Minipacote fiscal para conter inflação

Brasil S/A :: Antonio Machado para o Correio Braziliense

Governo descobre o pé para cobrir a cabeça ao aumentar o IOF sobre gastos no exterior com cartão

Ditadura do caixa

O governo trabalha com duas prioridades que supostamente tiram da frente todas as outras: a inflação alta e o viés de valorização do real. Tais objetivos são conflitantes, embora essenciais, exigindo perfeita afinação dos instrumentos da política econômica.

É isso o que a Fazenda e o Banco Central deveriam ter considerado ao levar à assinatura da presidente Dilma Rousseff o decreto que aumentou de 2,38% para 6,38% a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) incidente sobre os gastos com cartão de crédito no exterior.

A decisão contraria a intenção de segurar a depreciação do dólar, o que é combatida com uma mistura de ações que impliquem a redução das entradas de divisas e aumentem as saídas. O aumento dos custos das viagens internacionais está na mão oposta dessa estratégia.

Os economistas do governo sabem disso e não a tomaram pensando na taxa cambial. A medida se destina, exclusivamente, a gerar caixa e assim compensar a correção de 4,5% da tabela do Imposto de Renda — despesa não contemplada no orçamento federal de 2011, mas acertada pela presidente com as centrais sindicais como troca pelo reajuste do salário mínimo para R$ 545. Os sindicalistas queriam mais.

A preocupação do governo em não esticar as contas fiscais sem que haja provisão de receita revela uma gestão responsável. Se tivesse havido tal preocupação nos últimos dois anos do governo Lula, tais problemas não existiriam, e Dilma estaria à vontade para governar.

Paciência: ela só pode decidir com base no que tem. Mas que então os operadores da política econômica não queiram induzir a imprensa a outras conclusões, como se deu na véspera do aumento do IOF, que coincidiu com o anúncio das contas externas do país em fevereiro.

Na apresentação dos resultados, o BC destacou o aumento do gasto com viagens ao exterior: US$ 3,07 bilhões no bimestre, volume 38% superior ao de igual período do ano passado. Daí para a aparente relação entre tal fato e o IOF foi um pulo. E se leu coisas assim: “gasto no exterior cresce e IOF sobe”. Não há esse nexo causal.

Havia quando o país vivia crises crônicas de escassez de divisas, levando os governos a administrar o câmbio, a promover leilões de moeda para o importador, a forçar estatais a se endividarem lá fora e a racionar a venda de dólares para os turistas. Poucos devem se lembrar de que houve época em que só se podia comprar US$ 500 por pessoa, e cartão de crédito era válido apenas no Brasil.

A economia no corner
Hoje, problema não é dólar escasso no Brasil, mas sua abundância. Esse é um termo da equação que põe a política econômica no corner. O outro é político. Para governar, Dilma vai ter de fazer escolhas sobre quem paga a fatura das decisões, diferentemente de Lula.

Ele encontrou no segundo mandato folga fiscal e crédito farto nos bancos públicos para atender a maioria das demandas sem precisar arbitrar sobre quem recairia o custo. A consequência do orçamento apertado, além da necessidade de reprimir a demanda para a Selic não disparar, é que Dilma precisará negociar com sua base aliada, o empresariado e os grupos sociais como Lula jamais precisou.

Estátua por encargos
Pegue-se uma das promessas de Dilma em sua campanha eleitoral: a desoneração dos encargos sociais sobre a folha salarial. Na última reunião do Grupo de Avanço da Competitividade, o ministro Guido Mantega afirmou aos empresários presentes que o governo vai fazer essa reforma, ouvindo elogios do industrial Jorge Gerdau. “Se vocês fizerem isso, vão merecer uma estátua”, disse, com a ressalva de que não poderia haver aumento de carga tributária. Ao governo a condição é que ela não baixe. Trata-se, portanto, de se achar outra distribuição do ônus tributário. Estima-se que a parte empresarial da contribuição ao INSS corresponda a R$ 95 bilhões.

A colcha de retalhos
De onde sairá o custeio do INSS, se a desoneração for completa e beneficiar as empresas em geral, e não só as exportadoras, como se cogitou no início dessa discussão? A ideia é aumentar as alíquotas do PIS/Cofins, cuja arrecadação foi de R$ 180,2 bilhões em 2010.

Em tal caso, a desoneração total da contribuição patronal ao INSS equivale a 53% dessa receita. A quanto teria de chegar a alíquota? Parece inviável recuperá-la só inchando o PIS/Cofins. Assim está o governo: descobrindo o pé para cobrir a cabeça. É o que se fez com o IOF sobre pagamentos internacionais com cartão. E até a inflação leva na cabeça, já que também o IPI sobre cerveja, refrigerante e água mineral foi aumentado. Está virando colcha de retalhos.

Quadratura do círculo
O país está diante de urgências da inflação e da questão cambial, mas tais distorções são menos reflexo dos fatores factuais, como a enxurrada de dólares, que do despreparo da política econômica para fenômenos que vêm de longe. Os primeiros sinais do choque de preço das commodities começaram em 2003, quando a internacionalização da indústria chinesa ganha solidez. O baque do dólar pelos EUA depois da crise de 2008 contribuiu para a financeirização das commodities nas bolsas de futuros, quando os preços à vista já batiam recordes.

E aqui, mesmo com tais ventos, o governo soltava a amarra fiscal, já conhecendo as relações estreitas entre a economia brasileira e da China, graças à qual a recessão nos pegou de raspão. Sair desse enrosco sem mudanças fiscais se equipara à quadratura do círculo.

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