Sarney: a cara da crise e cada vez mais parecido com Renan
O desgaste continua
Ao contrário do que disse em discurso na semana passada, quando tentou se dissociar da onda de escândalos da Casa que preside - "A crise é do Senado" -, o senador José Sarney é cada vez mais a face da crise que assola a instituição, e a robusta parcela de responsabilidade que por ela lhe cabe é intransferível. Perante a opinião pública, ele perdeu irremediavelmente a batalha da credibilidade. Só tem a culpar por seu desgaste as negaças e tergiversações com que vem tentando varrer para debaixo do tapete os fatos objetivos que o mantêm na berlinda. Ele nada aprendeu, ao que tudo indica, com a reação geral de incredulidade à sua alegação de que não sabia que recebia R$ 3.800 mensais a título de um auxílio-moradia indevido (isso depois de ter negado o recebimento).
Logo em seguida, quando este jornal informou, com base em investigações internas do próprio Senado, que, a contar de 1995, centenas de atos secretos - 658, segundo o balanço mais recente - foram baixados pela cúpula administrativa da Casa, Sarney de início negou taxativamente que existissem. Mais adiante, num exercício de contorcionismo verbal, elaborou: "Não pode haver ato secreto se causou efeito. Mas é claro que faltou uma formalidade essencial (sic), que foi a publicação do ato." Qualquer coincidência com o eufemismo mensalônico para caixa 2, "recursos não contabilizados", deve ser coincidência. Nesse meio tempo, enfim, o senador negou e tornou a negar que, salvo num caso, tivesse conhecimento de que tais atos serviram para nomear ou demitir uma dezena de familiares e afilhados políticos. Entre os contemplados, uma contraparente que mora na Espanha.
O patrimonialismo, aliás, é difundido no clã. No sábado, o Estado revelou que a filha do presidente do Senado, Roseana Sarney, mantém na sua casa em Brasília um supermordomo, de quem é madrinha, que recebe cerca de R$ 12 mil em dinheiro público como assessor de gabinete. Amaury de Jesus Machado, o servidor agregado, é conhecido pelo apelido Secreta, corruptela de secretário. Roseana - nomeada sigilosamente assessora técnica do Senado em 1984 - renunciou em abril ao mandato de senadora para assumir o governo do Maranhão. Se, antes, já não poderia ter um funcionário público entre os seus empregados domésticos, que dirá agora.
A entrada em cena do Secreta tirou o gás da tentativa de Sarney de conter a escalada de danos à sua imagem - e, quem sabe, ao seu futuro como presidente do Senado. Na véspera, sob forte pressão de seus pares e sem conseguir esconder o nervosismo, ele anunciara a criação de uma comissão de sindicância - a sexta em quatro meses - para apontar os responsáveis pelos atos secretos. A investigação veio a reboque de uma acusação do chefe do boletim de pessoal da Casa, Franklin Albuquerque Paes Landim. Ele disse à Folha de S.Paulo que o então diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, e o então diretor de Recursos Humanos, João Carlos Zoghbi, o proibiram de publicar atos administrativos sem a sua autorização expressa. Sarney nomeou Maia para o cargo que ocuparia até março último em 1995, na primeira das três vezes em que presidiu o Senado. Ambos continuam próximos.
Segundo rumores, Sarney poderá demitir hoje o sucessor de Maia, Alexandre Gazineo, compartilhar com os outros membros da Mesa a escolha do seu substituto e submeter o seu nome à aprovação do plenário. A se confirmar, será uma reação tardia. Na semana passada, um grupo de 20 senadores havia apresentado um documento com oito medidas para resgatar a Casa do atoleiro. A primeira delas era a demissão de Gazineo e de toda a diretoria do Senado. Inicialmente, Sarney a ignorou. Disse que concordava apenas com três delas (redução de pessoal e a suspensão de novas contratações; convocação mensal do plenário para a ratificação de medidas administrativas propostas pela Mesa; e auditoria externa para todos os contratos do Senado). A questão essencial é que todos os atos secretos, assim como os demais, foram assinados ou por 4 dos 7 membros da Mesa, ou pelo primeiro-secretário, ou ainda pelo próprio presidente. São eles, portanto, os responsáveis últimos pelos cargos, pagamentos e mordomias assim criados. Estará o Senado conduzido por José Sarney disposto a torná-los sem efeito?
Comentários
Serlos Sercare
E-Mail: serlos.sercar1942@gmail.com
A Mesa Diretora receberá hoje o relatório final da comissão que descobriu cerca de 650 boletins secretos.
LISTA
Senadores beneficiados por atos secretos
Aldemir Santana (DEM-DF) adelmir.santana@senador.gov.br
Antonio Carlos Júnior (DEM-BA) acmjr@senador.gov.br
Augusto Botelho (PT-RR) augusto.botelho@senador.gov.br
Cristovam Buarque (PDT-DF) cristovam@senador.gov.br
Delcídio Amaral (PT-MS) delcidio.amaral@senador.gov.br
Demóstenes Torres (DEM-GO) demostenes.torres@senador.gov.br
Edison Lobão (PMDB-MA) licenciado (ministro)
Efraim Moraes (DEM-PB) efraim.morais@senador.gov.br
Epitácio Cafeteira (PTB-MA) ecafeteira@senador.gov.br
Fernando Collor (PTB-AL) fernando.collor@senador.gov.br
Geraldo Mesquita (PMDB-AC) geraldo.mesquita@senador.gov.br
Gilvam Borges (PMDB-AP) gilvamborges@senador.gov.br
Hélio Costa (PMDB-MG) licenciado (ministro)
João Tenório (PSDB-AL) jtenorio@senador.gov.br
José Sarney (PMDB-AP) sarney@senador.gov.br
Lobão Filho (PMDB-MA) lobaofilho@senador.gov.br
Lúcia Vania (PSDB-GO) lucia.vania@senadora.gov.br
Magno Malta (PR-ES) magnomalta@senador.gov.br
Marcelo Crivella (PRB-RJ) crivella@senador.gov.br
Maria do Carmo (DEM-SE) maria.carmo@senadora.gov.br
Papaléo Paes (PSDB-AP) papaleo@senador.gov.br
Pedro Simon (PMDB-RS) simon@senador.gov.br
Renan Calheiros (PMDB-AL) renan.calheiros@senador.gov.br
Roseana Sarney (PMDB-MA) renunciou para assumir o governo do MA
Sérgio Zambiasi (PTB-RS) zambiasi@senador.gov.br
Serys Slhessarenko (PT-MT) serys@senadora.gov.br
Valdir Raupp (PMDB-RO) valdir.raupp@senador.gov.br
Wellington Salgado (PMDB-MG) wellington.salgado@senador.gov.br
Senadores que assinaram atos secretos quando integravam a Mesa Diretora da Casa
Antonio C. Valadares (PSB-SE) antval@senador.gov.br
César Borges (PR-BA) cesarborges@senador.gov.br
Eduardo Suplicy (PT-SP) eduardo.suplicy@senador.gov.br
Garibaldi Alves (PMDB-RN) garibaldi.alves@senador.gov.br
Heráclito Fortes (DEM-PI) heraclito.fortes@senador.gov.br
Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) mozarildo@senador.gov.br
Paulo Paim (PT-RS) paulopaim@senador.gov.br
Romeu Tuma (PTB-SP) romeu.tuma@senador.gov.br
Tião Viana (PT-AC) tiao.viana@senador.gov.br
Estamos tentando contato com os três senadores gaúchos para que falem sobre o assunto no Atualidade.
Postado por André Machado às 06h47Comentários (5) | Envie para um amigo | Link