumidores — consumidores que também são produtores de pequeno porte — de energia solar gera aumento na conta de luz dos consumidores comuns no País.
O órgão determinou, sob a relatoria da ministra Ana Arraes, à Aneel que, no prazo de 90 dias, apresente plano de ação contendo as ações a serem tomadas, os responsáveis pelas ações e os prazos para implementação, a fim de retirar a diferenciação tarifária entre consumidores de energia elétrica.
Essa diferenciação foi promovida em função da adesão ou não ao sistema de compensação de energia elétrica (SCEE), contido na Resolução Aneel 482/2012, alterada pela Resolução Aneel 687/2015. Caracteriza-se pelo repasse de custos e encargos do setor elétrico de forma desigual aos consumidores, com oneração àqueles que não aderiram ao referido sistema de compensação.
“O plano de ação da Aneel deverá incluir prazo de transição para a retirada da diferenciação tarifária, de modo que não importe ônus ou perdas anormais ou excessivas, nem tratamento desproporcional ou não equânime. Isso em atendimento à legislação (art. 4º, §5º, do Decreto 9.830/2019)”, explicou a ministra-relatora Ana Arraes.
A Corte de Contas recomendou à Aneel que, em consideração aos demais consumidores de energia elétrica, os quais arcam com os ônus gerados pela geração distribuída de pequeno porte, desde já e durante esse período de transição, dê mais transparência em seu sítio eletrônico.
“Recomendamos que sejam mostrados os montantes dos subsídios cruzados gerados em decorrência da Resolução Aneel 482/2019, em linguagem acessível ao público leigo, destacando o aumento ocasionado nas suas contas de energia elétrica em decorrência da interligação das unidades produtoras à rede de distribuição.
O subsídio cruzado já atingiu, segundo números da Aneel, cerca de R$ 205 milhões em 2018, e de R$ 315 milhões em 2019, podendo chegar, em valores presentes, a algo em torno de R$ 55 bilhões, no período compreendido entre 2020 e 2035.
A reportagem do Blog do Zé Dudu em Brasília, entrou em contato com os parlamentares da Bancada do Pará, indagando qual a ação parlamentar será adotada pelos congressistas.
Posicionamento dos parlamentares da Bancada do Pará
O senador Jader Barbalho (MDB-PA) disse à reportagem que: “Não é justo que o Estado do Pará, o maior produtor de energia, seja severamente punido com a tarifa mais alta do país e seus habitantes tenham, ainda, que arcar com a elevação do valor da conta de luz, com a implementação da bandeira vermelha.”
Senador Jader Barbalho (MDB-PA) |
“Será uma bola de neve que trará mais prejuízo para as milhares de famílias de brasileiros que estão passando por dificuldades financeiras, sem previsão de melhoras para os próximos meses”, concluiu.
O senador Paulo Rocha (PT-PA) através de sua assessoria, disse que: “O senador está discutindo com a bancada as ações a serem tomadas, mas deve sim ter medida nos próximos dias a respeito.”
O senador Zequinha Marinho (PSC-PA) está em trânsito e não foi localizado.
Dep. Fed. Eduardo Costa (PTB-PA) |
O deputado federal Eduardo Costa (PTB-PA) também se posicionou. “É inadmissível o aumento do valor e a cobrança das bandeiras tarifárias autorizados ontem (2/12) pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), o Pará é o segundo maior produtor de energia elétrica do país, em contraponto, temos a segunda maior tarifa de energia elétrica.”
O parlamentar apresentou a Emenda nº 142 à MP 998/2020 – a MP do Consumidor de Energia Elétrica – para corrigir essa injustiça com a população paraense. Ela prevê a vedação da cobrança de valores relativos ao sistema de bandeiras tarifárias das unidades consumidoras localizadas em Unidades da Federação superavitárias em energia limpa e barata.
Costa disse: “Os estados, como o Pará, já são injustamente onerados por tarifas elevadas, e não deveriam ter que pagar mais pelo custo da geração a óleo combustível realizada em outras unidades federativas. Estou trabalhando junto aos parlamentares do estado, para aprovação dessa emenda para corrigir definitivamente essa injustiça com o Pará”.
Os deputados federais Celso Sabino (PSDB-PA) e Cássio Andrade (PSC-PA) apresentaram na Câmara os Projetos de Decreto Legislativo 496/2020 e PDL 497/2020, respectivamente, com o objetivo de reverter a decisão da Aneel de instituir cobrança extra de energia elétrica em dezembro.
Eles protocolaram os projetos para anular o aumento da tarifa. “É um absurdo desrespeito com o povo do Pará, um dos estados que mais produzem e exportam energia elétrica para o país,” disse Sabino.
“É inaceitável e inconcebível tal aumento, já que o ato exorbitou do poder regulamentador da Aneel, devendo ser sustado pelo Congresso Nacional, conforme disposto no artigo 49, inciso V da Constituição Federal,” afirmou o deputado Cássio Andrade na justificativa do projeto.
Dep. Fed. Cássio Andrade (PSB-PA) |
Aumento da energia elétrica
A decisão revoltou também o governador do estado, Hélder Barbalho (MDB), que prometeu entrar na Justiça contra o aumento. “Atualmente, os consumidores paraenses já pagam um exorbitante valor na fatura mensal de luz e o aumento de R$6,24 para cada 100 kwh é inadmissível,” prometeu.
Procurados pela Reportagem, os demais parlamentares não retornaram, até o fechamento da matéria, o pedido de entrevista.
Sistema de compensação de energia elétrica
O sistema de compensação de energia elétrica (SCEE), instituído pela Resolução Aneel 482/2012, foi estruturado com base em diferenciação tarifária sem previsão legal. Trata-se de subsídio cruzado de natureza regressiva em termos de distribuição de renda. Assim, os consumidores do serviço de distribuição de energia elétrica que possuam sistemas de micro ou minigeração distribuída são beneficiados em prejuízo dos demais consumidores.
O SCEE permite que a quantidade de energia que for injetada na rede da distribuidora se converta em créditos ao “prosumidor”. Os créditos são usados para abater o montante de energia que foi fornecido pela distribuidora, sendo válidos por 60 meses. O abatimento reduz o valor da conta de energia do prosumidor.
O montante anual de subsídio, caracterizado por repasse de custos e encargos do setor elétrico de forma desigual aos consumidores, cresce à medida que aumenta a quantidade de consumidores que tenham sistemas de geração distribuída de pequeno porte e façam adesão ao sistema de compensação de energia elétrica.
“Isso acaba criando um círculo vicioso, visto que a adesão de um prosumidor eleva a tarifa dos demais consumidores, aumentando o incentivo para que estes também façam a sua adesão, comprometendo a sustentabilidade do sistema elétrico brasileiro,” ponderou a ministra Ana Arraes, relatora do processo no TCU.
A microgeração distribuída é definida como central geradora de energia elétrica, com potência instalada menor ou igual a 75 kW e que utilize cogeração qualificada, conforme regulamentação da Aneel, ou fontes renováveis de energia elétrica, conectada na rede de distribuição por meio de instalações de unidades consumidoras.
Por sua vez, a minigeração distribuída é definida como central geradora de energia elétrica, com potência instalada superior a 75 kW e menor ou igual a 5 MW e que utilize cogeração qualificada, conforme regulamentação da Aneel, ou fontes renováveis de energia elétrica, conectada na rede de distribuição por meio de instalações de unidades consumidoras.
No Brasil, a geração distribuída de pequeno porte está fortemente concentrada na energia solar. Mais de 99% dos sistemas brasileiros utilizam esse tipo de fonte de energia primária. O 1% restante é composto por sistemas baseados em energia eólica, biomassa, pequenas centrais hidrelétricas ou em cogeração qualificada – processo que produz de forma combinada calor e energia mecânica para gerar eletricidade, por meio de centrais termelétricas.
Subsídios “nas costas” do consumidor
O consumidor brasileiro vai pagar R$ 19,8 bilhões em subsídios embutidos nas faturas de energia ao longo de 2021, pelos cálculos da Aneel. O órgão colocou em consulta pública o orçamento da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que engloba os principais encargos e subsídios do setor elétrico. Junto com os impostos, esses penduricalhos representam 48% da fatura. O valor da CDE, que em 2020 foi de R$ 21,9 bilhões, será de R$ 24,1 bilhões no ano que vem. Porém, a elevação da fatura começou em dezembro, porque a agência reativou o sistema de bandeiras tarifárias, que estava suspenso por conta da pandemia, e acionou a sinalização vermelha no patamar 2, com cobrança extra de R$ 6,243 a cada 100 quilowatts-hora consumidos.
Embora o orçamento previsto da CDE seja de R$ 24,1 bilhões para 2021, ao retirar o montante referente aos principais encargos, o valor dos subsídios, de R$ 19,8 bilhões, representa redução de 1% na comparação com o total pago pelos clientes neste ano, segundo a Aneel. Em relação aos valores de 2020, houve redução de 1,4% na previsão do custo das cotas anuais da CDE, o equivalente a R$ 273 milhões. “A redução dessas cotas não acontecia desde 2017. Ocorreu em função da Medida Provisória nº 998/2020, que definiu nova fonte de receita para a CDE, utilizando recursos dos Programas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e Eficiência Energética (EE) não executados ou comprometidos,” informou o órgão.
O presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, explicou que, embora ambos tenham impacto na conta de luz dos consumidores, subsídios e bandeiras são coisas distintas. “A bandeira sempre foi paga, com juros e correção monetária, porque, no aniversário da distribuidora, vinha no aumento autorizado de tarifa,” disse. A bandeira indica o custo da energia. “Modelos computacionais que simulam o sistema dizem, em função da demanda daquele momento, qual a ordem de acionamento das usinas. E vai ordenando do mais barato para o mais caro,” esclareceu.
As fontes mais baratas são hidrelétrica, eólica e solar. Porém, quando os reservatórios estão em níveis críticos, as termelétricas são acionadas, dependendo do combustível – carvão, óleo diesel, óleo combustível e gás natural –, sempre do mais barato para o mais caro. “O custo da fonte muda. Antes, ficava represado na distribuidora, que, hoje, pelo aumento da demanda e sem construção de grandes reservatórios, não têm caixa para bancar. Então as bandeiras indicam qual a condição de geração,” ressaltou. “O acionamento das bandeiras foi uma medida prudente. Sem isso, haveria pressão sobre o caixa das empresas e os consumidores receberiam esses custos no ano que vem, com juros e correção, sem terem tido a chance de controlar seu consumo”.
Além do custo da energia, tributos e encargos representam 48% da fatura que o consumidor paga todos os meses para ter eletricidade em casa, segundo estudo do Instituto Acende Brasil, em parceria com a PwC Brasil. “A CDE é um superencargo, por isso é feito um orçamento anual. Em 2019, foram 20,2 bilhões; em 2020, quase R$ 22 bilhões,” lembrou o presidente do instituto. Segundo ele, são vários subsídios. “É um modelo perverso, porque, ao ser rateada, a CDE atinge os mais carentes. Como a maior parte da população brasileira é de baixa renda, a fatura de energia tem um peso alto no orçamento,” disse.
A “dor” no bolso do cidadão
Veja os principais subsídios que você paga na conta de energia. A Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) engloba os principais encargos do setor elétrico e vai custar R$ 24,1 bilhões em 2021. Esses os principais penduricalhos dessa conta e o valor deles em 2020:
- Conta Consumo Combustíveis (CCC) — garante o combustível para as termelétricas do sistema isolado do Norte do país: R$ 7,5 bilhões
- Subsídio para fontes renováveis (eólica, biomassa, solar): R$ 5 bilhões
- Subsídio para consumidores de baixa renda: R$ 2,7 bilhões
- Subsídio ao setor rural: R$ 1,1 bilhão
Programa Luz para Todos — garante o investimento para levar energia a lugares remotos: R$ 1,14 bilhão.
Leia a íntegra da decisão do TCU: Acórdão 3.063/2020 – Plenário
Processo: TC 037.642/2019-7
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* Val-André Mutran – É correspondente do Blog do Blog do Zé Dudu em Brasília