Entrevista - Wangari Muta Maathai
Nobel da Paz em 2004, ambientalista queniana diz ao Correio que o mundo deve mudar de hábitos para preservar a natureza
É como se de cada galho das 40 milhões de árvores plantadas pela queniana Wangari Muta Maathai brotassem a paz, os direitos humanos, a igualdade de renda, a harmonia entre os povos. Aos 68 anos, a ambientalista e ativista política entrou para a história após se tornar a primeira africana a receber o Prêmio Nobel da Paz, uma das mais importantes distinções da humanidade. "Maathai se coloca à frente da luta para promover, na área da ecologia, o desenvolvimento cultural, econômico e social viável no Quênia e na África (.) Ela pensa globalmente e age localmente (.) E representa um exemplo e uma fonte de inspiração para todos na luta da África pelo desenvolvimento sustentável, pela democracia e pela paz." Dessa forma, o Comitê Nobel Norueguês justificou ter escolhido a professora queniana para receber a honraria, em 2004. Ex-ministra assistente para o meio ambiente e recursos naturais, Wangari Maathai fundou, em 1977, o Movimento GreenBelt, ONG que fez do replantio a principal arma para conter a erosão do solo e implantar na população a consciência ecológica. Seu trabalho foi tão reconhecido no continente africano e no mundo que ela ganhou o apelido de "Mulher-Árvore da África". Em passagem pelo Japão, Wangari Maathai falou com exclusividade ao Correio Braziliense, por telefone. Simpática, ela forneceu idéias sobre como proteger o meio ambiente, defendeu a preservação da Floresta Amazônica e pediu ao mundo que ouça os alertas dos cientistas.
"A paz depende do meio ambiente"
Como é possível deter a destruição do meio ambiente, interromper o aquecimento global e priorizar a preservação ecológica?
Há muitas coisas que podem ser feitas pelos seres humanos. As pessoas podem mudar seus hábitos, como dirigir menos carros, não usar combustíveis fósseis, investir em biocombustíveis. Creio que antecipei minha resposta, pois há muito a ser feito.
Podemos dizer que o meio ambiente está em estado terminal? Enfrentamos um colapso dos recursos naturais?
Eu não creio que possamos dizer que estamos enfrentando uma catástrofe. Mas se quisermos ouvir os cientistas, eles estão nos dizendo que precisamos fazer algo muito sério e muito rapidamente na tentativa de parar com o aquecimento global. Nós vemos os furacões, as secas, o derretimento das geleiras e das neves... No meu país, o Quênia, por exemplo, vemos a neve derretendo sobre Monte Kilimanjaro. Outro fenômeno atual é a drenagem dos rios, que a cada dia estão secando. Também presenciamos a perda de lavouras de grãos. Mas acredito que todo esse processo está apenas no início, ainda que seja urgente agir. É muito importante escutarmos o que os cientistas estão nos dizendo.
A senhora ficou famosa pelo fato de ter plantado milhões de árvores e liderado uma campanha contra o desmatamento no Quênia. Como tem sido esse trabalho?
Eu vejo que plantar árvores dentro do GreenBelt Movement foi como fazer uma assinatura, uma introdução de uma idéia que tive sobre a necessidade de vivermos em paz uns com os outros. Para vivermos em paz, é preciso gerenciarmos nossos recursos naturais. Precisamos cuidar do meio ambiente, e partilhar os recursos que temos no meio ambiente. De um modo prático, nós temos tanta pobreza no mundo enquanto poucas pessoas são muito, muito ricas. Não somos capazes de gerenciar esses recursos por nós mesmos, mas precisamos de um sistema político que torne isso possível. Isso não se refere apenas ao Quênia, nosso país, mas é um prática aplicável em todo o mundo. Na atualidade, estamos falando muito sobre mudanças climáticas. E sabemos que as pessoas que estão usando muitos recursos bombeiam gases de efeito estufa na atmosfera, o que é algo injusto para o resto mundo. A igualdade na distribuição de renda, os direitos humanos e o espaço político são todos muito importantes. Espero que mais pessoas participem desse projeto, a fim de promoverem um mundo mais justo e onde haja mais igualdade social. Nós já plantamos mais de 40 milhões de árvores na África.
Como atingir o desenvolvimento sustentável sem destruir a natureza?
Acho que nós temos visto que se investirmos em tecnologia é possível produzir sem poluir o meio ambiente. E é possível para nós limpar, ao invés de sujar, de poluir. Também é possível usar apenas recursos dos quais precisamos, ao invés de desperdiçarmos esses recursos, como fazemos algumas vezes. Acredito que o conceito de "usar, reduzir e reciclar" é muito importante para sermos capazes de nos desenvolver sem destruirmos o meio ambiente.
Qual é a importância da Floresta Amazônica para o planeta? E como a senhora analisa o tratamento dispensado pelo Brasil a esse bioma?
Muitas pessoas no mundo sabem que a Floresta Amazônica é a maior floresta do planeta. Trata-se de uma grande bolha de biodiversidade. Ela também está ligada diretamente às mudanças climáticas, por ser uma grande fonte de seqüestro de carbono. Por isso, ela é extremamente importante para o mundo. Eu gostaria de dizer que o governo brasileiro está muito ciente disso e tem tentado se assegurar que vai responder às preocupações do mundo. A floresta não é importante apenas para o Brasil, mas para todo o mundo. Mas também sabemos que o Brasil está sob intensa pressão de pessoas que querem usar a Amazônia para a agricultura.
O governo brasileiro estuda criar uma Guarda Nacional para proteger a Floresta Amazônica. A senhora concorda com isso?
Eu acho que o governo algumas vezes pensa estar fazendo a melhor coisa, mas um dos problemas é que a pressão sobre a Amazônia não vem apenas do Brasil. Ela vem também de outros grupos de interesse de fora do Brasil. Precisamos aumentar bastante a consciência, para que mais e mais pessoas se preocupem mais com a floresta. Por exemplo: pessoas que querem transformar a mata em lenha... Os brasileiros podem decidir não mais comprar móveis procedentes da madeira amazônica e que provêm de uma forma não sustentável de economia. O governo brasileiro deveria fazer o que pudesse para proteger a floresta, inclusive punir pessoas que pratiquem o desmatamento ilegal.
O que mudou no mundo desde que o Prêmio Nobel da Paz foi dado à senhora, ao IPCC (painel da ONU sobre mudanças climáticas) e ao ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore?
O Nobel da Paz ajudou o mundo a compreender a importância do meio ambiente. E entender que o meio ambiente não pode ser protegido de modo isolado. Ele deve ser visto no contexto de como nós governamos a nós mesmos. E como apoiamos nossas próprias vidas. Em outras palavras, não estamos pedindo que o meio ambiente seja apoiado para que as pessoas morram. Queremos proteger o meio ambiente. A conexão entre o meio ambiente, o governo e a paz se tornou muito mais clara desde que ganhei o Nobel. Os dois outros prêmios dados ao banqueiro Muhammad Yunus (o banqueiro pai do microcrédito) e a Al Gore enfatizaram a necessidade de igualdade e das mudanças climáticas.
Que nações mais prejudicam a natureza em grande escala?
Como a senhora vê o compromisso dos Estados Unidos com o assunto?
Quero dizer que o mundo inteiro espera que os Estados Unidos forneçam liderança e cooperação com o resto do mundo. Isso porque os EUA são os maiores consumidores e os principais poluidores do planeta. Por isso, eles têm responsabilidade para com o mundo, de reduzir as emissões de gases de efeito estufa, investir em tecnologia que ajude a mitigar os efeitos das mudanças climáticas e auxiliar países em desenvolvimento a responder aos temas mitigação e adaptação ao aquecimento global.
Que mensagem a senhora deixaria aos leitores do Correio?
A mensagem que eu deixaria é a seguinte: lembrem-se que o meio ambiente pode viver sem nós, mas nós não podemos viver sem o meio ambiente.
Fonte: Correio Braziliense