Os índios e o ProUni
Lúcio Vaz
Estudantes indígenas querem que Ministério Público investigue possível fraude na concessão de bolsas do programa, conforme mostrou ontem reportagem do Correio, reproduzida por este blog
Cerca de 30 estudantes indígenas matriculados em centros de ensino superior de Brasília deverão apresentar hoje ao Ministério Público Federal (MPF) um pedido de investigação sobre possíveis irregularidades na concessão de bolsas do Programa Universidade para Todos (ProUni), como apontou ontem o Correio. A reportagem mostrou casos de estudantes que se autodeclararam indígenas e foram contemplados pelo programa, mas agora negam ser descendentes ou mesmo que tenham feito a autodeclaração.
O índio Eli Ticuna, aluno de administração, está organizando a reunião dos estudantes. Ele afirma que já estava sendo preparada uma conferência para discutir as políticas de educação indígena. Eli lamentou os fatos revelados pela reportagem: “Isso é lamentável para a gente. Uma das nossas preocupações é como a gente pode influenciar em relação aos programas de educação superior para indígenas. Para a gente, tudo isso é muito triste”.
Segundo dados do Ministério da Educação, o ProUni mantém atualmente cerca de 385 mil bolsas, sendo 961 reservadas para indígenas (0,2% do total). Para ganhar a bolsa, porém, o estudante precisa também cumprir a primeira exigência do programa: renda familiar per capita de um salário mínimo e meio para bolsa integral e renda de até três salários mínimos para bolsas parciais de 50% e 25%. A coordenação do ProUni afirma que a autodeclaração é prevista na lei que criou o programa em 2005.
Indignação
A organização não-governamental Atini, que trabalha na defesa dos direitos das crianças e jovens indígenas, manifestou ontem “indignação com mais essa injustiça”, referindo-se à reportagem do Correio. “Acompanho de perto a luta destes jovens, que buscam com tanta dificuldade oportunidades para seu desenvolvimento pessoal. A única esperança que temos de um indigenismo justo e digno é por meio do investimento na educação desses jovens. É lamentável que a Funai, ao invés de garantir que o benefício chegue até eles, se omita e até facilite esse tipo de esquema”, afirmou Márcia Suzuki, representante da Atini.
O índio Davi Terena, presidente do Instituto Americano da Cultura Indígena do Brasil, revelou ontem que foi o autor da denúncia que resultou na apresentação de um requerimento de informação pelo deputado Pastor Reinaldo (PTB-RS) ao então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, em 2005. Foi a partir desse requerimento que surgiram as informações que permitiram a apuração dos indícios de irregularidades na concessão de bolsas.
“Desconfiamos porque a maior parte dos estudantes indígenas não estava sendo beneficiada pelo ProUni. Pedimos que o deputado apresentasse o requerimento ao Ministério da Justiça. A Funai fez a pesquisa, mas ficou tudo por isso mesmo. A denúncia ficou esquecida”, comentou Terena ontem. Ele disse que reapresentou a denúncia ao MPF no ano passado. A Procuradoria da Defesa do Direito do Cidadão teria realizado uma audiência pública com estudantes indígenas. Terena participou, mas ainda não sabe do resultado das investigações.
Leilão de "boi pirata" adiado novamente
Doha não morreu
O multilateralismo sobreviverá à decepção
Mark Twain ao ler, em vida e com saúde, seu obituário disse: "As notícias da minha morte são exageradas" Assim também as profecias de que a OMC e a Rodada de Doha estão liquidadas e enterradas me parecem pelo menos prematuras e, quase certamente, equivocadas.
Minha convicção é a de que a Organização Mundial do Comércio e o multilateralismo que ela expressa sobreviverão ao desapontamento e à frustração que o colapso da rodada de Doha, nos últimos dias, representou para a opinião pública internacional e para numerosos atores, públicos e privados, que tinham posto suas esperanças em que as negociações então em curso chegariam a bom porto.
Há, acredito, uma quase liturgia que faz com que cada sucessiva rodada sobre o comércio internacional dure bem mais do que se previa inicialmente, entre em colapso uma ou várias vezes ao longo do caminho e que, completada, produza resultados aquém dos esperados o que faz com que cada uma, carregue em seu bojo um novo ciclo de negociações que, por sua vez, prometerá muito e produzirá bem menos do que se esperava. Assim tem sido a construção, ao longo das rodadas sucessivas: Tóquio, Kennedy, Uruguai e agora Doha do delicado processo de procurar melhor regular o comércio internacional de bens, serviços e as complexidades da questão da propriedade intelectual.
Doha nasce em 2001 com as esperanças do novo milênio,, com o trauma do 11 de setembro e a esperança de que a agricultura até então negligenciada nas rodadas anteriores seria, por fim, o objeto de uma atenção prioritária em benefício, sobretudo, dos países em desenvolvimento.
A rodada , desde seu inicio, revelou as imensas complexidades de um mundo agora verdadeiramente multipolar e sem que exista um só bloco que possa exercer ação decisiva. Os EUA continuaram a ser a superpotência isolada, a União Européia mostrou seu poder e sua resistência a mudanças, a Rússia, a China a Índia e o Brasil foram atores de primeira grandeza e tinham, imensos interesses em jogo. Austrália e Canadá ficavam logo atrás e outros grandes atores fizeram sentir o seu peso. A agricultura importa muito para todos e envolve o âmago mesmo de cada sociedade e seus mais profundos sentimentos de identidade nacional.
As alianças desde as mais permanentes até aquelas mais tópicas e circunstanciais que a própria negociação comercial promove se revelaram , no final das contas, incapazes de resistir aos imperativos de cada interesse nacional que predominaram, em vários momentos e triunfaram, f inalmente, na etapa que se pretendia decisiva, sobre as conveniências de ações acertadas com parceiros próximos e afins.
Acredito que se a desavença final não tivesse sido sobre a questão das chamadas "salvaguardas especiais" algum outro ponto teria surgido para que, em torno dele se cristalizassem resistências momentaneamente insuperáveis. A vez e a hora de Doha não haviam ainda chegado. Vamos ter que esperar que a vida internacional , na sua permanente evolução, crie as condições para que os obstáculos hoje intransponíveis sejam ultrapassados e novos e fluidos contratos, sempre com equilíbrio precário, sejam negociados pela sociedade internacional.
A suspensão das negociações ocorrida em Genebra trará prejuízos para o comércio global acho que esses prejuízos não serão catastróficos -- ou mesmo excessivamente pesados - para o comércio internacional que deverá continuar a crescer embora não, talvez, nos mesmos índices elevados do passado recente. Não quer dizer isso que não seja importante e mesmo urgente por de novo o bloco na rua e ir buscar um novo patamar de acomodação entre muitos grandes atores hoje mais lúcidos sobre a natureza e o alcance de seus interesses e mais independentes e vigorosos na defesa de suas posições
Se, por um lado, não vejo um claro perdedor por outro não identifico ganhadores com o que aconteceu em Genebra. O insucesso não é , evidentemente, bom para o sistema multilateral e para os seus principais sócios. Mesmo a China e a Índia que, no fim, fincaram o pé e os Estados Unidos, que já em fase pré-eleitoral, não fez tudo que dele se esperava não saem vitoriosos do exercício. Todos sabem que terão que retoma-lo, mais dia menos dia, e a prolongada pausa que o colapso produziu terá que ser utilizada para que se encontrem novos esquemas e se proponham novos "trade offs"que permitam, na próxima tentativa, fechar com sucesso o jogo agora interrompido.
Embora se fale de novos encontros já logo em setembro uma visão mais realista sugere que haverá que dar tempo para que uma nova administração se instale em Washington e que as lições de agora sejam processadas e assimiladas por todos pelo que imagino um hiato que talvez nos leve até o segundo semestre de 2009 ou talvez mesmo o começo de 2010. Restará ainda saber se tudo o que até agora já estava alinhavado em Doha resistirá a essa longa pausa ou se será preciso, de uma maneira ou de outra recomeçar tudo da estaca zero.
Haverá agora um renovado interesse, diante do insucesso global - em procurar os caminhos das negociações bilaterais e dos arranjos regionais. Tudo isso .é bom e necessário mas como o tempo mostrará, não e o bastante para substituir o insucesso em escala mundial. Talvez ao Brasil se possa fazer a crítica de ter, nos últimos anos, colocado ovos demais na cesta multilateral . Podemos e devemos agora andar mais por caminhos periféricos embora ache que, no essencial, está certa nossa opção preferencial pelo fortalecimento da matriz multilateral.
O Brasil não sai mal do exercício. As perdas que podemos sofrer pelo insucesso da rodada não serão grandes e podem ser compensadas. Tivemos atuação de alta visibilidade e nela confirmamos o nosso status como uma grande potência emergente. Porque tínhamos muitas - e boas - cartas para jogar pudemos ser flexíveis e construtivos.
O G-20 - nos limites do que podia foi útil e convém não abandoná-lo. Também o foi o Mercosul embora seja leito estreito para a dimensão e diversificação dos interesses brasileiros.. O problema é que nas questões fundamentais do comercio mundial o Brasil vai além dos grupos que integra e isso também é verdade sobre os outros grandes negociadores nacionais.
A pausa que agora começa não sugere nem recomenda inércia. Em vários e importantes tabuleiros o Brasil deve continuara a jogar e ser pragmaticamente criativo e oportunista, Há muita coisa que devemos fazer para nos tornar mais competitivos e muito isso não depende da OMC ou do destino das negociações globais.
O que continuará a ser difícil é o cálculo das prioridades dos nosso interesses. Não resta dúvida de que, nos próximos anos, devemos continuar a luta contra o protecionismo agrícola. Mas não podemos esquecer interesses nossos crescentes como uma potência industrial cada vez mais atuante na área da produção de bens de alto valor agregado e de serviços. Calcular o peso de nossos interesses relativos e procurar saber até que ponto os nossos objetivos atuais continuarão a ser nossas prioridades futuras requer muita informação. muita previsão e...um pouco de sorte.
(Marcos Castrioto de Azambuja - Vice-Presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri))
Boi pirata está só pele e osso
O rebanho já perdeu mais de 200 cabeças e continua perdendo peso por falta de pasto
O gado apreendido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na Fazenda Lourilândia, na Estação Ecológica da Terra do Meio, no oeste do Pará, já começa a sentir os efeitos da estiagem e de falta de manejo, como a separação de acordo com a idade e características físicas do animal para colocá-lo nos pastos adequados as suas necessidades de alimentação.
Outro fator que causa a perda de peso é a concentração de todo o rebanho nas pastagens ao redor da sede da propriedade. O adensamento de gado no local esgotou rapidamente a pastagem e, na falta do capim, as reses comem folhas. “Algumas delas são tóxicas”, informou o coordenador da Operação Boi Pirata, do Ibama, Weber Rodrigues Alves.
O próximo leilão – 4º desde a apreensão – está marcado para o próximo dia 6 de agosto.
Personalidades nacionais: Barbosa Lima Sobrinho
O primeiro filmete mostra a trajetória do grande advogado e jornalista brasileiro fundador da Associação Brasileira de Imprensa, Barbosa Lima Sobrinho.
Fogo amigo contra a produção brasileira
Na coluna Radar de Veja deste final de semana, resume a questão:
Em polvorosa
Os ruralistas estão assustados com Carlos Minc. O que eles temem é o decreto assinado por Lula há duas semanas regulamentando a Lei de Crimes Ambientais.
A lei já existia, mas só agora foram definidas as punições. De acordo com o texto legal, 20% de todas as propriedades rurais precisam ser de vegetação nativa, mesmo as que hoje são integralmente dedicadas à produção.
A Confederação Nacional da Agricultura promete entrar com ação de inconstitucionalidade no STF. Pelas contas da CNA, se a lei fosse aplicada no Paraná, por exemplo, 8 bilhões de toneladas de grãos a menos seriam colhidas.
Algo como 5,2 bilhões de reais que deixariam de ser produzidos. É um bom debate, mas não é bem assim: a lei estabelece um prazo de até trinta anos para o fazendeiro recompor a reserva.
O cinismo toma conta do "jeitinho" brasileiro
Ullisses Campbell - Daniel Antunes e Leonardo Augusto
São Paulo e Belo Horizonte — O Correio e o Estado de Minas entraram em contato com beneficiados do ProUni que moram em São Paulo e Minas Gerais. Nas conversas, novos indícios de irregularidades. Uma dessas pessoas é o pedagogo Jefferson Pereira Maciel, 30 anos. Com 1,80m de altura, pele morena clara, cabelos ondulados e olhos castanhos claros, Jefferson não lembra um indígena, como ele mesmo admite: “Não sou índio, mas a minha bisavó, que morava em Minas Gerais, era”.
Indagado sobre qual a etnia da bisavó, ele titubeia. “Eu sabia o nome, mas esqueci. Só sei que ela morava numa tribo e pintava o corpo de vermelho”, esquiva-se. Jefferson mora em Santo Amaro, bairro modesto de São Paulo. Graças aos benefícios do ProUni, não precisa desembolsar os R$ 720 cobrados, por mês, pela Universidade Ibirapuera, onde cursa pedagogia.
No primeiro semestre de 2008, só na cidade de São Paulo, o governo federal concedeu 16.174 bolsas. Em todo o estado, são 40,2 mil benefícios. Ingres Luana Sousa Rosário, 22 anos, tem traços finos que nem de longe lembram uma índia. No entanto, recebe R$ 319,58 por mês para cursar relações públicas na Faculdade Integrada Metropolitana de Campinas. Segundo a mãe da estudante, Ivanete de Sousa Rosário, 47 anos, o governo colocou seu nome na lista de beneficiados por engano. “Minha filha não é índia. A avó da avó dela morava numa aldeia, mas a Luana não nasceu com os olhinhos puxadinhos e nem tem cabelo liso”, relata.
Tataravô
Sem a menor cerimônia, Clóvis Dantas Ferreira, 21 anos, diz que foi beneficiado pela cota indígena do ProUni mesmo sem ter qualquer traço característico da raça. Quando lembrado de que se autodeclarou indígena, corrige. “Realmente não sou índio, mas meu tataravô era filho de indígena e isso me deu o direito à bolsa”, ressalta.
Já Anderson de Oliveira Mateus, 22 anos, cursou tecnologia em informática no Centro Universitário Monte Serrat, em Praia Grande (SP). Beneficiado pela cota indígena, deixou de pagar R$ 525 por mês durante dois anos e meio. “Acho que houve um erro do governo. Eu pedi a bolsa por ser carente e acabaram me colocando nessa cota. Mas olha só: eu poderia ser beneficiado tanto pela cota de negros quanto pela indígena, pois minha pele é morena e meus antepassados são índios, pois quando Pedro Álvares Cabral chegou aqui, só tinha índio, não é?”
Em Minas Gerais, histórias semelhantes. Thaís Mônica Moraes Ferreira, estudante de pedagogia do Centro Universitário de Belo Horizonte, aparece na lista de bolsistas. “Informei que era descendente de negro. Não me perguntaram no questionário se era descendente de índio”, afirma. Outro caso é o da estudante de letras da Universidade Vale do Rio Doce (Univale) Keila Nascimento de Paula Santos, 22 anos. Ela conta que na época em que se inscreveu no ProUni, em 2005, pediu para uma amiga fazer o cadastramento. “Minha amiga que fez o cadastro não me falou nada a respeito de cota para índios “, diz. “Minha família é descendente de negros e índios, e tenho como provar. Mas não pleiteei nenhuma desses cotas quando fui me escrever no ProUni. Na verdade, nem sabia que existia essa cota”, completa a estudante.
Omissão do governo não investigou fraudes
Pastor Reinaldo não foi reeleito em 2005 e não cobrou mais resposta. Entrevistado pelo Correio na quinta-feira passada, ele lembrou da audiência no Ministério da Justiça: “Ele (Bastos) disse que ia tomar providências, que ia encaminhar o assunto para os setores competentes. Mas ele não respondeu mais”. Ele disse ter ficado impressionado com o resultado das entrevistas feitas por sua assessoria. “Os caras nem sabiam que estavam na cota de descendentes”, comentou.
Procurado na quarta-feira, Thomaz Bastos disse que não lembrava da denúncia nem da audiência com o deputado. Sugeriu que a reportagem procurasse o secretário executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Teles Barreto, funcionário de carreira que ocupava o cargo também na sua gestão. Após três dias de pesquisa nos arquivos do ministério e da Polícia Federal, não foi encontrado registro da denúncia nem de qualquer investigação.
Sem influência
Por meio da assessoria de imprensa, o Ministério da Justiça afirmou que as vagas do ProUni contam com um sistema de seleção informatizado e impessoal pelo qual candidatos são escolhidos pelas notas obtidas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). “Nesse sentido, o Ministério da Justiça não tem influência no processo seletivo dos candidatos egressos do ensino médio. Desde a publicação do Decreto 26/91, que passa o ensino indígena ao MEC, cabe à Funai assessorar as comunidades na elaboração e gestão de programas educacionais”.
O Ministério da Educação afirmou que o ProUni “foi pioneiro na adoção de cotas étnico-raciais como mecanismo de inclusão na educação superior”. Informou que a autodeclaração dos candidatos às vagas reservadas está prevista na lei que instituiu o programa (11.096/2005). Disse também desconhecer “qualquer ação sistêmica relativa ao uso indevido do expediente da autodeclaração.”
Acatando sugestões das populações indígenas, o MEC passou, em 2006, a exigir dos candidatos desse grupo étnico que informassem, no momento da inscrição no ProUni, dados sobre sua origem e base terrritorial. “A idéia é inibir candidatos que se declaram indígenas falsamente. É importante lembrar que os candidatos, mesmo que cotistas, devem também atender os outros requisitos sócio-econômicos do programa. Além disso, a seleção para as vagas ofertadas pelas cotas ocorre por intermédio da nota obtida no Enem.”
O Correio encaminhou ao MEC a relação dos estudantes autodeclarados indígenas ouvidos pela reportagem e perguntou se todos eles foram incluídos no ProuUni na cota de indígenas. O coordenador do programa, José Freitas Lima Filha, apresentou a seguinte resposta: “Todos os bolsistas citados receberam o benefício em 2005. No nosso cadastro realmente consta que são indígenas. Entretanto, não temos como precisar, no momento, se concorreram pelas cotas. Esta checagem depende da conciliação dos dados de 2005 com os dos demais períodos, o que está sendo providenciado”.(LV)
Mim não ser índio!
Vestidos de índio
Alunos que se disseram indígenas para receber bolsas de estudo negam descendência ao falar com o Correio. possível fraude, denunciada ao governo, nunca foi apurada
Levantamento feito pelo Correio identificou, em vários estados, casos de estudantes que se autodeclararam indígenas e foram contemplados pelo Programa Universidade para Todos (ProUni), do Ministério da Educação (MEC), mas agora negam ser descendentes ou mesmo que tenham dado essa informação ao preencher o formulário de inscrição. Alguns até se mostraram surpresos ao serem informados de que são identificados como indígenas no cadastro do MEC. A denúncia de que poderia haver irregularidades no programa foi feita ao Ministério da Justiça, em 2005, mas não chegou a ser investigada. A reportagem obteve cópia do cadastro dos bolsistas, que continha 527 nomes, e entrevistou vários deles.
A lei que criou o Prouni prevê um percentual de bolsas de estudo destinado a autodeclarados negros e índios. Esses últimos, ocupam 961 das 385 mil vagas ofertadas atualmente pelo programa (0,2% do total). De acordo com a legislação, o percentual reservado aos cotistas deve ser, no mínimo, igual ao percentual de cidadãos autodeclarados indígenas e negros em cada unidade da Federação. Mas para receber o benefício é preciso cumprir também a primeira exigência do programa: renda familiar per capita de um salário mínimo e meio para bolsa integral e renda de até três salários mínimos para bolsas parciais de 50% e 25%.
A simples autodeclaração, sem a exigência de documentos que comprovem a descendência, abriu brecha para possíveis fraudes. Procurada pela reportagem, a estudante Kátia Cristina Viana, que recebeu bolsa integral para o curso de direito, em Londrina (PR), afirmou, inicialmente, que ingressou pelo critério da renda familiar. Questionada se seria descendente de índios, respondeu: “Minha avó é meio que índia. Eu me considero índia, até mesmo pelo meu cabelo, que é preto, liso, comprido”.
A confusão é comum entre os estudantes que estão nos cadastros do MEC como indígenas (veja quadro). Niedja Kaliene de Souza, que recebeu bolsa integral e já se formou em pedagogia na Faculdade AD1, em Ceilândia (DF), explicou: “O questionário estava malfeito, malformulado. Aí, com pressa, eu fui numa lan house e optei por raça indígena. Só que eu já entrei até com recurso, porque eu não sou, e coloquei lá uma raça que não era minha. Eles mandaram uma carta falando que tudo bem, que iriam pegar pela renda”.
Informação
Os dados foram reunidos a partir de um requerimento de informação apresentado pelo deputado Pastor Reinaldo (PTB-RS) ao então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, em 2005, sobre o número de alunos indígenas nas faculdades e universidades brasileiras. Questionado, o MEC informou que havia 1.568 indígenas matriculados em instituições de ensino superior no segundo semestre de 2004, sendo 55,6% em instituições privadas. A Secretaria de Educação Superior (Sesu) do ministério também encaminhou cópia da relação dos estudantes que se autodeclararam indígenas no Prouni.
O deputado perguntou ainda como são pagos os benefícios e bolsas patrocinados pela Fundação Nacional do Índio (Funai). A Funai respondeu que as despesas com pagamentos de mensalidades, aquisição de material didático, apoio à alimentação e hospedagem são pagas pelas suas unidades regionais, diretamente aos respectivos credores. Acrescentou que os estudantes indígenas do ensino superior têm apresentado quatro tipos de necessidades para garantir a sua permanência em cursos de graduação: habitação, alimentação, transporte e material escolar. “Sem que recebam suporte, mais de 60% desses estudantes são forçados a desistir dos estudos. Em Roraima e Tocantins, esse percentual de evasão foi superior a 80%”, diz o documento.
A situação mais preocupante dizia respeito aos indígenas que viviam em terras distantes dos centros urbanos. “Ainda que a Funai disponha de uma ação para apoiar estudantes do ensino superior, os recursos orçamentários não são suficientes, visto que a manutenção de um único aluno pode ficar em torno de R$ 900 por mês”, complementa o documento da Funai.
Alguns estudantes comentam sobre essa ajuda de custo. Cristina Ferreira recebeu bolsa integral para Administração, na Universidade Tuiuti, no Paraná. Ela diz que a sua mãe é filha de índios, mas confessa que teve um problema no primeiro ano: “Vieram uns papéis da Funai para provar o negócio de árvore genealógica, mas eu não fui atrás. O rapaz falou: ‘Se você provasse, teria direito a receber salário mínimo, além da bolsa’. Só que daí não deu em nada”.
Artigo Lei da Anistia
Luiz Carlos Azedo
Uma “anistia ampla, geral e irrestrita” – palavra de ordem de toda a oposição –, para ser aceita pelos militares, deveria incluir o perdão a seqüestradores, torturadores e assassinos
A maior proeza do baiano Giocondo Gerbasi Alves Dias, o “Cabo Dias” (1913-1987), foi liderar um levante militar e tomar o poder em Natal (RN), por três dias, durante a chamada Intentona Comunista de 1935. Desde então, nunca mais parou de conspirar. Seguidor do líder comunista Luiz Carlos Prestes, de cuja segurança pessoal cuidou anos a fio, na década de 1950, se tornou o principal organizador e segundo homem do Partido Comunista Brasileiro. Foi um dos líderes políticos mais importantes e perseguidos da história republicana.
Nos anos 1970, o PCB passou por momentos dramáticos: muitos dirigentes haviam sido seqüestrados pelos órgãos de segurança, 12 dos quais “desaparecidos”. Um deles é Orlando Bonfim Junior, seqüestrado pouco antes de um encontro com “Neves”, nome de guerra de Giocondo. O velho e clandestino Partidão nunca esteve tão vulnerável, com milhares de militantes presos e centenas de dirigentes desorientados, tentando fugir para o exterior. “Viver e lutar”, dizia o editoral de Bonfim, na última Voz Operária editada no Brasil, em março de 1975. Isolado de seus companheiros, Giocondo se refugiou num velho “aparelho” de Volta Redonda (RJ), que só um homem seria capaz de localizar: Armênio Guedes, outro “capa-preta” do Partidão, que estava em Paris. De lá comandou a operação clandestina na qual “Neves” foi resgatado do Brasil e levado a Moscou.
Nessa época, o líder da campanha pela anistia no Brasil era o general Pery Bevilacqua, ex-membro do Superior Tribunal Militar (STM), que havia sido cassado por seus colegas de farda por se opor ao golpe de 1964. Ele fundou o Comitê Brasileiro da Anistia (CBA), para onde afluíram os parentes dos oposicionistas banidos, exilados, presos e desaparecidos. Remanescentes de todas as organizações de esquerda que haviam participado da luta armada contra o regime integravam o CBA, que defendia melhores condições carcerárias e denunciava os seqüestros, prisões, torturas e assassinatos de oposicionistas. O general não era de esquerda, era positivista e legalista. Por isso mesmo, ele sabia que uma “anistia ampla, geral e irrestrita” – palavra de ordem de toda a oposição –, para ser aceita pelos militares, deveria incluir o perdão a seqüestradores, torturadores e assassinos. A “conciliação” é uma tradição política brasileira.
Quando houve a anistia, Prestes encarou-a com desconfiança. Imaginava que era uma armadilha para desarticular a oposição, cuja atuação no exterior levara o regime militar ao isolamento internacional, enquanto, no interior do país, promovia greves maciças de trabalhadores, grandes manifestações estudantis e vitórias eleitorais retumbantes da oposição. Ao contrário, Giocondo enxergava na anistia uma mudança política que resultaria na derrocada do regime militar. Não era, como temia Prestes, uma nova “Macedada”, episódio no qual o ex-ministro da Justiça José Carlos Macedo Soares, em 1937, libertou cerca de 400 presos políticos sem processo, para logo depois o governo Vargas implantar o Estado Novo.
O Comitê Central fechou com Giocondo. A maioria resolveu aceitar o acordo da oposição com o general Figueiredo e voltar para o Brasil, mas Prestes, o legendário líder comunista da América Latina, nunca mais compareceu às reuniões do Comitê Central. Quando se convenceu de que poderia voltar ao Brasil, anunciou que o fazia como simples cidadão. Era o rompimento velado com o PCB, cujo comando havia perdido para Giocondo e outros veteranos de 35, como Dinarco Reis, Almir Neves e Teodoro Melo (ainda vivo).
Toda a esquerda brasileira se beneficiou da anistia, porém uma parte nunca aceitou a reciprocidade com relação aos militares que atuaram na repressão política. Da mesma forma como não votou a favor da eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral, não reconheceu o papel do ex-presidente José Sarney na transição à democracia e não endossou a Constituição de 1988. Ao longo dos anos, alimentou o desejo de um ajuste de contas com os torturadores e ainda vive em escaramuças com os militares na Comissão de Anistia. O ministro da Justiça, Tarso Genro, já fez parte desses setores e de vez em quando tem suas recaídas. Agora, ingenuamente, resolveu propor a mudança da Lei da Anistia para punir os torturadores e assassinos do regime militar e provocou uma onda de indignação nos quartéis. Não respeitou o histórico acordo referendado no Congresso com a aprovação da Lei da Anistia, que acelerou a democratização do país e a volta dos militares à caserna. Romper esse acordo é chamar os militares de volta à luta política, daí porque o ministro da Defesa, Nelson Jobim, que acompanhou todo o debate da anistia e já presidiu o Supremo Tribunal Federal, fez muito bem em dar um chega prá lá no seu colega de Esplanada. Como dizia o Cabo Dias, “passado é como diamante, ninguém joga fora”. Afinal, a esquerda também cometeu seus “crimes de guerra” durante a luta armada.
O equilibrado artigo de Coimbra sobre o joio e o trigo dos candidatos
* Marcos Coimbra
Se olharmos os candidatos a prefeito na grande maioria de nossas cidades, o que vamos encontrar, como regra, é gente séria, que encara com responsabilidade o trabalho para o qual se propõe
Quem trabalha com eleições e candidatos há muito tempo, às vezes se alegra e às vezes se entristece com o tratamento que esses temas recebem da imprensa e dos meios de comunicação. Não só eles, mas a política, de maneira geral, podem tanto ser tratados de um modo justo, como injusto.
Para tomar um exemplo recente: na discussão da questão Daniel Dantas, nossa imprensa teve desempenho positivo, preservando sua capacidade crítica e mantendo visão equilibrada. Ajudou-nos a todos a entender o que estava acontecendo.
O mesmo não se pode dizer a respeito do início da cobertura das próximas eleições municipais. Predomina um tratamento adequado, mas, volta e meia, temos o oposto, uma visão preconceituosa e equivocada.
Não é nos noticiários políticos, elaborados por profissionais especializados na análise e discussão do tema, que se encontram os problemas. Onde mais costumamos tê-los é nos lugares em que tais assuntos aparecem menos em épocas normais. Nos jornais, nas seções destinadas a temas de comportamento e cultura. Nas emissoras de televisão e de rádio, em programas de entretenimento e humor.
Nesses espaços, o que mais se vê é a crítica superficial, a ironia ligeira, a piada óbvia. Com mínima preocupação para com os fatos, o tom é dado por generalizações imerecidas e enganosas.
Os políticos são sempre ladrões, os candidatos, caricatos e despreparados, as campanhas, ridículas e enfadonhas, os eleitores, quase sempre tolos e ingênuos, facilmente enganáveis por expedientes pueris. Tudo fica nivelado, pelo mais baixo e mais desagradável, como se tudo fosse igual.
É impressionante o à vontade com que cronistas de costumes e artes, colunistas de assuntos sociais, âncoras de programas de bate-papo se sentem autorizados a não ter qualquer compromisso com a realidade. Para muitos desses profissionais, uma piada fácil, mesmo que velha, está sempre na ponta da língua.
A ligeireza dessa atitude contrasta com o que são e pensam os dois personagens centrais dos processos eleitorais: os candidatos e os eleitores. Quem os acompanha de perto, não duvida disso.
Se olharmos os candidatos a prefeito na grande maioria de nossas cidades, o que vamos encontrar, como regra, é gente séria, que encara com responsabilidade o trabalho para o qual se propõe. Há pessoas mais e menos bem preparadas, como em todas as atividades humanas. Pode haver gente com más intenções, mas é imensa minoria.
Em várias capitais, uma nova geração de políticos está debutando, alguns em início de carreira, outros disputando cargos majoritários pela primeira vez. Gente de grande experiência concorre em outras, com todas as credenciais para voltar. Muitos prefeitos bons pleiteiam a reeleição.
Não há eleições onde nosso povo mais se revele que nas escolhas de vereadores. Temos candidatos de todos os tipos, de todas as cores e orientações, defendendo todas as bandeiras, na maior parte das vezes vindos das camadas mais humildes da população. É preciso respeitar isso.
A grande maioria dos cidadãos brasileiros leva profundamente a sério seus deveres cívicos. Pode errar, mas sempre procura acertar, mais ainda os que mais precisam do poder público.
Não se questiona o direito de ninguém questionar o que somos. Ao fazê-lo, porém, é preciso tomar cuidado com estereótipos e preconceitos, que nada mais fazem que perpetuar os elementos autoritários e antidemocráticos de nossa cultura.
Antes de propor uma piadinha fácil sobre nossos políticos, valeria a pena conhecer quem eles, quase sempre, são.
*Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
marcos.coimbra@correioweb.com.br
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