Odilon de Oliveira, de 56 anos, estende o colchonete no piso frio da sala, puxa o edredom e prepara-se para dormir ali mesmo, no chão, sob a vigilância de sete agentes federais fortemente armados. Oliveira é juiz federal em Ponta Porã, cidade de Mato Grosso do Sul na fronteira com o Paraguai e, jurado de morte pelo crime organizado, está morando no fórum da cidade. Só sai quando extremamente necessário, sob forte escolta. Em um ano, o juiz condenou 114 traficantes a penas, somadas, de 919 anos e 6 meses de cadeia, e ainda confiscou seus bens. Como os que pôs atrás das grades, ele perdeu a liberdade. 'A única diferença é que tenho a chave da minha prisão.'
Traficantes brasileiros que agem no Paraguai se dispõem a pagar US$ 300 mil para vê-lo morto. Desde junho do ano passado, quando o juiz assumiu a vara de Ponta Porã, porta de entrada da cocaína e da maconha distribuídas em grande parte do País, as organizações criminosas tiveram muitas baixas.Nos últimos 12 meses, sua vara foi a que mais condenou traficantes no País.
Oliveira confiscou ainda 12 fazendas, num total de 12.832 hectares, 3 mansões - uma, em Ponta Porã, avaliada em R$ 5,8 milhões - 3 apartamentos, 3 casas, dezenas de veículos e 3 aviões, tudo comprado com dinheiro das drogas. Por meio de telefonemas, cartas anônimas e avisos mandados por presos, Oliveira soube que estavam dispostos a comprar sua morte.
'Os agentes descobriram planos para me matar, inicialmente com oferta de US$100 mil.' No dia 26 de junho, o jornal paraguaio Lá Nación informou que a cotação do juiz no mercado do crime encomendado havia subido para US$ 300 mil. 'Estou valorizado', brincou. Ele recebeu um carro com blindagem para tiros de fuzil AR-15 e passou a andar escoltado.
Para preservar a família, mudou-se para o quartel do Exército e em seguida para um hotel. Há duas semanas, decidiu transformar o prédio do Fórum Federal em casa. 'No hotel, a escolta chamava muito a atenção e dava despesa para a PF.' É o único caso de juiz que vive confinado no Brasil. A sala de despachos de Oliveira virou quarto de dormir. No armário de madeira, antes abarrotado de processos, estão colchonete, roupas de cama e objetos de uso pessoal. O banheiro privativo ganhou chuveiro. A família - mulher, filho e duas filhas, que ia mudar para Ponta Porã, teve de continuar em Campo Grande. O juiz só vai para casa a cada 15 dias, com seguranças. Oliveira teve de abrir mão dos restaurantes e almoça um marmitex, comprado em locais estratégicos, porque o juiz já foi ameaçado de envenenamento. O jantar é feito ali mesmo. Entre um processo e outro, toma um suco ou come uma fruta. 'Sozinho, não me arrisco a sair nem na calçada..'
Uma sala de audiências virou dormitório, com três beliches e televisão. Quando o juiz precisa cortar o cabelo, veste colete à prova de bala e sai com a escolta. 'Estou aqui há um ano e nem conheço a cidade.' Na última ida a um shopping, foi abordado por um traficante. Os agentes tiveram de intervir. Hora extra. Azar do tráfico que o juiz tenha de ficar recluso. Acostumado a deitar cedo e levantar de madrugada, ele preenche o tempo com trabalho. De seu 'bunker', auxiliado por funcionários que trabalham até alta noite, vai disparando sentenças. Como a que condenou o mega traficante Erineu Domingos Soligo, o Pingo, a 26 anos e 4 meses de reclusão, mais multa de R$ 285 mil e o confisco de R$ 2,4 milhões resultantes de lavagem de dinheiro, além da perda de duas fazendas, dois terrenos e todo o gado. Carlos Pavão Espíndola foi condenado a 10 anos de prisão e multa de R$ 28,6 mil. Os irmãos , condenados respectivamente a 21 anos de reclusão e multa de R$78,5 mil e 16 anos de reclusão, mais multa de R$56 mil, perderam três fazendas. O mega traficante Carlos Alberto da Silva Duro pegou 11 anos, multa de R$82,3 mil e perdeu R$ 733 mil, três terrenos e uma caminhonete. Aldo José Marques Brandão pegou 27 anos, mais multa de R$ 272 mil, e teve confiscados R$ 875 mil e uma fazenda.
Doze réus foram extraditados do Paraguai a pedido do juiz, inclusive o 'rei da soja' no país vizinho, Odacir Antonio Dametto, e Sandro Mendonça do Nascimento, braço direito do traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar. 'As autoridades paraguaias passaram a colaborar porque estão vendo os criminosos serem condenados.' O juiz não se intimida com as ameaças e não se rende a apelos da família, que quer vê-lo longe desse barril de pólvora. Ele é titular de uma vara em Campo Grande e poderia ser transferido, mas acha 'dever de ofício' enfrentar o narcotráfico. 'Quem traz mais danos à sociedade é mega traficante. Não posso ignorar isso e prender só mulas (pequenos traficantes) em troca de dormir tranqüilo e andar sem segurança.'
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Contra os bandidos, um homem de bem
Acompanho fatos relevantes a partir de abordagem jornalística, isenta e independente
Tribunal de Justiça do Pará protagoniza uma vergonha de corporativismo
Indignação e revolta é muito pouco para exprimir o que o seio da sociedade brasileira sente ao ser informada da decisão do Pleno de Desembargadores paraenses conforme informa quatro notas publicadas hoje no jornal Diário do Pará:
Pizza
Contrariando os votos da própria presidente Albanira Bemerguy e do corregedor das Comarcas do Interior, Constantino Guerreiro, 15 desembargadores do pleno do TJE sepultaram qualquer chance de punição à juíza Maria Clarice de Andrade, personagem no caso da menina L., encarcerada e estuprada por 20 presos na DP de Abaetetuba. A decisão transfere culpa única e exclusiva ao Executivo, sob o pretexto de que cabe ao governo a custódia de presos.
Reação
A decisão do Judiciário de isentar-se de um erro de Estado, com pecados espalhados da delegacia ao fórum, passando pelo Ministério Público e pela sociedade local, indignou o bispo de Abaetetuba, dom Flávio Giovenalle. De Itaici (SP), onde participa de reunião da CNBB, ele reagiu: “A juíza não estava sendo responsabilizada pela prisão, mas por omissão ao não cessar a custódia absurda, mesmo depois de notificada”. A mesma falha, por morosidade, segundo o bispo, deve ser atribuída ao MP. “É uma pena”, lastimou.
Decepção
Em Abaetetuba, o Conselho Tutelar, que denunciou a prisão ilegal de L. ao Ministério Público, também reagiu com indignação. A conselheira tutelar e testemunha Diva de Jesus Negrão Andrade, que fez a denúncia junto com as conselheiras Josiane da Costa e Maria Imaculada, disse por telefone estar decepcionada. “Espero que os órgãos de defesa de direitos humanos, infância e adolescência não deixem o caso morrer”, pediu. As três conselheiras pagam alto preço: ameaçadas, são também discriminadas na cidade.
Ação
Na OAB, a repercussão foi a pior possível. “Foi uma vergonha para o nosso Estado e um gesto de desprestígio do tribunal à sua presidente e ao seu corregedor que investigou o caso”, revoltou-se a presidente da Ordem, Ângela Sales, ao anunciar que protocola na próxima semana reclamação contra o tribunal no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A presidente da OAB promete protestar amanhã dentro do próprio tribunal, durante a solenidade de posse do desembargador Leonam Cruz Neto, eleito pelo quinto constitucional.
Cabe agora ao CNJ a reforma dessa decisão aviltante.
Pizza
Contrariando os votos da própria presidente Albanira Bemerguy e do corregedor das Comarcas do Interior, Constantino Guerreiro, 15 desembargadores do pleno do TJE sepultaram qualquer chance de punição à juíza Maria Clarice de Andrade, personagem no caso da menina L., encarcerada e estuprada por 20 presos na DP de Abaetetuba. A decisão transfere culpa única e exclusiva ao Executivo, sob o pretexto de que cabe ao governo a custódia de presos.
Reação
A decisão do Judiciário de isentar-se de um erro de Estado, com pecados espalhados da delegacia ao fórum, passando pelo Ministério Público e pela sociedade local, indignou o bispo de Abaetetuba, dom Flávio Giovenalle. De Itaici (SP), onde participa de reunião da CNBB, ele reagiu: “A juíza não estava sendo responsabilizada pela prisão, mas por omissão ao não cessar a custódia absurda, mesmo depois de notificada”. A mesma falha, por morosidade, segundo o bispo, deve ser atribuída ao MP. “É uma pena”, lastimou.
Decepção
Em Abaetetuba, o Conselho Tutelar, que denunciou a prisão ilegal de L. ao Ministério Público, também reagiu com indignação. A conselheira tutelar e testemunha Diva de Jesus Negrão Andrade, que fez a denúncia junto com as conselheiras Josiane da Costa e Maria Imaculada, disse por telefone estar decepcionada. “Espero que os órgãos de defesa de direitos humanos, infância e adolescência não deixem o caso morrer”, pediu. As três conselheiras pagam alto preço: ameaçadas, são também discriminadas na cidade.
Ação
Na OAB, a repercussão foi a pior possível. “Foi uma vergonha para o nosso Estado e um gesto de desprestígio do tribunal à sua presidente e ao seu corregedor que investigou o caso”, revoltou-se a presidente da Ordem, Ângela Sales, ao anunciar que protocola na próxima semana reclamação contra o tribunal no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A presidente da OAB promete protestar amanhã dentro do próprio tribunal, durante a solenidade de posse do desembargador Leonam Cruz Neto, eleito pelo quinto constitucional.
Cabe agora ao CNJ a reforma dessa decisão aviltante.
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Da medíocridade ao cargo vitalício
Da Série "Bem Brasil!".
Magistratura não é emprego
Antônio Cláudio Mariz de Oliveira
O candidato ao quinto constitucional preencheu com cuidado e exatidão todos os dados constantes na ficha de inscrição. Deu ao ato importância e alguma solenidade. Afinal, ele estava dando o primeiro passo para se tornar juiz de Direito.
Formou-se, concretizando um sonho cuja realização lhe parecia uma utopia. No entanto, conseguiu. E, confessa, os esforços não foram tão grandes. Para pagar o curso, sim, esses foram imensos. Recebeu a ajuda do pai e até de alguns parentes. Não encontrou, na verdade, grandes dificuldades para entrar e para sair da faculdade. Pouco ou nada estudava, mas passava de ano. Ouviu dizer que o interesse das faculdades era que as vagas fossem abertas. Por tal razão, as reprovações praticamente inexistiam. Com faltas abonadas e notas dadas, o curso foi galhardamente concluído.
Seus colegas diziam que o mercado de trabalho estava saturado. Abrir um escritório próprio estava fora de cogitação. Poderia até pensar em obter um financiamento bancário ou um adiantamento de salário para os primeiros alugueres e para os móveis. Mas, e depois, como manteria a sua família? Quem iria procurá-lo, se até os mais íntimos e ele próprio não acreditavam em sua capacidade profissional?
Tomou conhecimento da existência de um convênio mantido pela OAB com o governo do Estado, pelo qual os advogados prestavam assistência aos carentes. Mas, quando soube da remuneração, desistiu. Variava de R$ 800 a R$ 1.500 por mês. Mesmo assim, perto de 50 mil advogados estavam inscritos e, para boa parte, essa era a remuneração de subsistência.
Os anos se passaram até que foi alertado para a possibilidade de se tornar juiz de Direito. Mas jamais passaria no concurso. Sua aprovação no Exame da Ordem se deu porque o prestou em outro Estado e, posteriormente, requereu sua transferência para a O AB de São Paulo.
Quem lhe deu a idéia da magistratura esclareceu que não se estava referindo a concurso. Falava, sim, do quinto constitucional. O mesmo conhecido explicou-lhe do que se tratava.
Como seu maior desejo era mesmo ter segurança financeira, aposentadoria, as benesses que imaginava existirem e o status de juiz, ao preencher na OAB a ficha de inscrição para o quinto, fez questão de colocar, quanto à remuneração, para demonstrar desapego e desprendimento, "salário a combinar"!
A narrativa acima é ficção, salvo a parte final, a do salário. Essa é real. Ocorreu.
A situação contada é ficcional, embora retrate com exatidão a realidade do ensino jurídico ministrado em inúmeras faculdades, bem como reproduz a trágica situação de expressivo número de advogados. Ademais, mostra como o quinto constitucional está sendo encarado nos dias de hoje.
Um quinto das vagas dos tribunais será preenchido por advogados de notório saber jurídico e reputação ilibada e por membros do Ministério Público. A partir da Constituição de 1988, a Ordem passou a ter a atribuição de escolher uma lista sêxtupla, a ser submetida ao Poder Judiciário, para a elaboração de uma lista tríplice a ser encaminhada ao chefe do Poder Executivo, que nomeará o novo integrante da magistratura.
Antes, a escolha era feita pelos próprios tribunais, que convidavam advogados de destaque e projeção para integrarem a lista que seria enviada ao Executivo. Como se vê, os advogados não se candidatavam a uma vaga, eram convidados, e tal convite representava uma homenagem ao profissional que se consagrara após anos e anos de militância impecável, ética e tecnicamente. Note-se que, dessa forma, os tribunais chamavam a si a responsabilidade pela escolha.
Sem embargo de excelentes magistrados que o foram pelo quinto constitucional após 1988, o sistema atual possibilita ao advogado, apenas preenchido o requisito mínimo do tempo de militância - dez anos -, oferecer-se para ser juiz.
Vários candidatos, durante todos esses anos, pleitearam o quinto constitucional, após terem sido reprovados em vários concursos de ingresso na magistratura. Escolheram as portas do fundo dos tribunais para neles penetrarem.
Note-se que o requisito da reputação ilibada e do notório saber jurídico constitui letra morta. O candidato, em geral motivado pela real oportunidade de "se acertar" profissionalmente, não será o juiz desses requisitos, até porque, em regra, é desprovido de autocrítica.
Nova ressalva deve ser feita: vários candidatos ao quinto, alguns hoje magistrados, têm senso crítico; estavam e estão preparados para o mister de julgar e não estavam à cata de emprego.
Poder-se-á dizer que os critérios da reputação e do saber jurídico são aferidos pela Ordem, especialmente na audiência pública que promove para sabatinar os candidatos.
No entanto, não é isso que ocorre. E o problema não se circunscreve a esta ou àquela seccional, é nacional. Ademais, não é novo, surgiu com a alteração do sistema. Na verdade, a Ordem nada ou pouco avalia, pela simples razão de que o critério que impera é quase exclusivamente o político. Quem for amigo do rei entra na lista, quem não for, bem, esse deve aguardar a próxima gestão.
A escolha transformou-se em disputa eleitoral . Pede-se voto, cabala-se, grupos são organizados a favor deste ou daquele candidato. As lideranças testam o seu prestígio. Mas se nota que há um requisito precedente e inafastável: o candidato deve pertencer ao grupo político da situação ou este deve querer cooptá-lo. Preenchido esse critério, escolhe-se para se fazerem composições políticas ou para comemorar ajustes de amizade.
A magnitude da função jurisdicional e a relevância da advocacia como instituição indispensável à administração da justiça devem constituir motivos suficientes para que os dirigentes da Ordem afastem os critérios vigentes e rigorosamente atestem o notório saber e a reputação ilibada. Caso contrário, melhor será a volta ao sistema anterior, com a alteração da Carta, isso se quisermos manter o quinto constitucional.
Antônio Cláudio Mariz de Oliveira é advogado criminal
Publicado no Jornal O Estado de S. Paulo (02/04/2008)
Magistratura não é emprego
Antônio Cláudio Mariz de Oliveira
O candidato ao quinto constitucional preencheu com cuidado e exatidão todos os dados constantes na ficha de inscrição. Deu ao ato importância e alguma solenidade. Afinal, ele estava dando o primeiro passo para se tornar juiz de Direito.
Formou-se, concretizando um sonho cuja realização lhe parecia uma utopia. No entanto, conseguiu. E, confessa, os esforços não foram tão grandes. Para pagar o curso, sim, esses foram imensos. Recebeu a ajuda do pai e até de alguns parentes. Não encontrou, na verdade, grandes dificuldades para entrar e para sair da faculdade. Pouco ou nada estudava, mas passava de ano. Ouviu dizer que o interesse das faculdades era que as vagas fossem abertas. Por tal razão, as reprovações praticamente inexistiam. Com faltas abonadas e notas dadas, o curso foi galhardamente concluído.
Seus colegas diziam que o mercado de trabalho estava saturado. Abrir um escritório próprio estava fora de cogitação. Poderia até pensar em obter um financiamento bancário ou um adiantamento de salário para os primeiros alugueres e para os móveis. Mas, e depois, como manteria a sua família? Quem iria procurá-lo, se até os mais íntimos e ele próprio não acreditavam em sua capacidade profissional?
Tomou conhecimento da existência de um convênio mantido pela OAB com o governo do Estado, pelo qual os advogados prestavam assistência aos carentes. Mas, quando soube da remuneração, desistiu. Variava de R$ 800 a R$ 1.500 por mês. Mesmo assim, perto de 50 mil advogados estavam inscritos e, para boa parte, essa era a remuneração de subsistência.
Os anos se passaram até que foi alertado para a possibilidade de se tornar juiz de Direito. Mas jamais passaria no concurso. Sua aprovação no Exame da Ordem se deu porque o prestou em outro Estado e, posteriormente, requereu sua transferência para a O AB de São Paulo.
Quem lhe deu a idéia da magistratura esclareceu que não se estava referindo a concurso. Falava, sim, do quinto constitucional. O mesmo conhecido explicou-lhe do que se tratava.
Como seu maior desejo era mesmo ter segurança financeira, aposentadoria, as benesses que imaginava existirem e o status de juiz, ao preencher na OAB a ficha de inscrição para o quinto, fez questão de colocar, quanto à remuneração, para demonstrar desapego e desprendimento, "salário a combinar"!
A narrativa acima é ficção, salvo a parte final, a do salário. Essa é real. Ocorreu.
A situação contada é ficcional, embora retrate com exatidão a realidade do ensino jurídico ministrado em inúmeras faculdades, bem como reproduz a trágica situação de expressivo número de advogados. Ademais, mostra como o quinto constitucional está sendo encarado nos dias de hoje.
Um quinto das vagas dos tribunais será preenchido por advogados de notório saber jurídico e reputação ilibada e por membros do Ministério Público. A partir da Constituição de 1988, a Ordem passou a ter a atribuição de escolher uma lista sêxtupla, a ser submetida ao Poder Judiciário, para a elaboração de uma lista tríplice a ser encaminhada ao chefe do Poder Executivo, que nomeará o novo integrante da magistratura.
Antes, a escolha era feita pelos próprios tribunais, que convidavam advogados de destaque e projeção para integrarem a lista que seria enviada ao Executivo. Como se vê, os advogados não se candidatavam a uma vaga, eram convidados, e tal convite representava uma homenagem ao profissional que se consagrara após anos e anos de militância impecável, ética e tecnicamente. Note-se que, dessa forma, os tribunais chamavam a si a responsabilidade pela escolha.
Sem embargo de excelentes magistrados que o foram pelo quinto constitucional após 1988, o sistema atual possibilita ao advogado, apenas preenchido o requisito mínimo do tempo de militância - dez anos -, oferecer-se para ser juiz.
Vários candidatos, durante todos esses anos, pleitearam o quinto constitucional, após terem sido reprovados em vários concursos de ingresso na magistratura. Escolheram as portas do fundo dos tribunais para neles penetrarem.
Note-se que o requisito da reputação ilibada e do notório saber jurídico constitui letra morta. O candidato, em geral motivado pela real oportunidade de "se acertar" profissionalmente, não será o juiz desses requisitos, até porque, em regra, é desprovido de autocrítica.
Nova ressalva deve ser feita: vários candidatos ao quinto, alguns hoje magistrados, têm senso crítico; estavam e estão preparados para o mister de julgar e não estavam à cata de emprego.
Poder-se-á dizer que os critérios da reputação e do saber jurídico são aferidos pela Ordem, especialmente na audiência pública que promove para sabatinar os candidatos.
No entanto, não é isso que ocorre. E o problema não se circunscreve a esta ou àquela seccional, é nacional. Ademais, não é novo, surgiu com a alteração do sistema. Na verdade, a Ordem nada ou pouco avalia, pela simples razão de que o critério que impera é quase exclusivamente o político. Quem for amigo do rei entra na lista, quem não for, bem, esse deve aguardar a próxima gestão.
A escolha transformou-se em disputa eleitoral . Pede-se voto, cabala-se, grupos são organizados a favor deste ou daquele candidato. As lideranças testam o seu prestígio. Mas se nota que há um requisito precedente e inafastável: o candidato deve pertencer ao grupo político da situação ou este deve querer cooptá-lo. Preenchido esse critério, escolhe-se para se fazerem composições políticas ou para comemorar ajustes de amizade.
A magnitude da função jurisdicional e a relevância da advocacia como instituição indispensável à administração da justiça devem constituir motivos suficientes para que os dirigentes da Ordem afastem os critérios vigentes e rigorosamente atestem o notório saber e a reputação ilibada. Caso contrário, melhor será a volta ao sistema anterior, com a alteração da Carta, isso se quisermos manter o quinto constitucional.
Antônio Cláudio Mariz de Oliveira é advogado criminal
Publicado no Jornal O Estado de S. Paulo (02/04/2008)
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Magistratura
Acompanho fatos relevantes a partir de abordagem jornalística, isenta e independente
Outras questões para o CNJ
A criação do Conselho Nacional da Justiça (CNJ) é uma conquista da sociedade brasileira que se ressentia, com razão, da verdadeira "caixa preta" em que o judiciário era adjetivado pela população.
O CNJ é um órgão integrante do Poder Judiciário, controla a sua atuação administrativa e financeira, bem como o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. Ou seja, é um órgão administrativo integrante da própria magistratura, esclarece o próprio site da entidade.
Sua criação é recente, data de 31 de dezembro de 2004. É presidido pelo presidente (a) do STF que indica os 15 conselheiros, que devem ser aprovados pelo Senado e então nomeados pelo Presidente da República.
Como cidadão discordo desse critério.
O saber jurídico de advogados, mestres, doutores, juízes, desembargadores, supostamente detentores de incontestável saber jurídico não pode ser critério único na escolha dos 15 conselheiros.
Não me parece convincente o critério embutido na escolha, certamente, política dessas indicações. O critério prevalente deveria ser o da eleição direta, democrática. Não basta o saber. É necessário visão humanista, realista de um mundo em permanente interpretação e atualização da subjetividade da missão implícita no CNJ, não somente da regra jurídica, mas, sobretudo, da necessidade do ser humano, sua razão de existir e, especialmente na correção da conduta ética dos membros da magistratura.
Nos Estados Unidos, por exemplo, essa prática é adotada desde a Independência daquele país.
Do Xerife ao Procurador-Geral, cargos do judiciário mais próximos à população, são eleitos pelos concidadões de cada Distrito, Condado e Estado.
Cabe ao presidente a escolha dos membros da Suprema Corte, no que concordo.
Se falta legislação para o Brasil adotar essa prática, que venha. Será muito bem recebida.
O CNJ é um órgão integrante do Poder Judiciário, controla a sua atuação administrativa e financeira, bem como o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. Ou seja, é um órgão administrativo integrante da própria magistratura, esclarece o próprio site da entidade.
Sua criação é recente, data de 31 de dezembro de 2004. É presidido pelo presidente (a) do STF que indica os 15 conselheiros, que devem ser aprovados pelo Senado e então nomeados pelo Presidente da República.
Como cidadão discordo desse critério.
O saber jurídico de advogados, mestres, doutores, juízes, desembargadores, supostamente detentores de incontestável saber jurídico não pode ser critério único na escolha dos 15 conselheiros.
Não me parece convincente o critério embutido na escolha, certamente, política dessas indicações. O critério prevalente deveria ser o da eleição direta, democrática. Não basta o saber. É necessário visão humanista, realista de um mundo em permanente interpretação e atualização da subjetividade da missão implícita no CNJ, não somente da regra jurídica, mas, sobretudo, da necessidade do ser humano, sua razão de existir e, especialmente na correção da conduta ética dos membros da magistratura.
Nos Estados Unidos, por exemplo, essa prática é adotada desde a Independência daquele país.
Do Xerife ao Procurador-Geral, cargos do judiciário mais próximos à população, são eleitos pelos concidadões de cada Distrito, Condado e Estado.
Cabe ao presidente a escolha dos membros da Suprema Corte, no que concordo.
Se falta legislação para o Brasil adotar essa prática, que venha. Será muito bem recebida.
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