* Por Davis Sena Filho
O sistema capitalista, por si só, pelos seus propósitos, é violento. Como ele é excludente, por ser selvagem, os que têm dinheiro compram segurança, compram armas, para garantir seu patrimônio em uma cultura patrimonialista historicamente malvada, há séculos em vigência no Brasil. Esse processo acontece porque os governos brasileiros têm uma tradição de dar prioridade às políticas econômicas que atendam aos interesses do capital em detrimento das políticas sociais.
Por isso, que as sociedades, principalmente as mais desenvolvidas, cobram dos governos a efetivação de políticas públicas sociais, no sentido de civilizar a competição, que é a essência do sistema capitalista e de qualquer regime político que implemente esse sistema.
Quero dizer que o sistema capitalista, se não for regulamentado, torna-se predatório, porque somente algumas dezenas de milhares de famílias terão acesso aos meios de produção, aos empregos bem-remunerados e aos cargos de mando, sejam eles pertencentes ao segmento político ou ao segmento empresarial.
Acontece que o Brasil tem uma população que ultrapassa os 180 milhões de pessoas, o que faz com que cheguemos à conclusão que a concentração de renda é brutal, porque, do total de brasileiros, mais da metade dos 180 milhões é composta de pobres e muito pobres, o que me leva a dizer que, sem sombra de dúvida, o sistema capitalista não-regulamentado, como o do Brasil, é cruelmente injusto e perversamente mortal.
Países como a Suécia, a Dinamarca, a Noruega, a Bélgica, a Holanda, o Canadá, a Islândia, o Japão, a Coréia do Sul, a França, dentre muitos outros, regulamentaram seus sistemas capitalistas, o que significa que essas nações não permitiram a concentração de renda, assim como as diferenças salariais imensas entre profissionais que exercem a mesma profissão ou não. Esses países conseguiram gerenciar suas riquezas de forma eqüânime, a fim de efetivar o estado de bem-estar social, regime este, sim, capitalista mas democrático, tanto no que concerne às questões econômicas quanto no que tange às questões sociais.
Um País somente é democrático se houver, em sua plenitude, democracia econômica. O Brasil lutou 20 anos por causa da ausência das liberdades democráticas. O País se democratizou em 1985, fortaleceu suas instituições republicanas, realizou um sem-número de eleições diretas e livres, baniu a censura mas não democratizou a economia.
E por quê? Porque as elites deste Pais se apoderaram do trabalho produzido pelos trabalhadores. Por controlarem as terras, as matérias-primas, as máquinas e, conseqüentemente, o capital, que é o dinheiro, nossos homens e mulheres de negócios barganham esse imenso poder, juntamente com os governos, para impor suas razões e seus interesses, que, comumente, não coadunam com os interesses da sociedade em geral, que, mais fraca economicamente, vive de migalhas e se submete a todos tipos de violência, sendo que as piores delas são a ignorância e a miséria.
Dentro deste contexto, percebe-se, então, que não interessa às nossas elites a democracia plena, pois ela se recusa a distribuir as riquezas deste País de forma mais justa. Haveremos de nos lembrar que o pilar de nossa economia, há um tempo de apenas 120 anos, era a escravidão. Temos, portanto, uma elite econômica herdeira da escravidão, o que me faz pensar e concluir esse pensamento, no sentido que se temos uma elite que foi escravocrata naturalmente que ela sempre lutará contra os avanço sociais e a democratização das riquezas produzidas pelos trabalhadores do Brasil.
Sei que o regime democrático é falho. Mas é o melhor que a humanidade pôde criar. Mas lembremos que eu argumentei anteriormente que o sistema capitalista pode ser humanizado, democratizado, civilizado e regulamentado. Pondero que esse sistema tem de tomar um banho de democracia, tal qual os países nórdicos, os países baixos europeus tomaram. Esses países, que são capitalistas, equalizaram as riquezas, aperfeiçoaram, através das décadas, seus sistemas educacionais e de saúde e com isso proporcionaram o desenvolvimento socioeconômico de seus povos, que experimentam, realmente, a democracia política, social e econômica.
O Brasil caminha em sentido contrário ao que deu certo em outros países. Trilha por veredas tortuosas e não percebe que concentração de renda e de riqueza leva à indigência social e moral e à violência nos lares e nas ruas. Nada é mais feio do que a miséria material, que leva à miséria moral. Nada é mais feio do que vermos pessoas, como nós, a morar em favelas e palafitas, despidas de seus sonhos, que lhes foram arrancados, com desrespeito e desprezo, por aqueles que não permitem que os cidadãos brasileiros edifiquem um estado de bem-estar social, que o livre do desemprego, da ignorância, das doenças e da miséria.
Somos um País surreal, porque não investimos em nosso próprio povo, mas acenamos aos oportunistas, aos jogadores, aos aplicadores das bolsas de valores e dos bancos e financeiras para que eles tragam seu dinheiro volátil para o Brasil. Para que eles se locupletem com os juros praticados no Brasil. Para que eles, depois de lucrarem promiscuamente, levem o dinheiro de volta para seus bolsos, sem qualquer compromisso com o desenvolvimento social do povo brasileiro.
Somente para se ter uma idéia do que afirmo nesta tribuna, cito alguns números referentes aos bancos nacionais e estrangeiros que atuam no Brasil. Mas, antes, considero que o governo deveria colocar em prática alguma forma de intervenção no segmento, porque é visível que os bancos cometem práticas prejudiciais aos interesses da maioria dos brasileiros.
De 1996 até 2007, os balanços bancários denotam que os lucros obtidos com tarifas bancárias são exorbitantes. As tarifas impulsionaram o crescimento financeiro do setor. No ano de 1996, essas cobranças junto aos correntistas propiciou aos bancos um lucro de R$ 12,1 bilhões. Em 2006, ou seja, dez anos depois, os lucros deram um salto impressionante e atingiram a marca de R$ 47,5 bilhões. A alta, portanto, chegou aos inacreditáveis 293%. A inflação no Brasil, de 1996 a 2006, foi de 92,7%. No mesmo período, a follha de pagamento dos bancos cresceu 55%, enquanto as tarifas bancárias tiveram um aumento de 293%.
É algo que impressiona, mas mesmo assim os bancos atuam livres neste País que insiste em não regulamentar o sistema em que vivemos, que é o sistema capitalista. Se o País não efetiva esse processo, como poderá impor regras àqueles que se beneficiam com a frouxidão dos governos — que é o caso dos banqueiros. As 104 instituições financeiras que atuam no País tiveram lucros, em 2006, que atingiram os R$ 33,4 bilhões, o que significa o retorno de 22,9% sobre o patrimônio líquido das instituições bancárias.
Todo esse gigantesco lucro, de acordo com o Banco Central, não inclui negócios por intermédio de previdência privada, cartões de crédito, consórcios e seguros. As receitas dos bancos com juros tiveram alta de mais de 100% nos últimos 10 anos. Elas são provenientes, principalmente, dos investimentos em títulos públicos e das operações de crédito. Como se vê ser banqueiro neste País é estar no paraíso, graças à permissividade e à perversidade do nosso sistema capitalista que teima em não ser regulamentado, no sentido de ele ser civilizado e não selvagem.
O Governo Lula melhorou as condições de vida da população brasileira, notadamente a parcela mais pobre. Os avanços sociais são visíveis. Não os ignoro, mas o Governo do operário deveria ser mais assertivo, propositivo e que radicalizasse o processo de desenvolvimento social e econômico do nosso povo. O PIB brasileira, que foi de R$ 2,6 trilhões em 2007, de acordo com o IBGE, colocou o Brasil no 8º lugar das maiores economias do Mundo. No Governo de Fernando Henrique chegamos a ser a 14º economia, o que, sobremaneira, fez com que o Brasil, naquele período, fosse ao FMI três vezes. É necessário, portanto, que as riquezas deste País sejam o mais rapidamente distribuídas, para o bem da Nação, que há cinco séculos é vítima da beligerância e do egoísmo de nossas elites.
Nossos governos têm de entender que as pessoas estão acima dos sistemas econômicos e dos regimes políticos. As pessoas morrem e por isso acredito que elas precisam viver com dignidade e respeito. Além disso, os sistemas criados pelos homens não são eternos porque tudo se renova, avança e se modifica, bem como, muitas vezes, chegam ao seu fim.