Frases que entraram para a História

Impagáveis!

Duela a quien duela (como diria Fernando Collor), o presidente João Batista Figueiredo é um dos maiores frasistas da História. Seu modo de reconstituir a realidade em palavras desconcertou os brasileiros – do final dos anos 70 à primeira metade dos 80. Como em 1979, quando perguntado por um garoto sobre o que faria se seu pai ganhasse o salário mínimo.

– Eu dava um tiro na cuca – respondeu o general, sem hesitar.

As palavras do último comandante do regime militar marcam um período do país. Da mesma forma, a frase “Saio da vida para entrar na História”, escrita por Getúlio Vargas em 1954 como legenda de seu suicídio, é o emblema de uma época.

Por meio das tiradas de políticos como Collor, Figueiredo ou Vargas e muitos outros, é possível vislumbrar as fases do Brasil. Engraçadas ou infelizes, estudadas ou involuntárias, sérias ou irônicas, as frases servem para recontar a biografia da República.

A ERA VARGAS

Getúlio Vargas (1883-1954):

“Política é esperar o cavalo passar.”

“Voltarei nos braços do povo.”

“Saio da vida para entrar na História.”

OS ANOS JK

Juscelino Kubitschek (1902-1976):

Ao assumir a Presidência (1956). “Esta é a última seca que assola o Nordeste.”

A RENÚNCIA

Jânio Quadros (1917-1991):

“Fi-lo porque o quis.” (embora tenha passado para a História como se tivesse dito “Fi-lo porque qui-lo”)

A LEGALIDADE

Leonel Brizola (nascido em 1922):

Pelo rádio, durante a Legalidade, em 1961. “Povo de Porto Alegre, meus amigos do Rio Grande do Sul, venham para a frente deste palácio, numa demonstração de protesto contra esta loucura e este desatino.”

O REGIME MILITAR

Marechal-presidente Humberto Castello Branco (1900-1967):

“A esquerda é boa para duas coisas: organizar manifestações de rua e desorganizar a economia.”

General-presidente Emílio Garrastazu Médici (1905-1985):

“Sinto-me feliz todas as noites quando ligo a televisão para assistir ao jornal. Enquanto as notícias dão conta de greves, agitações, atentados e conflitos em várias partes do mundo, o Brasil marcha em paz, rumo ao desenvolvimento. É como se eu tomasse um tranqüilizante após um dia de trabalho.”

Ministro Alfredo Buzaid (1914-1991), da Justiça:

“Não há tortura no Brasil.”

Ulysses Guimarães (1916-1992):

Na Bahia, em 1978, quando a Polícia de Choque avançou com com cães. “Respeitem o líder da oposição!” Os soldados recuaram.

General-presidente João Batista Figueiredo (nasc. 1919):

“Durante muito tempo o gaúcho foi gigolô de vaca.”

“Prefiro cheiro de cavalo a cheiro de povo.”

“Sei que o país é essencialmente agrícola. Afinal, posso ser ignorante, mas não tanto.”

“Todo povo é uma besta que se deixa levar pelo cabresto.”

“Um povo que não sabe nem escovar os dentes não está preparado para votar.”

Confirmando a abertura política. “É para abrir mesmo. Quem quiser que não abra, eu prendo e arrebento.”

Perguntado, em 1979, por um garoto, sobre o que faria se seu pai ganhasse o salário mínimo. “Eu dava um tiro na cuca.”

O COLÉGIO ELEITORAL

Tancredo Neves (1910-1985):

“Para a esquerda eu não vou. Não adianta empurrar. Ao dizer que campanha eleitoral era “uma luta para machos” e ser acusado de machista por uma deputada. “Não é nada disso, minha filha. Macho é hoje uma palavra unissex.”

Quando alguém tentou contar-lhe um segredo que “ninguém podia saber”. “Então não me conte. Se você, que é o dono do segredo, não consegue guardá-lo, imagine eu.”

Paulo Maluf (nasc. 1931):

“No Brasil, o político é veado, corno ou ladrão. A mim, escolheram como ladrão.”

A NOVA REPÚBLICA

Ministro Dilson Funaro (1933-1989), da Fazenda, pai do Plano Cruzado:

“Vamos viver em outro mundo a partir de hoje.”

Deputado federal Roberto Cardoso Alves (nasc. 1927):

Sobre a votação do mandato de cinco anos para José Sarney. “É dando que se recebe.”

Luiz Inácio Lula da Silva (nasc. 1945):

“Se disputasse uma eleição, os votos do Sarney não dariam para encher um penico.”

Roberto Campos (nasc. 1917):

Em artigo sobre os direitos femininos na Constituição, em 1988. “Elas gostam de apanhar.”

Presidente da Câmara, Ulysses Guimarães:

No discurso da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. “Eu tenho ódio e nojo à ditadura.”

A VOLTA DA ELEIÇÃO DIRETA

Empresário Mário Amato (nasc. 1918):

“Se Lula ganhar esta eleição, 800 mil empresários vão deixar o país!”

Lula:

“Para se eleger, Brizola pisaria até no pescoço da mãe.”

Leonel Brizola:

Ao se aliar a Lula, no segundo turno, contra o candidato Fernando Collor. “Não seria fascinante fazer, agora, a elite brasileira engolir o Lula, este sapo barbudo?”

Cardiologista Enéas Carneiro (nasc. 1938):

“Meu nome é Enéas.”

A ERA COLLOR

Fernando Collor (nasc. 1949):

No segundo turno, acusando Lula de planejar um calote na poupança. “Eu sou contra o calote e o ‘beijo’ que o meu adversário quer dar na dívida externa e na dívida interna – aí incluída a caderneta de poupança.”

“O meu primeiro ato como presidente será mandar para a cadeia um bocado de corruptos.”

“A poupança é sagrada.”

“Vou liquidar o tigre da inflação com uma única bala!”

“Nesse presidente, ninguém coloca uma canga.”

“Eu tenho aquilo roxo!”

“Duela a quien duela.”

“Continuarei governando até o último dia de meu mandato.”

“Não me deixem só.”

Ministro Antônio Rogério Magri (nasc. 1941), do Trabalho:

Sobre o uso de carro oficial para levar sua cachorra ao veterinário. “A cachorra é um ser humano, e eu não hesitei.”

“Penso muito durante meus momentos de solidez.”

Primeira-dama Rosane Collor de Mello (nasc. 1963):

Sobre sua lua-de-mel. “Vamos passar 15 dias no Egito e depois vamos ao Cairo.”

Empresário PC Farias (1946-1996), tesoureiro da campanha de Collor:

“Se alguém queria me agradar com dinheiro, eu não tinha como recusar.”

“Sei bater o olho num sujeito e dizer se ele é honesto ou não.”

VIOLÊNCIA

Paulo Maluf:

Na campanha para prefeito de São Paulo, em 1992. “Se está com desejo sexual, estupra, mas não mata.”

SEPARATISMO

Ciro Gomes (nasc. 1957):

Ao criticar os separatistas do Sul. “As pessoas que defendem isso têm um desvio homossexual.”

ELEIÇÕES 94

Sociólogo Fernando Henrique Cardoso (nasc. 1931):

“Sou mulatinho, tenho um pé na cozinha. Não tenho preconceito.”

GOVERNO FH

Ministro Íris Rezende (nasc. 1933), da Justiça:

“O crime, muitas vezes, é inevitável.”

Ministro Eliseu Padilha (nasc. 1945), dos Transportes: Comparando Pelé ao asfalto. “São dois pretos admirados por todo o Brasil.”

Frases, caracteres, 'slogans' proferidos para convencer

Das frases que eram programas até ao eco de discursos quase vazios de sentido

Oradores. Uma classe rendida à espuma dos dias, ao 'sound bite', à sigla indecifrável, à frase assassina: Eu acho que a política é para tratar de idéias", respondia Manuel Maria Carrilho, na entrevista ao Expresso, "sobretudo quando há 38 760 caracteres de propostas e de idéias". Quando um filósofo se exprime assim, definindo o seu opositor autárquico Carmona Rodrigues como um "sonso", quando ainda não está esquecido o rótulo de "gelatina política" que aplicou a Marcelo Rebelo de Sousa, como está o discurso político português?

"O outro candidato tem outros colos. Estes colos sabem bem", deixava cair, de forma ambígua, Santana Lopes, num risonho almoço de campanha em Braga com 1200 mulheres. "Fique-se com as porcarias, que nós queremos ficar com os portugueses", retorquia Jorge Coelho, com o seu timbre forte, no comício de Vila Real. Dentro de dez anos, ao folhear os jornais, quem entenderá o sentido das frases da última campanha eleitoral?

A cada reviravolta histórica, aderindo à moda do momento, os políticos foram sendo distinguidos ou denegridos pela sua capacidade de usar a palavra. Mesmo o sound bite, essa concentração de uma idéia numa frase-chave para caber numa notícia de televisão, a que certos homens públicos, mais dados ao raciocínio, parecem não se adaptar, é uma tradição antiga.

Afinal, o século XX pode descrever-se com expressões-síntese "sangue, suor e lágrimas" (Churchill); "somos todos berlinenses" (Kennedy); "o imperialismo é um tigre de papel" (Mao); "a imaginação ao poder" (grafitti do Maio 68); "nuclear? não, obrigado!" (crachás da década de 70). Mesmo entre nós, do "obviamente, demito-o" (Delgado) ao "para Angola, rapidamente e em força" (Salazar).

Na seqüência da revolução dos cravos, em que as palavras libertadas da censura saturaram discursos e discussões, surgiriam slogans ou frases que, por si só, eram projetos "Nem mais um soldado para as colónias" (MRPP), "A URSS está para o mundo como o sol está para a terra" (Cunhal), "Uma maioria, um governo, um presidente" (Sá Carneiro), "Socialista, republicano e laico" (Soares).

Mesmo os comentadores criavam expressões que marcaram o quotidiano com "fatos políticos", esse conceito inventado por Marcelo Rebelo de Sousa nos seus tempos do Expresso. Três exemplos "Deus não dorme", o polemico título de um editorial de Mário Mesquita sobre a alternância no poder; a "geração rasca", esse rótulo que Vicente Jorge Silva colou aos universitários que baixavam as calças à ministra Ferreira Leite ao gritarem "não pagamos!"; o "picareta falante", a etiqueta que Vasco Pulido Valente colou a Guterres.

Na ressaca das disputas ideológicas, o pragmatismo da ação impôs-se como valor, em detrimento da verborreia que servia para exprimir as diferenças ideológicas. O primeiro político nacional a assumir esse quase antidiscurso foi Cavaco "Nunca me engano e raramente tenho dúvidas." E, num tempo de culto da "frase assassina", após o "pântano" de Guterres, o "país de tanga" de Barroso.

Entretanto, a adesão à (então) Comunidade Econômica Europeia enxameou o léxico político com tantas siglas que era preciso um dicionário para se entender os governantes. As pessoas não sabiam que FEDER significa Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional ou que PIDDAC quer dizer Plano de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central. Em teoria, um jornalista podia fazer o título "ANMP contra FEF do OE", convencido que toda a gente percebia que a Associação Nacional de Municípios Portugueses contestava o Fundo de Equilíbrio Financeiro, que correspondia às verbas do Orçamento de Estado para as autarquias.

Ao longo das últimas décadas, quase sem ninguém se aperceber, a qualidade do discurso dos políticos foi decaindo, decaindo, decaindo até se chegar ao cúmulo das pessoas recordarem o último congresso do PSD pelas duas frases de Santana Lopes "Não vou estar por aqui. Mas vou andar por aí." Parafraseando um título de Barthes, chegamos ao grau zero da política.

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